15/04/2022 - 11:27
O acadêmico ucraniano Nazar Danchishin não tem experiência de combate, mas está ajudando o seu país desde o início da guerra, aproveitando os seus conhecimentos da língua e da poesia nacional para ensiná-las a seus compatriotas russófonos.
“Se todos falarmos ucraniano no futuro, vamos dispor de uma arma potente contra uma agressão”, diz este pesquisador e poeta de 30 anos, que oferece esses cursos online duas vezes por semana.
Uma minoria significativa de ucranianos tem o russo como língua materna e muitos outros, especialmente no leste e no sul do país, também são fluentes neste idioma, uma herança de seu passado como república soviética.
Contudo, desde a anexação da península da Crimeia em 2014 e o conflito no leste com separatistas pró-Rússia apoiados por Moscou, o idioma ucraniano vem ganhando terreno frente ao russo. Em 2021, o governo determinou que o ucraniano deveria ser a única língua utilizada em lojas, restaurantes e outros serviços.
Desde o início da invasão lançada por Vladimir Putin em 24 de fevereiro, sob o pretexto de “desnazificar” o país e proteger os russófonos, essa tendência se acentuou.
Na cidade de Lviv, no extremo oeste do país, onde o ucraniano é predominante, um grupo de universitários oferece aulas gratuitas do idioma.
Em apenas três dias, os organizadores receberam 1.000 pedidos de inscrição para as aulas. No entanto, pela falta de professores, apenas puderam matricular 800.
“A gente lembra que seus avós e bisavós falavam ucraniano antes da mudança para o russo” durante a União Soviética, conta Danchishin. “Muitos querem voltar para sua língua de origem”.
– ‘Não preciso’ de proteção da Rússia –
Suas aulas são online, mas seu conteúdo é baseado nos manuais da Universidade Nacional Politécnica de Lviv. Em suas páginas, ganham protagonismo personagens como o poeta ucraniano Taras Shevchenko (1814-1861) e a maestrina contemporânea Oksana Lyniv, nascida nessa cidade.
Volodimir Krasnopolski, um universitário russófono de 52 anos oriundo de Luhansk, uma das principais cidades do Donbass (leste), é um dos alunos de Danchishin.
Quando os separatistas pró-Rússia assumiram o controle de Luhansk em 2014, este homem de 52 anos se mudou para Rubizhne, uma pequena cidade no leste.
Depois que um míssil atingiu essa cidade em 24 de fevereiro, ele e sua filha, uma estudante de medicina, passaram duas semanas abrigados em um porão, antes de fugir para o oeste.
“Havia gente de diferentes origens no abrigo conosco, mas todos se sentiam ucranianos”, contou à AFP, através de uma mensagem de texto.
O homem acredita que, aprendendo ucraniano, mostra “ao agressor” que é ucraniano, que não precisa de sua proteção. “Tenho o meu próprio país”, acrescentou.
“Acredito que a nação ucraniana está se formando hoje, independentemente da origem das pessoas”, frisou.
– ‘Minhas balas são as palavras’ –
Yuliya, uma diretora de escola e professora de matemática, se matriculou no curso depois que o conflito fez com que ela tivesse que fugir dos bombardeios em Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia e situada próxima da fronteira com a Rússia.
“Planejo voltar para casa o mais breve possível”, afirma a mulher de 51 anos, que ensina em ucraniano, mas tem o russo como idioma corrente.
“Tenho fluência na leitura e na escrita em ucraniano, mas tenho problemas na hora de falar”. Contudo, “agora é um bom momento para o desenvolvimento pessoal”, explica, sem divulgar seu sobrenome.
Sob os tetos altos da universidade em Lviv, a ativista apaixonada pelo idioma ucraniano e ex-deputada, Iryna Farion, explica que iniciar essas aulas gratuitas é parte “da luta constante dos ucranianos pelo direito de ser ucraniano”.
Seus olhos se enchem de lágrimas enquanto explica as informações de que os russos na cidade de Melitopol, no sul da Ucrânia, tentaram forçar as autoridades a mudar o currículo escolar pelo russo.
“Se não defendermos o nosso idioma, Putin virá aqui, neste mesmo edifício”, adverte.
Além das aulas online, também planeja ensinar o idioma aos pais das crianças deslocadas matriculadas na escola local para ajudá-los a acompanhar suas tarefas de casa. “Esta é minha linha de frente. Minhas balas são as palavras”, garante.