30/10/2024 - 6:30
O economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos, Rubens Sardenberg, entende que a surpreendente atividade econômica, mesmo diante da perspectiva de novo aperto monetário, manteve um sentimento positivo entre os bancos para expansão do crédito. Queda do desemprego, aumento da renda e programas de renegociação de dívidas têm contribuído para a boa performance. Por isso, a Febraban já fala em crescimento, de 10,6% este ano e 9,1% no ano que vem para os financiamentos.
Mesmo que o cenário se mostre favorável, para que o fantasma do superendividamento de anos passados não apareça, os bancos – dos tradicionais aos digitais – têm usado a boa e velha cautela. Estão mais atentos ao perfil do tomador, e evitando enviar muitos cartões por pessoa. Ainda assim, as faixas de tomadores como os de pessoas físicas de renda mais baixa, além das de pequenas empresas, têm maior nível de inadimplência e encontram mais dificuldades para levantar empréstimos.
Confira a entrevista:
Qual a atual foto do segmento de crédito no Brasil?
O cenário é benigno do ponto de vista do crédito. De forma geral, ele vem surpreendendo em relação ao que a gente vinha projetando. Em 12 meses, a variação do total das operações de crédito avança acima de 10%, com incremento até maior na parte de pessoas físicas, que cresce na faixa de 11,5%.
No caso de pessoas jurídicas, o avanço é menor, mas também tem aumentado ao longo dos últimos meses, o que tem a ver com a recuperação importante do mercado de capitais este ano, onde as empresas captam recursos em vez de buscar financiamento.
E por que o crédito cresceu mais entre as pessoas físicas?
O segmento acabou sendo ajudado pelos níveis muito baixos de desemprego, alguns acham até que a gente estaria praticamente naquele limite considerado uma espécie de pleno emprego. Com isso, temos o crescimento importante da renda, ajudada também pelas políticas fiscais. Houve ainda um certo ciclo de flexibilização da taxa de juros, que agora voltou a subir, mas tudo isso exerceu um impacto importante na expansão do crédito.
E do ponto de vista da inadimplência, qual sua análise?
Em relação a pessoas físicas, vemos uma melhora. No total, a inadimplência, que chegou a bater 4,3% em meados de 2023, está hoje em 3,8%. No segmento de crédito livre, mais suscetível às condições da economia e com inadimplência mais alta, também houve redução. Neste ciclo, ela bateu 6,3% em 2021, na saída da pandemia, mas voltou e está em 5,5% agora. No caso de pessoas jurídicas, eu também não vejo um quadro complicado, ele é relativamente positivo.
Dentro da segmentação de pessoa jurídica o comportamento do crédito tem sido uniforme?
Não, há distinção. Se pegarmos no acumulado em 12 meses, o crescimento total da carteira PJ está na faixa de 8%, e entre as micro, pequenas e médias empresas, o aumento é menor, e está na faixa de 5,7%. Em relação à inadimplência, vale destacar que ela representa 2,4% do total da carteira. A inadimplência de micro, pequenas e médias empresas está em 4,5%, enquanto nas demais ela é um recorde de baixa, de 0,2%.
Quais seriam as razões?
O segmento de micro e pequenas empresas tem uma inadimplência mais alta. Ele é um segmento mais diverso, que apresenta uma fragilidade financeira maior, não porque as empresas são mal administradas, mas por terem menos fôlego financeiro, um menor número de informações e, muitas vezes, não contarem com uma auditoria independente. Portanto, há dificuldades para a precificação dessas empresas, para a mensuração de riscos e definição das taxas. Se há mais risco, há mais inadimplência, e as taxas são mais altas ou, às vezes, a oferta de crédito é menor para elas.
E qual a saída para o financiamento das empresas menores?
Quando conversamos na Febraban, uma das pautas é essa, como melhorar a oferta para esse segmento, e uma das opções é a melhoria da qualidade das informações. Por exemplo, fontes públicas, como a Receita Federal, poderiam disponibilizar dados de forma mais simples, investir em dados transacionais ou promover miniauditorias, tudo que pudesse melhorar a qualidade da informação.
Nesse sentido, a iniciativa do BNDES e Sebrae para constituição de fundos garantidores que dessem aval nos financiamentos seria uma saída para pequenas empresas?
Sim, os fundos garantidores são uma boa estratégia, uma estrutura que ajuda a mitigar, a reduzir o risco. Um pedaço do risco é compartilhado entre os fundos e quem está concedendo o crédito. Eles são indicados para segmentos com riscos importantes, elevados, ou numa conjuntura especial como foi a pandemia
Muitas vezes, podemos ter uma conjuntura muito complicada dentro do País, em que o risco percebido é grande antes da operação, mas que acaba não se materializando depois. O estrago da pandemia, do ponto de vista da inadimplência, foi muito menor do que o imaginado inicialmente.
Pelos níveis atuais de inadimplência, os fundos chegam em boa hora?
