08/11/2024 - 17:45
Sob o reinado de Luís XIV, em 1665, a França via nascer um império arquitetônico que espelhava a opulência do absolutismo de seu jovem monarca, o mesmo que havia cunhado a frase “O Estado sou eu”. Ele personificava a centralização do poder em suas mãos e utilizava a arte e a arquitetura como extensões do seu domínio.
Ao idealizar o Palácio de Versalhes, o “Rei Sol” desejava que o edifício fosse além da morada real, mas a afirmação da grandeza de sua monarquia. Para tanto, o ministro Jean-Baptiste Colbert ordenou a criação de uma empresa capaz de produzir espelhos de grande porte e vitrais que adornariam o suntuoso Salão dos Espelhos. Nascia, assim, a Saint-Gobain, como Manufacture Royale des Glaces, cuja missão era trazer a tecnologia italiana de produção de vidro para a França, estabelecendo uma tradição que a tornaria sinônimo de inovação e excelência.
De volta a 2024, 359 anos depois, a Saint-Gobain aumenta cada vez mais a sua presença no Brasil. A companhia francesa de múltipla atuação tem aqui seu quinto maior mercado entre os 75 onde atua, mas projeta que em dois anos passe a ser o terceiro, assim como é atualmente no quesito rentabilidade. O país é um dos mercados prioritários dentro da estratégia global da companhia. Para a Saint-Gobain, o momento é propício: a economia vai bem e a construção civil dá sinais de recuperação, com isso a empresa planeja dobrar sua presença na América Latina nos próximos cinco anos, tendo o Brasil no centro dessa expansão.
Javier Gimeno, CEO da Saint-Gobain para a América Latina, aponta que a retomada da construção residencial e a demanda crescente por materiais de alto desempenho sustentam os investimentos do grupo no País. “Estamos convictos de que o Brasil pode se tornar um dos nossos três maiores mercados globais em breve. Nosso foco é claro: expandir nossa capacidade de produção e inovação para atender ao mercado brasileiro e, ao mesmo tempo, apoiar a transformação do setor para uma construção mais leve e sustentável”, afirmou.
Entre os planos imediatos está a construção de uma nova fábrica de gesso e a ampliação da linha de produção de vidro na unidade de Mogi das Cruzes (SP), investimentos em torno de US$ 400 milhões (R$ 2,4 bilhões), que visam atender à demanda por materiais modernos e sustentáveis no continente latino-americano.
Em paralelo, a Saint-Gobain está dobrando o tamanho de seu centro de pesquisa e desenvolvimento, localizado em Capivari (SP), um dos principais da empresa no mundo, focado em soluções específicas para o mercado local. “Nossa presença no Brasil vai muito além de fornecer produtos. Queremos ser parceiros estratégicos no processo de modernização da construção civil, oferecendo soluções que otimizem tempo e recursos nas obras, algo que é cada vez mais importante em um mercado que cresce e ao mesmo tempo sofre com a falta de mão de obra qualificada”, explica Gimeno.
Desde que se instalou no País, em 1937, a empresa consolidou uma rede de 58 fábricas, onde emprega mais de 13 mil trabalhadores. Esse histórico, reforçou Gimeno, cria uma conexão com o mercado brasileiro e é a base para o fortalecimento da operação local. “Sempre acreditamos no potencial do Brasil. A cada novo ciclo econômico, redobramos nossos esforços para responder às necessidades de um País em constante transformação”, afirmou.
Leve e sustentável
A trissecular empresa francesa já aposta, há décadas, em práticas sustentáveis no setor de construção, buscando reduzir o impacto ambiental e adaptar seus produtos à realidade brasileira.
Como parte de seu compromisso com as metas 2030 da ONU, o grupo visa zerar suas emissões líquidas de carbono até 2050, com objetivos intermediários de reduzir em 33% as emissões de CO2 nos escopos 1 e 2, e em 16% no escopo 3 até 2030.
Anualmente, a empresa destina 100 milhões de euros a investimentos em capital e pesquisa com foco em sustentabilidade. A estratégia ESG (Ambiental, Social e de Governança) permeia toda a operação. Entre as ações, estão iniciativas para reduzir a utilização de matérias-primas em até 50%, um passo importante para a descarbonização da indústria da construção, que é responsável por aproximadamente 38% das emissões globais de CO2, segundo a ONU.
O grupo também implementou o uso de biometano como combustível de seus fornos em algumas das fábricas no Brasil, uma alternativa ao gás natural que reduz as emissões.
Apesar dos avanços, o Brasil ainda enfrenta desafios em sustentabilidade. O Barômetro de Construção Sustentável 2024, pesquisa conduzida pela Saint-Gobain Global com 1.760 participantes de 22 países, aponta que 98% dos brasileiros afirmam conhecer o conceito de construção sustentável, acima da média global de 87%. Contudo, apenas 56% relacionam o termo ao uso de energias renováveis, e 54% à eficiência energética, índices abaixo da média global.
Para Gimeno, o País precisa superar alguns entraves técnicos, especialmente em relação à formação de profissionais qualificados. “Um dos maiores obstáculos é a falta de mão de obra capacitada. É fundamental investir na formação técnica para que o setor possa avançar de forma sustentável. Além disso, há uma necessidade crescente de conscientização pública e incentivo ao uso de tecnologias mais eficientes”, ressalta.
