Segunda-feira, 15 de outubro. Na rua Haddock Lobo, coração do que é chique e badalado em São Paulo, o número 1.626 amanheceu com as portas cerradas. Fazia frio e garoava, cenário apropriado para o fim melancólico de uma loja que a grife alemã Hugo Boss considerava especial, a sua jóia da coroa na América Latina. O espaço media 450 m², todos os vendedores falavam inglês. Poucos pontos podiam ser mais privilegiados. Mesmo assim, nem mosca entrava nos últimos tempos. As vendas despencaram 50% este ano. O estoque estava transbordando de mercadoria empacada. ?Montei o negócio há quatro anos e nunca tive lucro. Não concordei com a estratégia da Boss para o Brasil e resolvi fechar?, são as únicas palavras do empresário Arthur Briquet, dono da boutique. Ele não entra em detalhes, mas o que aconteceu com a sua loja foi o desdobramento óbvio de uma seqüência de erros perpetrados pela marca no País. Erros que quase a levaram à falência em 1995 e começam a ser consertados, mas de uma maneira que não está agradando aos franqueados e até virou batalha judicial.

Em agosto, sob ordem da matriz, a Hugo Boss do Brasil deu um basta na produção local de peças como jeans, sapatos, camisas e camisetas. Agora, elas serão importadas. A idéia é reposicionar a marca, que se popularizou além da conta por aqui ? menos por causa das etiquetas ?Made in Brazil? e mais em função da tática discutível de espalhar lojas por shopping centers populares e cidades pouco glamourosas do ponto de vista da moda, como Campinas, Sorocaba, Recife e Salvador. ?Foram dois equívocos que criaram um problema de identidade para a marca?, avalia Carlos Ferreirinha, consultor de grifes de luxo. ?Quem compra Hugo Boss quer se sentir exclusivo e não ser apenas mais um.? E isso não estava acontecendo no Brasil. Então, quando o balanço dos seis primeiros meses de 2003 apontou queda de 70% nas vendas (R$ 30 milhões no ano passado), a companhia resolveu se mexer. Além de encerrar os contratos com seus 12 fornecedores brasileiros, o plano prevê que das 14 lojas da grife e 80 multimarcas sobrarão entre sete e nove, em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte e Curitiba. ?Produzir localmente foi a única opção viável em 1988, quando chegamos. Era o modo de atingirmos rapidamente um grande reconhecimento de marca?, disse à DINHEIRO Bruno Saelzer, presidente mundial da empresa ?Para trazer de volta o glamour à Hugo Boss no Brasil, precisamos trazer a coleção que nos faz glamourosos em todos os lugares do mundo.?

Não é tão simples. Para a maioria dos franqueados, os produtos nacionais representavam entre 50% e 70% do faturamento. E o preço mais em conta era a arma com a qual eles lutavam contra o avanço das italianas Zegna e Armani, que, ao contrário da Boss, são marcas cada vez mais desejadas por aqui. O poder de fogo, no entanto, esvaiu-se de uma hora para outra, quando os preços mais do que dobraram em alguns casos. Um sapato vendido a R$ 280 foi substituído por um modelo idêntico importado de R$ 1,3 mil. Para piorar, houve lojista torcendo o nariz para o dinamarquês Jakob Bjerregaard, gerente geral da marca para a América Latina, que fica sediado em Miami. Tido como prepotente e pouco versado na geografia local, o executivo chegou a ser proibido de pisar em algumas Boss Shops brasileiras. ?Uma vez perguntei qual seria a estratégia para recuperar as vendas no País e ele respondeu: ?Preocupe-se com São Paulo, porque do Brasil cuido eu??, conta um ex-franqueado. Bierregaard não dá entrevistas.

Tem mais: o empresário Paulo Sobral, dono de duas Hugo Boss no Rio de Janeiro, chegou a entrar com uma ação na Justiça pedindo R$ 2,5 milhões de indenização ? R$ 1,8 milhão referentes ao que investiu para abrir uma loja em dezembro e o restante em mercadorias. ?Toda grande mudança gera uma grande reação. Vou perder 40% do meu lucro, mas não posso ser imediatista. O procedimento da matriz vai nos beneficiar a médio prazo?, diz Sobral, que acabou desistindo da ação. O consultor Ferreirinha tem a mesma opinião. ?A Boss não tinha saída. Era isso ou a morte. A marca é muito forte, não vai ser difícil virar esse jogo?, comenta. Arthur Briquet não quis esperar para ver. Na semana passada, as letras douradas que escreviam ?Hugo Boss? na fachada da sua loja da Haddock Lobo estavam sendo substituídas pelas do novo empreendimento do empresário: Bulgari