Pesquisador usou softwares livres de modelagem 3D para examinar se um dos artefatos mais enigmáticos da história poderia de fato ter envolvido Jesus Cristo após crucificação.O Sudário de Turim é consagrado como um dos artefatos mais enigmáticos da história. Este antigo tecido de linho, que mostra a imagem tênue de um homem de cabelos longos e barba, tem fascinado e dividido cientistas, historiadores e fiéis ao longo dos séculos.

Documentado pela primeira vez na França em 1354, o Sudário tem sido venerado por alguns cristãos como o autêntico lençol que envolveu o corpo de Jesus Cristo após sua crucificação. A Igreja Católica, entretanto, não adotou posição oficial.

Agora, um novo estudo publicado na revista Archaeometry de autoria do pesquisador brasileiro Cícero Moraes, designer e especialista autodidata em reconstrução facial histórica, lança luz sobre um dos mistérios históricos ao redor do cristianismo com ajuda da tecnologia.

Inconsistências anatômicas

Moraes, especialista na comparação de imagens em 2D e 3D, notou algo peculiar nas formas do corpo representado no Sudário: pareciam rígidas e retas demais para serem compatíveis com a anatomia humana real.

Para chegar à conclusão, o brasileiro utilizou softwares livres de modelagem 3D, como MakeHuman, Blender e CloudCompare, e comparou dois cenários. De um lado, um lençol colocado sobre um corpo humano virtual em 3D. De outro, o mesmo tecido sobre uma figura achatada em baixo-relevo.

No primeiro caso, a imagem resultante mostrava uma distorção evidente, com proporções alargadas — algo que os especialistas chamam de “efeito máscara de Agamenon”.

Trata-se de uma referência à famosa máscara funerária de Micenas, na Grécia, que, ao ser achatada, perdeu suas proporções originais. Já o modelo em baixo-relevo gerou uma figura muito mais fiel à observada no Sudário real.

Moraes sustenta que os traços representados no tecido são rígidos, retos e pouco naturais demais para terem sido causados pelo contato com um corpo humano real.

“A imagem do Sudário de Turim é mais coerente com uma matriz de baixo-relevo”, explicou Moraes ao site Live Science. “Essa matriz poderia ter sido feita de madeira, pedra ou metal, e pigmentada”, afirmou.

Desvendando mistérios históricos

Segundo sua hipótese, a imagem teria sido obtida por fricção ou aplicação térmica, gerando assim um contorno semelhante ao de uma fotocópia. Ou seja, sem profundidade, deformações, nem volume real.

A abordagem não é totalmente nova. Em 1978, sugeriu-se pela primeira vez que a imagem do Sudário era uma obra artística.

Mas a contribuição, segundo explica Moraes, está em ter reproduzido o processo digitalmente, permitindo que qualquer pessoa com conhecimentos básicos possa replicá-lo com ferramentas gratuitas.

“Este trabalho destaca o potencial das tecnologias digitais para desvendar mistérios históricos, entrelaçando ciência, arte e tecnologia numa busca colaborativa e reflexiva por respostas”, afirma o autor, em uma citação reproduzida pelo site Phys.org.

Data é controvérsia científica

Embora o estudo não entre no polêmico terreno da datação do Sudário, ele atravessa uma discussão há séculos insolucionada.

Em 1989, um teste de radiocarbono situou o tecido entre os anos 1260 e 1390 d.C., o que coincide com sua primeira aparição documentada na França, em 1354.

Mas em 2022, uma análise mais recente e controversa baseada em raios X sugeriu que o linho poderia ser do século 1º d.C., o que recolocaria o manto na época de Jesus. O estudo foi liderado pelo cientista italiano Liberato De Caro, do Instituto de Cristalografia em Bari, e publicado na revista Heritage.

A pesquisa, que emprega técnicas avançadas de dispersão de raios X, sugere que o envelhecimento da celulose nas fibras do linho pode ter sido afetado pelas baixas temperaturas nas quais foi conservado por séculos. Isso explicaria por que a maior parte do desgaste do tecido teria ocorrido antes do século 14, tornando a datação por radiocarbono menos precisa do que se imaginava.

No entanto, os próprios pesquisadores alertam que suas conclusões exigem comprovar que o lençol foi mantido em condições muito específicas de temperatura e umidade durante 13 séculos antes de sua aparição documentada. Nenhuma dessas provas foi definitiva, e o debate continua em aberto.

Debate sem fim à vista

Por sua vez, alguns especialistas consideram que o trabalho de Moraes, embora visualmente impressionante, não é revolucionário.

“Sem dúvida, ele criou algumas imagens belíssimas com a ajuda de software, mas não descobriu nada que já não soubéssemos”, escreveu na revista Skeptic Andrea Nicolotti, professor de História do Cristianismo na Universidade de Turim.

“Há pelo menos quatro séculos sabemos que a imagem corporal do Sudário é comparável a uma projeção ortogonal sobre um plano, o que certamente não poderia ter sido criado por contato com um corpo tridimensional”, acrescentou.

Em nota divulgada na última terça-feira (05/08) pelo Vaticano o arcebispo de Turim, Roberto Repole, refutou a pesquisa de Moraes, dizendo-se preocupado “com a superficialidade de certas conclusões” e apontando falta de originalidade na abordagem. Segundo Repole, “numerosos estudos físico-químicos” já teriam descartado “a origem pictórica ou por contato com um baixo-relevo” da relíquia.

Por ora, o Sudário de Turim segue envolto em seu próprio véu de mistério. Embora as evidências visuais e geométricas do estudo de Moraes sugiram que a imagem não tenha sido impressa por um corpo humano real, e sim criada mais provavelmente por técnicas artísticas medievais, o debate científico permanece aberto.

Entre a datação por radiocarbono que o situa na Idade Média e as novas análises que apontam para uma antiguidade muito maior, o enigmático tecido continua desafiando cientistas, historiadores e fiéis, mantendo viva a controvérsia sobre um dos artefatos mais estudados da história.

ht/ra (ots)