O desfile alegórico da política brasileira tende a desqualificar qualquer folião que insista em fantasiar-se com escândalos do carnaval passado. As marchinhas lançadas recentemente mostram que o “momentum satírico” é da Operação Lava Jato, do presidente Michel Temer e das performances do prefeito de São Paulo, João Doria.

“Eu quero ver se eu pinto inteiro/ Um muro de Moema até o Brás”, devem cantar os munícipes em coro alegre e descontraído, em referência à recente “guerra” declarada por Doria aos pichadores.

Por isso, chega a ser mais triste do que uma Quarta-Feira de Cinzas não encontrar máscaras à altura desses personagens. Nas lojas de fantasia de São Paulo, por exemplo, o tempo parou no escândalo do mensalão. Quem, em 2017, ainda quer sair de Roberto Jefferson, Severino Cavalcanti ou mesmo de Joaquim Barbosa? Ninguém.

O mais perto de algo novo são as máscaras do juiz Sérgio Moro, mas elas são tão genéricas que é preciso muita boa vontade para reconhecer o rosto do magistrado ali.

Onde estariam Temer, Doria e Crivella ou Eike Batista? Segundo gerentes de loja e fabricantes de máscaras, eles estão soterrados pela força do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. “Nós estamos produzindo muito Trump. Ainda não temos números, mas a máscara dele deve ser a mais procurada”, diz a representante da fábrica Mabone, Joyce Helena.

Blocos

Apesar da crise das máscaras, o carnaval 2017 deve fazer jus à tradição crítica da folia. “Neste ano, a conjuntura política tem oferecido muito material. Não tem como não ser crítico. O carnaval é a nossa hora da desforra”, afirma o diretor do bloco carioca Meu Bem, Volto Já, Jorge Sapia.

Em São Paulo, alguns blocos vão direto ao ponto e no próprio nome já entregam suas intenções. É o caso do Bloco do Fora, Temer e o Vou de Doria. “Diversão não é alienação. E expressar descontentamento não precisa ser algo agressivo”, diz Deh Torres, uma das criadoras do Bloco do Fora, Temer.

Para Alê Youssef, um dos fundadores do Acadêmicos do Baixo Augusta, a “crítica, o deboche e o desbunde são centrais no carnaval”. “A crise política e das instituições só alimenta tudo isso. Creio que no carnaval esse processo ficará visível.”

Marchinhas

Antes de ganhar as ruas, as marchinhas acontecem nas redes sociais. O administrador de empresas Vitor Velloso já emplacou duas no carnaval deste ano: Pinto Por Cima (“Você pode pichar primeiro/Não deixo mole e pinto atrás”) e Solta O Cano Que Não Cai (“Solta o cano que não cai/Solta o cano que não cai, meu irmão…”). “O segredo da marchinha é perceber o ridículo das situações e fazer graça com elas”, diz Velloso.

O atual clima de embate político, porém, tem tingido o carnaval deste ano com mau humor. “As pessoas enxergam preferências políticas nas letras das marchinhas. Os comentários são muito agressivos. É do tipo ‘tem de morrer’, ‘tem de matar’ e outros absurdos”, acredita o compositor.

A impressão é compartilhada pelo autor da marchinha mais cantada no carnaval passado, Japonês da Federal, o advogado Thiago Vasconcellos. “Muita gente achava que a marchinha era de direita, coxinha. Aí ficou uma coisa inserida nesse Fla-Flu político”, lamenta. Neste ano, Thiago e os Marcheiros também lançaram músicas para o ministro licenciado da Justiça, Alexandre de Moraes (Melô do Ministro Careca), para o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco (Meu Angorá), e uma versão do hino do Botafogo em homenagem ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Embora as marchinhas tenham como objetivo ridicularizar seus homenageados, pode acontecer de alguma vítima gostar de se ver citada e imortalizada em uma música carnavalesca.

“Não tem como controlar. Acho que os políticos lidam com isso de um jeito diferente. É aquela história: qualquer publicidade é boa publicidade”, diz Danilo Dunas, autor de Prefeito Topzera (“No mercadão eu vou trocar a mortadela/Por sanduíche de pastrame e cabernet”). “Se o prefeito gostou, isso já não é problema de quem fez”, diz. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.