Outro desafio está na acessibilidade e competitividade dos materiais sustentáveis. Enquanto globalmente esse é o segundo maior problema identificado pelo setor, no Brasil ele aparece em menor grau de importância, evidenciando a necessidade urgente de qualificação técnica. O estudo aponta ainda que 22% dos brasileiros colocam a saúde e o bem-estar das pessoas nos imóveis como prioridade em construções sustentáveis, um percentual superior à média global de 14%.
Inovação local
Para atender às especificidades do mercado brasileiro e apoiar a transformação sustentável do setor de construção, a Saint-Gobain investe em inovação local. Um dos principais pilares é o centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Capivari (SP), que irá dobrar de tamanho em 2025, com a contratação de dezenas de engenheiros e um investimento de alguns milhões de euros.
Fundado com o objetivo de adaptar tecnologias e materiais aos métodos construtivos locais, o centro atua na criação de produtos e soluções que respondem aos desafios específicos do clima e das práticas regionais. “A construção no Brasil apresenta características muito próprias, que não se replicam em outras regiões. Isso exige um esforço contínuo para desenvolver soluções específicas, respeitando as peculiaridades de cada mercado”, explicou o CEO.
O centro de P&D, além de aprimorar as tecnologias do grupo, também serve como um laboratório para desenvolver produtos que aumentem a eficiência no uso de recursos e reduzam o impacto ambiental das construções. Entre os projetos em andamento estão:
• pesquisas voltadas para a criação de materiais que aumentem a durabilidade das edificações,
• soluções que melhorem o conforto térmico e acústico,
• além de materiais que facilitem a montagem e a logística no canteiro de obras.
“Nosso objetivo é que cada material desenvolvido tenha um ciclo de vida mais sustentável, do início ao fim, e que contribua para obras mais rápidas, seguras e econômicas”, comenta. Com uma rede de 58 fábricas espalhadas pelo Brasil e mais de 13 mil trabalhadores, a Saint-Gobain reforça continuamente sua estrutura local.
O plano de expansão inclui, entre outras iniciativas, o aumento da produção de gesso e vidro, fundamentais para a construção leve e para sistemas que reduzam o consumo de energia nas edificações. Anova linha de gesso, inaugurada em Mogi das Cruzes (SP), já opera próxima da capacidade máxima, o que levou a empresa a considerar o lançamento de uma quarta linha de produção nos próximos meses.
Gimeno destaca a importância dessa expansão para o mercado nacional: “O consumo de gesso por metro quadrado no Brasil ainda está muito abaixo de países com características similares, mas estamos observando uma demanda crescente. Nossas novas unidades visam justamente atender essa expansão e apoiar a modernização do setor”.
O CEO explicou que o mercado de construção leve, que hoje representa aproximadamente 40% das vendas do grupo, é uma resposta concreta aos desafios de descarbonização e escassez de recursos. Sistemas desse tipo, como o drywall, demandam menos material e oferecem vantagens em termos de velocidade e eficiência nos canteiros de obras e contribuem para reduzir a geração de resíduos e o consumo de energia.
Na visão dele, o avanço da construção leve no Brasil responde às demandas ambientais e à necessidade de maior produtividade e racionalização do setor. “O Brasil enfrenta um déficit de profissionais qualificados, o que torna essa modalidade de obra uma solução que otimiza os recursos e o tempo, permitindo que o País dê um salto em eficiência.”
Além do gesso, a Saint-Gobain investe em vidros de alta performance para atender ao clima quente, oferecendo maior proteção solar e conforto térmico, especialmente em regiões de alta incidência de raios UV. O mercado de vidros com características específicas de proteção ainda é pequeno no Brasil em comparação com países da Europa e América do Norte, mas a empresa acredita no potencial de crescimento.
Em Capivari, pesquisas sobre novas formulações de vidro já estão em andamento, visando expandir o portfólio e tornar o produto mais acessível ao consumidor brasileiro. “As soluções de proteção solar ainda não são massivamente adotadas aqui, mas estamos empenhados em mostrar os benefícios desses produtos, que, no longo prazo, trazem economia e conforto ao usuário final”, acrescenta.
A expansão na América Latina também reflete um movimento de adaptação aos desafios locais. Além do Brasil, os mercados do México, da Colômbia e do Chile mostram forte demanda por materiais que atendam às exigências de sustentabilidade e eficiência. A empresa pretende seguir ampliando a presença na região, levando as práticas bem-sucedidas desenvolvidas no Brasil para os demais países latino-americanos.
Concorrência asiática
Gimeno expressa preocupação com as importações de vidro provenientes da Ásia, em especial da China e Malásia. Nos últimos três anos, o volume importado pelo Brasil saltou de 40 mil para quase 300 mil toneladas anuais, o que representa cerca de 20% do mercado nacional.
Essa presença crescente, segundo ele, afeta a competitividade de empresas locais, que investiram por décadas em infraestrutura e produção nacional. Gimeno aponta que o aumento das importações ocorre porque a China enfrenta uma capacidade excedente de produção e, sem poder interromper suas linhas de vidro, busca mercados externos para escoar o produto a preços muito baixos.
Essa prática coloca desafios para os produtores brasileiros, que precisam lidar com preços abaixo do custo de produção local. “Essa competição desleal compromete a atratividade do mercado local e leva empresas a reconsiderarem seus investimentos no País”, finaliza.