16/04/2003 - 7:00
DINHEIRO ? Qual a sua avaliação sobre a guerra atual?
Quais as motivações?
JOÃO VERDI ? Controlar o petróleo. É indiscutível. O presidente Bush tem pretensões hegemônicas no mundo. Ninguém duvida mais disso. Hoje já se fala dos Estados Unidos como um império. Antes só se desconfiava. Agora é jogo aberto. Os americanos estão mostrando sua força, sem pudor, sem máscara, com total desrespeito à ONU.
DINHEIRO ? Quais serão as conseqüências do conflito?
VERDI ? Pode haver uma acomodação, como se fosse uma guerra púnica, à semelhança do império romano. Nas guerras púnicas, onde era importante conquistar campos de trigo, os romanos invadiam as terras e tributavam as populações. Se alguém se rebelasse, eles mandavam umas legiões para resolver o problema. Se houver a acomodação internacional, os Estados Unidos poderão se sentir à vontade para atacar outros alvos. Veja a história. Eles invadiram o Panamá e ninguém reclamou. Invadiram Granada e ninguém reclamou. Agora, invadiram o Iraque. Será que ninguém vai reclamar? Pode haver uma acomodação ou não.
DINHEIRO ? E se não houver?
VERDI ? Pode acontecer muita coisa, inclusive a Terceira Guerra Mundial. O descontentamento internacional é enorme. O medo de ser a próxima vítima também. Os Estados Unidos desmoralizaram a ONU. Quando Hitler desrespeitou a Liga das Nações e anexou a Áustria, a Polônia, a Dinamarca, aconteceu a Segunda Guerra.
DINHEIRO ? De onde pode partir a reação?
VERDI ? Da Europa, da Rússia, da China.
DINHEIRO ? O sr. compara Bush a Hitler?
VERDI ? Ele quer o domínio mundial.
DINHEIRO ? Como o sr. avalia o papel da Inglaterra?
VERDI ? Eles são seguidores do Império.
DINHEIRO ? Haverá uma nova
corrida armamentista?
VERDI ? O mundo irá se reorganizar para buscar um equilíbrio de forças. Pode ser a Europa, a Europa mais a Rússia ou até a Eurásia. Talvez, com bom senso, a loucura do holocausto seja refreada. Mas é muito difícil prever o que vai acontecer. A ONU pode sair de Nova York para se instalar em Bruxelas, o antiamericanismo pode crescer, a Europa pode ser o centro do mundo. Imagine um boicote generalizado a produtos americanos. O estrago pode ser tremendo. E há um outro ponto: a rejeição à guerra dentro até dos Estados Unidos.
DINHEIRO ? O 11 de setembro não criou uma justificativa?
VERDI ? Acho que o efeito 11 de setembro já está se esgotando, se não se esgotou. Bush criou um ambiente de guerra santa, falando em cruzadas. A reação do mundo árabe pode ser muito dura. É uma reação que parte do povo, não das lideranças. E não é só o mundo árabe; é o mundo islâmico, que já é maior do que o cristão.
DINHEIRO ? É o choque de civilizações?
VERDI ? Pode acontecer a famosa batalha do Armagedon, entre islâmicos e cristãos. Bagdá vai cair. Saddam Hussein será vencido. Mas os desdobramentos são imprevisíveis. Foi uma ação muito agressiva, fora da lei.
DINHEIRO ? Como o Brasil deve reagir?
VERDI ? Nosso orçamento militar é desmesuradamente pequeno, da ordem de 0,6% do PIB, próximo ao das Ilhas Fiji. Nos Estados Unidos, chega-se a 10% do PIB. Países equivalentes ao Brasil deveriam gastar 3% ou 4% do PIB. A Argentina gasta 5%.
DINHEIRO ? Qual é a maior ameaça?
VERDI ? O Brasil é o único país do mundo que tem muitas terras aráveis e ainda improdutivas. Prontas para serem produtivas. Isso num mundo em que a necessidade de alimentos cresce rapidamente. Temos também os melhores recursos hídricos. A água é um bem cada vez mais escasso. E veja os recursos da Amazônia. É uma das maiores províncias mineiras do mundo e os americanos já sabem disso. Quando eles fizeram um relatório dizendo que não havia petróleo no Amazonas, Monteiro Lobato já desconfiou. Hoje nós sabemos que temos muito petróleo. Temos ouro, bauxita e petróleo, além de toda a biodiversidade.
DINHEIRO ? O Iraque pode ser aqui daqui a alguns anos?
VERDI ? Eu me pergunto: será que
um país carente em recursos, mas
com o maior poderio militar do mundo, como é o caso dos Estados Unidos, não
vai desejar a Amazônia?
DINHEIRO ? Dentro de uns 10, 20 anos?
VERDI ? Antes. O Brasil tem de
discutir esses problemas com a
sociedade. O nosso desafio é investir inteligentemente em segurança. Gastar pouco e conseguir muito.
DINHEIRO ? Retomar um programa nuclear para desenvolver a bomba atômica faz sentido?
VERDI ? No meu entender, não. Há outras soluções, como a bomba atômica de pobre, que é limpa e mais barata, como essa que vem sendo chamada de ?mãe de todas as bombas?. Existe a bomba de neutrons, que também não deixa radioatividade. Mas não vejo na grande arma a solução. Uma guerra de guerrilha bem preparada torna um país difícil de ser vendido. Veja o caso do Vietnã.