Hoje, considero que, ao olhar as carteiras dos bancos, não temos um risco importante, não há uma preocupação especial com a inadimplência do ponto de vista de insolvência ou de resiliência do setor. Mas é claro que aparentemente temos uma inadimplência maior no segmento de pequenas e médias empresas, e também no caso de pessoas físicas nas faixas mais baixas de renda, de até três salários mínimos. Nesse sentido, hoje, acho que os fundos são uma ideia interessante.
Inclusive, com a possibilidade de reduzir a taxa de juros?
Sim, a estrutura de mitigação de risco traz vantagens: é possível cobrar uma taxa menor, porque parte do risco está mitigada. De forma geral, na composição do spread bancário [diferença entre custo de captação e juro cobrado no crédito], 30% da taxa refere-se à inadimplência, em média. Nesses segmentos com maior risco de inadimplência, o percentual pode ser ainda maior, chegando a 35% ou 40% do spread.
O fundo garantidor reduz o risco e permite cobrar uma taxa de juros menor. Além disso, em alguns casos, pode permitir uma oferta maior de crédito. Os bancos aceitam emprestar em segmentos que, sem garantias, seria mais difícil atuar.
Em relação a pessoas físicas, a inadimplência também caiu do ano passado até hoje. Programas de renegociação de dívidas, como o Desenrola Brasil, ajudaram?
Acredito que seja um conjunto de fatores: a melhora da renda leva a uma melhora nas condições de crédito e, sim, os programas de fato ajudaram.
É preciso lembrar do contexto anterior, em que surgiram várias fintechs, houve um aumento muito grande da oferta de cartões de crédito, uso do crédito rotativo, o que resultou em um superendividamento da população e superexpansão do crédito. De lá para cá, os programas de renegociação com os credores também aliviaram a situação, mas, em paralelo, os bancos fizeram algumas alterações, reduzindo a oferta de linhas mais arriscadas.
Quais seriam essas linhas?
O crédito rotativo do cartão, por exemplo, passou a crescer menos, e o uso do cartão é feito mais para o pagamento à vista e não em prestações. Hoje há um avanço nos financiamentos de veículos e no crédito pessoal consignado. As carteiras estão crescendo em bases mais seguras, o que é muito bom. O consignado cresce, mas poderia estar crescendo até mais, não fossem as questões com limitação de taxas trazidas por portarias do Ministério da Previdência Social.
Houve uma mudança no perfil dos financiamentos firmados?
Sim, acho que houve uma espécie de depuração.
A expansão do crédito vem com mais garantias, com linhas menos arriscadas, o que demonstra uma certa maturidade do mercado.
Não só dos bancos, mas também dos novos entrantes. É uma indicação de mais maturidade.
E o número de consumidores sem condições de manter em dia seus compromissos está sob controle?
Quando você olha para os segmentos de renda mais baixa, há uma inadimplência residual mais alta, que ainda está sendo absorvida. O pior já passou. Não voltaremos ao ritmo em que houve uma explosão dos cartões de crédito, com oferta de 3, 4 ou até 5 cartões para todo mundo. Acredito que cresceremos com mais cautela e de forma mais saudável.
E quais as perspectivas para o crédito no Brasil daqui em diante?
Embora cada banco tenha sua estratégia, considero que as condições de mercado são favoráveis para a expansão do crédito. Os bancos têm condições de ampliar a oferta, e isso vai depender muito do cenário macroeconômico.
Qual é esse cenário?
Os dados da economia estão crescendo e trazem perspectivas positivas, mas há indefinição na questão fiscal, que tem gerado um certo mau humor. Quanto às condições microeconômicas, os bancos, de forma geral, fizeram ajustes, reduziram, inclusive, as provisões nos últimos trimestres, estão com carteiras saudáveis e podem, portanto, expandir o crédito.
A principal barreira é o ajuste fiscal?
A questão é se vamos ter alguma estabilidade macroeconômica, se vamos avançar no problema fiscal que traga a perspectiva de redução dos juros. Se acontecer uma flexibilização das taxas, o crédito volta a crescer rápido.
Estamos falando de uma economia que cresce 3%, com inflação de 4%, o que dá 7%, enquanto o crédito cresce 10%, um crescimento real. Não estamos falando de crise no aspecto fiscal, e sim de vislumbrar um ajuste que permita uma flexibilização monetária, o que possibilitará uma queda dos juros futuros.
Com que números os bancos trabalham?
Para 2024, os bancos estimam um crescimento do crédito, na média, de 10,6%. Para 2025, a estimativa é de um crescimento total de 9,1%, com uma pequena desaceleração, porque a economia também deve crescer menos. Este é o cenário base.
Agora, eliminando as incertezas fiscais, o crédito poderia subir para 11% e 12% no próximo ano, porque acho que as condições estruturais são boas. Nos dados macroeconômicos, os bancos trabalham com a projeção da taxa Selic em 11,75% no fim de 2024, e 12% no início de 2025. Para o dólar, a estimativa é que ele chegue a R$ 5,30 entre abril e junho do ano que vem.