Duas horas da madrugada da quarta-feira 4. Sede do Pão de Açúcar, em São Paulo. Fechados na sala de reuniões do grupo, estão Abilio Diniz e família, acompanhados dos advogados da empresa. Em Paris, o relógio marca 7h30. Na sala da presidência do Casino, Jean Charles Naouri, comandante do grupo francês, também munido de assessores, acerta por telefone os últimos detalhes com os Diniz. Pouco tempo depois, o acordo já estava firmado. O empresário Abílio Diniz, 68 anos, acabava de repassar à rede Casino metade do controle de sua empresa. São cinqüenta por cento das ações ordinárias (com direito a voto) para cada um dos sócios em uma nova holding criada para comandar o maior grupo supermercadista do Brasil, dono de 551 lojas e vendas anuais de R$ 15 bilhões. Nas horas seguintes, comunicados seguiram simultaneamente para as bolsas de São Paulo, Nova York e Paris detalhando a operação. O acerto envolve troca de ações, US$ 884 milhões para Abilio e o compromisso de expandir a rede brasileira. Serão investidos R$ 2,5 bilhões para abrir 40 hipermercados e 120 supermercados entre 2006 e 2009. Mais de 30 mil empregos devem surgir com as novas unidades. O mercado, pelo visto, reagiu bem ao acordo. Na quinta-feira 5, os papéis do grupo Pão de Açúcar subiram 9% em São Paulo e 11% em Nova York.

O acordo cria todas as condições para que a rede brasileira seja efetivamente comprada num futuro breve. Por contrato, após o oitavo ano de controle conjunto, o Casino poderá aumentar suas ações ordinárias na holding. ?Eles podem até ter mais ações, mas enquanto eu tiver saúde e competência a gestão será minha. Está previsto em contrato?, avisa Diniz, alçado a presidente do conselho da holding. ?O que importa é o controle das decisões, o voto de minerva?. Há quem diga que ele realizou o sonho de qualquer empresário: vender o grupo, embolsar uma bolada e continuar mandando. ?Não é venda. É uma sociedade que nos dará novo fôlego financeiro?.

O Casino, um dos maiores grupos varejistas da Europa, com vendas de 23 bilhões de euros, entrou na história dos Diniz em 1998 ao adquirir 24% das ações ordinárias da Companhia Brasileira de Distribuição, controladora dos supermercados. A CBD, por sua vez, era controlada pela Paic (Pão de Açúcar Indústria e Comércio), comandada por Abílio, seu pai Valentim dos Santos Diniz e a irmã Lucília Maria Diniz. Na nova configuração, a Paic deixa de existir, Valentim e Lucília trocam suas ações ordinárias por preferenciais (sem direito a voto) da CBD e surge a holding Abilio/Casino para controlar tudo. O nascimento da holding só seria possível com a transferência de parte das ações ordinárias de Abílio Diniz aos franceses. A operação foi feita. Em troca, o empresário brasileiro recebeu US$ 200 milhões em títulos conversíveis em ações do Casino. Se convertidos, os papéis transformarão Abílio no quinto maior acionista da rede francesa. Também embolsou US$ 404 milhões, que serão usados para comprar 60 imóveis da CBD e alugá-los aos supermercados, cobrando 2% do valor das vendas de cada unidade. Calcula-se que o aluguel deverá render 117 milhões por ano ao empresário. O Casino ainda transferiu a ele 12,5 bilhões de ações preferenciais que detinha na CBD, avaliados em US$ 280 milhões. ?O contrato capitalizou a empresa, reduziu dívidas e deu maior liquidez às ações. Foi positivo?, avalia Márcio Kawasaki, analista de investimentos da Fator Corretora. Diniz sai dessa intrincada operação financeira com US$ 884 milhões na conta, o controle administrativo do grupo, 60 imóveis, ações no Casino e com o caixa do Pão de Açúcar forrado. ?Sou um homem previdente?, diz o empresário.

O empresário Abilio Diniz explica
o acordo, o papel da família na nova composição acionária
e revela os planos internacionais do grupo

O que o motivou a dividir o controle com o Casino?
Precisávamos crescer, consolidar nossa posição de liderança. Tínhamos um endividamento de R$ 900 milhões e só os juros nos levavam por ano R$ 200 milhões. Isso comprometia o caixa e os projetos de expansão. As ações estavam em baixa. O acordo capitalizou o grupo, deu maior liquidez às ações e reduziu dívidas. Para o Abílio, foi uma forma de organizar melhor a vida.

O contrato indica que após oito anos o Casino pode aumentar sua participação e assumir o controle…
O controle acionário, sim. Eles podem até ter um pouco mais de ações, mas o que importa é o controle da gestão e o voto de minerva e isso eu tenho. Enquanto eu estiver saudável, eu fico. Está no contrato.

Comenta-se no mercado que o senhor usou a mesma receita dos donos da Ambev, de vender a empresa mas continuar no comando.
Não é verdade. O caso Ambev/Interbrew foi venda. O Pão de Açúcar, não. Nós aumentamos a participação de um sócio que já estava no grupo.

O senhor transformou ações ordinárias (com direito a voto) de seu pai Valentim e sua irmã Lucília em preferenciais. Como chegou a essa decisão?
Primeiro, foi uma decisão em família. E vou te contar uma história. Em 1990, o Pão de Açúcar estava em crise. Meu pai ordenou que eu colocasse a empresa à venda. Ela foi avaliada em US$ 200 milhões e não apareceu comprador. Eu assumi a empresa e hoje ofereço a meu pai e minha irmã a possibilidade de vender suas preferenciais por cerca de US$ 500 milhões, a preço de hoje.

O Pão de Açúcar tem interesse no mercado internacional?
Nós tivemos negócios em Portugal de 69 a 99. Faz parte o acordo com o Casino a retomada de nossa participação na Península Ibérica. Podemos ter novidades em curto prazo.