04/04/2012 - 21:00
A decisão do Supremo Tribunal de Justiça, adotada na quarta-feira 28, que livra de prisão os motoristas que se recusarem a se submeter ao bafômetro ou a exame de sangue, já levou o governo a pensar em mudar a Lei Seca, para devolver aos guardas de trânsito o direito de julgar se uma pessoa está ou não alcoolizada. A ideia é boa, já que restaura o princípio da lei, que é retirar da direção de um veículo quem consumiu álcool. No entanto, como em muitas coisas no Brasil, o problema não é a lei, mas a sua aplicação. O Código de Trânsito sempre teve limites para o consumo de bebida alcoólica, muito antes de a Lei Seca virar uma expressão de uso corrente. O que não havia, naquela época, eram barreiras de fiscalização.
Não fazem sentido as reclamações de que, ao permitir a venda de bebidas nos estádios,
o governo está fazendo o jogo sujo dos cartolas e se curvando aos patrocinadores.
Sem punição, fica a critério de cada um cumprir ou não a lei, já que tanto o teste do bafômetro quanto o de sangue não são obrigatórios, pois os cidadãos têm o direito de não produzir provas contra si mesmos. Já ao governo cabe garantir o cumprimento da ordem. Não só da lei que edita para os cidadãos cumprirem, mas também das regras e compromissos que assume perante a comunidade internacional. Vale, inclusive, para a Copa de 2014. Na semana passada, a Câmara dos Deputados finalmente aprovou a Lei Geral da Copa, que atende às exigências feitas pela Fifa para realizar o Mundial no Brasil, depois de muita briga, pressão e quase vitória da bancada religiosa, que se opõe à liberação de bebidas nos estádios.
Mas deixou para os Estados onde serão realizados os jogos a responsabilidade de modificar suas leis para permitir ou não a venda de bebidas alcoólicas nos estádios – hoje proibida pelo Estatuto do Torcedor. A Budweiser, patrocinadora mundial do evento desde 1986, representada no Brasil por sua coirmã Ambev, espera a oportunidade de fazer decolar uma cerveja que ainda não caiu no gosto do brasileiro. A necessidade de adequar leis brasileiras às regras da entidade que organiza um evento privado mexeu com os brios patrióticos de muita gente. Acontece, porém, que a Fifa não veio pedir ao governo que permitisse a realização dos jogos aqui.
Foi o governo quem fez um lobby caro e trabalhoso para garantir a realização do torneio no País. Ao ser escolhido como sede, o Brasil está assumindo responsabilidades a que depois não pode se furtar de honrar. Por isso, não fazem sentido as reclamações de que, ao permitir a venda de bebidas nos estádios, o governo está fazendo o jogo sujo dos cartolas e se curvando aos patrocinadores. Compromisso assumido, repita-se, é para ser cumprido. Por isso, como recomenda qualquer estagiário do Procon, é sempre bom ler as regras dos contratos antes de assinar. Se era uma demasia mudar a lei para atender à Fifa, teria sido melhor ficar de fora.
O argumento usado pelo governo para sediar o Mundial é de que o campeonato vai gerar visibilidade – o que se traduziria em lucros pelos próximos anos, com maior fluxo de turistas, melhoria da imagem e da infraestrutura, entre outros ganhos. Os números, por sinal, são exuberantes. Um estudo da Ernst&Young Terco em parceria com a FGV Projetos estima que a Copa vai movimentar R$ 142 bilhões no País, entre 2010 e 2014, com geração de 3,6 milhões de empregos. É por isso que não faz sentido falar em perda de soberania. Um jogo de futebol pode ser somente diversão para quem assiste, mas deve ser visto como um negócio sério por quem está encarregado de organizar o espetáculo.