06/03/2002 - 7:00
Em tempos de austeridade fiscal, é cada vez mais difícil entender a lógica do governo na hora de tratar o dinheiro público. Na segunda-feira 25, os contribuintes foram surpreendidos com mais um esqueleto que saiu dos porões de Brasília. O Tesouro foi chamado a cobrir um rombo de R$ 8 bilhões da Petros, a entidade de previdência dos funcionários da Petrobras. A operação fez a dívida do setor público, que chegou a 55,2% do Produto Interno Bruto (PIB), bater novo recorde. O governo se esmerou nas justificativas, informando que a origem do problema data da criação do fundo na década de 70. Dois dias depois, os ministros Pedro Malan, da Fazenda, e Martus Tavares, do Planejamento, anunciaram cortes de despesas no Orçamento da União de R$ 12,4 bilhões, muitos na área social. ?A pressão por gastos é muito forte, até desumana?, admitiu Martus Tavares, durante audiência pública na Câmara dos Deputados.
Só que o episódio da Petros, além de revelar as incoerências do gasto público, mais uma vez trouxe à tona um grave e recorrente problema: o buraco negro dos fundos de pensão das estatais. Ao longo dos últimos 30 anos, um sem-número de casos de corrupção, uso político dos recursos e distorções na aplicação do dinheiro fez com que fundos de pensão virassem quase sinônimo de irregularidades. Sai ano, entra ano, alguma empresa pública é convocada a abrir o cofre e colocar em dia as finanças do fundo de previdência dos funcionários. É um modelo que acaba sendo conveniente para os políticos e para as corporações: os primeiros têm acesso a uma massa de recursos de dezenas de bilhões de reais e os funcionários, com aposentadorias muito superiores às do INSS, têm o conforto de serem sempre socorridos pela União. Atualmente, além da Petros, outros 65 fundos de pensão apresentam desequilíbrio financeiro. Somado, o déficit dessas entidades ultrapassa os R$ 8 bilhões. Só a Previ tem um buraco de R$ 4,1 bilhões. Embora os maiores déficits estejam nas entidades das estatais, as distorções também atingem fundos de empresas privadas. Mas nesses casos a conta nunca sobra para o Tesouro. ?Quando o governo resolve cobrir os rombos dos fundos estatais, quem paga o prejuízo, em última instância, é a sociedade?, dispara o consultor Hirbis Girolli, da Laborativa, especialista em previdência.
O governo alega que os déficits de hoje são resultado de erros do passado. Nos últimos 30 anos, uma legislação incompleta e cheia de falhas ? a Lei nº 6435 ? desenhada no auge da ditadura militar, permitia a existência de uma série de distorções no financiamento dos fundos, nos planos de aposentadoria e principalmente na aplicação do patrimônio. No caso do financiamento, as empresas estatais eram sempre chamadas a entrar com o maior naco de recursos. Em alguns casos a participação dos patrocinadores chegava a ser até sete ou oito vezes superior à dos servidores. Outro problema, e que se perpetua até hoje, é a existência de planos de benefício definido. Por esse modelo, quem ingressa no fundo sabe exatamente quanto vai receber de aposentadoria no futuro, independentemente do que contribuiu ou do desempenho dos investimentos da entidade. ?Esse modelo foi adotado em uma época em que a questão fiscal não estava na ordem do dia?, disse o consultor previdenciário Marcelo Estevão, ex-secretário de Previdência Social. O governo também garante que os rombos vão ficar no passado. ?A nova legislação que está sendo aprovada pelo Congresso vai praticamente zerar os riscos para as patrocinadoras?, garantiu o ministro da Previdência Social, Roberto Brant, à DINHEIRO. No lugar de planos de benefício definido entrarão os de contribuição definida, em que ninguém sabe quanto vai receber no futuro de aposentadoria. O benefício será fruto das aplicações. É um modelo em que os funcionários exigem uma gestão mais profissional. ?Com isso, vamos fechar todas as torneiras?, completa José Roberto Savóia, secretário de Previdência Complementar. Mas não é tão simples assim. Algumas mudanças ainda dependem de aprovação no Congresso. Além disso, a migração para planos de contribuição definida é facultativa. A gravidade do problema também acendeu a luz amarela no Banco Central. Armínio Fraga quer criar uma agência reguladora para acabar de vez com as torneiras. E que vem em boa hora: a Petros apresentou novo rombo de R$ 347 milhões em 2001.