Às vésperas da votação da chamada “PEC do Plasma” na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o Ministério da Saúde pressiona contra o texto. O secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde, Carlos Gadelha, afirmou que, caso seja aprovada, a medida causará um “apagão” nos bancos de sangue do País. Segundo ele, a proposta pode impactar também na qualidade do sangue disponível e expor o sistema de saúde à dependência externa.

Proposta pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS), a PEC quer permitir a coleta e o processamento de plasma humano pela iniciativa privada, o que atualmente é vedado pela Constituição. A medida abriria brecha, por exemplo, para comercialização de sangue e remuneração da doação. A partir do plasma, que é a parte líquida do sangue, podem ser produzidos hemoderivados, como medicamentos, e desenvolvidas novas tecnologias de tratamento.

Um dos principais argumentos utilizados pelo autor da PEC é de que atualmente a grande parte do plasma é desperdiçada no Brasil. A relatora da proposta, Daniella Ribeiro (PSD-PB), apresentou parecer a favor do texto. A expectativa é de que o texto seja votado na CCJ nesta quarta-feira, 4, porém há outros 14 itens na pauta.

Na visão de aliados do governo, a defesa enfática por parte do Ministério da Saúde tardou a chegar. A ausência da ministra Nísia Trindade no debate incomodou membros da base aliada do governo no Senado que se posicionam contra a proposta.

“A situação pode ser dramática para a população, porque existe uma tradição de doação altruísta de sangue. São 3,1 milhões de doações por ano, isso significa que existe uma cultura de solidariedade. Então, há um risco de ter um apagão na oferta de sangue, porque vai quebrar (essa cultura), semelhante ao que foi feito com a vacina. Quando se gerou uma desconfiança, reduziu a vacinação. Ao invés de resolver a oferta, pode secar a fonte”, argumentou ao Estadão, o secretário Carlos Gadelha.

O secretário argumenta ainda que a PEC poderá reduzir a qualidade do sangue circulado no País devido à ausência de rigor na coleta. Atualmente, a pessoa que está doando sangue é submetida a um questionário para detecção de possíveis riscos, uma vez que há janelas imunológicas que não permitem a detecção de determinados contaminantes a depender de quando a doação é realizada.

Caso haja remuneração para os doadores, a tendência, na visão do secretário é de que muitas pessoas acabem omitindo determinadas informações na hora da entrevista para conseguir levar a coleta a cabo e receber por ela.

Processamento do plasma

De acordo com o Ministério da Saúde, hoje, 30% dos hemoderivados disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) são oriundos do plasma doado no Brasil e administrado pela Hemobrás, que atualmente é a empresa do Estado brasileiro responsável por processar o plasma. A perspectiva é de que esse índice suba para 80% até 2025. Isso porque a Hemobrás concluirá as obras de uma planta destinada ao processamento do plasma e produção desses insumos.

O novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em agosto pelo governo federal, prevê investimento de R$ 895 milhões na Hemobrás e na qualificação da rede brasileira de sangue. Na ocasião, em nota publicada pela Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), o governo afirmou que “o pleno funcionamento da Hemobrás é um passo fundamental para o Brasil reduzir a sua dependência”, já que o País gasta mais de R$ 1,5 bilhão por ano na importação de medicamentos para tratamento de pacientes hemofílicos e com outras doenças relacionadas à coagulação do sangue.