DINHEIRO ? Como vocês se envolveram com o Iraque?
VERDI ? Fui pela primeira vez em 1979, numa missão organizada pelo então governador de São Paulo, Paulo Maluf. Naquele ano, Saddam Hussein já tinha tomado o poder e a guerra com o Irã estava prestes a acontecer. Em 1980, quando o conflito eclodiu, eles nos chamaram. E tudo foi facilitado porque os dois países já tinham um ótimo relacionamento. O Brasil tinha dificuldades no balanço de pagamentos e o Iraque comprava muita coisa em troca do petróleo.
DINHEIRO ? Com quem vocês lidavam?
VERDI ? Com autoridades que estão lá até hoje, como o Amer Mohamed Rachid, que cuidava da indústria bélica e depois virou ministro do petróleo. O chanceler Tarek Aziz também era um contato permanente. Nossas primeiras vendas foram de foguetes para a Força Aérea. Depois vieram os modelos do sistema Astros, que são veículos blindados lançadores de foguetes.
DINHEIRO ? Quanto vocês venderam?
VERDI ? Mais de meio bilhão de dólares, só com o Astros. Aquela região é muito tensa e vive em guerra há milhares de anos.
DINHEIRO ? Saddam foi seu melhor cliente?
VERDI ? Foi um dos melhores. Mas depois, quando o país estava fragilizado, nós tivemos de suspender alguns contratos porque o Iraque deixou de pagar. Depois nós vendemos até mais para
a Arábia Saudita.
DINHEIRO ? Qual foi a motivação da guerra entre Irã e Iraque?
VERDI ? A minha visão é que foi uma guerra orquestrada. No começo do conflito, o Iraque tinha reservas de quase 60 bilhões de dólares. Era uma grande promessa de desenvolvimento, com projetos de investimento gigantescos. Já em 1986 eles estavam negativos. Ninguém sabe quem incitou aquele conflito, mas acho que foi orquestrado para que Saddam queimasse suas reservas. Havia forças que queriam vender muitos equipamentos para ele.
DINHEIRO ? Os russos? Os franceses?
VERDI ? Até os Estados Unidos. O mundo ocidental, diria.
DINHEIRO ? Quantas vezes o sr. foi ao Iraque?
VERDI ? Mais de 20 vezes, entre 1979 e 1986. Éramos muito bem tratados. Como o aeroporto de Bagdá ficava às escuras, para não ser atacado por caças iranianos, eles me buscavam de jatinho em Amã, na Jordânia. O Irã tinha caças modernos, que os Estados Unidos haviam vendido ao xá Reza Pahlevi. E o aiatolá Khomeini herdou aquela força aérea.
DINHEIRO ? Embora fosse inimigo dos Estados Unidos…
VERDI ? O aliado americano era o Iraque. O Saddam, aliás, é um produto dos Estados Unidos, com todo apoio ocidental.
DINHEIRO ? Que lembrança o sr. tem de Saddam Hussein?
VERDI ? De uma pessoa agradável, que disse que nós estávamos atendendo bem ao Iraque e que ele pretendia estreitar esse relacionamento. Mas ele tinha uma ambição hegemônica. Eu me lembro que, nos hotéis de Bagdá, havia sempre imagens com mapas da futura nação árabe. O papel central, naturalmente, caberia ao Iraque. Talvez ele tivesse interesse em substituir o líder Gamal Nasser no imaginário dos árabes.
DINHEIRO ? Por que aconteceu a guerra do Kuwait, em 1990?
VERDI ? Era o desejo de controlar aquelas riquezas do petróleo, não só do Kuwait, como da Arábia Saudita, porque Saddam invadiu os dois países.
DINHEIRO ? Quais as perspectivas para a venda de armamentos brasileiros?
VERDI ? Nós já exportamos mais de US$ 1 bilhão do Astros e ele tem potencial para mais US$ 10 bilhões. Acabamos de fazer um contrato de US$ 250 milhões com a Malásia e vamos vender para outros países. O Astros, que foi desenhado em 1981, tem uma concepção muito avançada e pode durar mais uns 50 anos. O novo sistema de artilharia americano, que irá equipar as tropas até 2025, é uma cópia do Astros.
DINHEIRO ? As encomendas melhoraram muito depois da guerra?
VERDI ? O que fez as consultas subirem foi o 11 de setembro. O mundo ficou perigoso.
DINHEIRO ? O governo brasileiro o apóia?
VERDI ? Todos os recursos do fundo de aval são usados pela Embraer. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nunca nos visitou. Tinha muito prurido em relação a armamentos e queria estar bem com a comunidade internacional.
DINHEIRO ? Lula já veio?
VERDI ? Não. Quem esteve aqui foi o Mahathir Mohamad, primeiro-ministro da Malásia, que fez muito pelo seu país.
DINHEIRO ? O sr. já foi chamado de mercador da morte?
VERDI ? Falsa visão. No mundo, as empresas bélicas são braços industriais de governos, que fecham os contratos com outros países. Mercadores da morte são os contrabandistas. Como a CIA, por exemplo. É contrabandista por excelência.