A indústria brasileira da tecnologia da informação (TI) cresceu a passos largos na última década. Somente no ano passado, metade de todo o investimento das empresas da América Latina em tecnologia foi feita no mercado brasileiro, movimentando US$ 61,6 bi­­lhões em negócios, segundo a Associação Bra­sileira de Empresas de Software (Abes). Embora animador, esse número está longe de motivar grandes comemorações: as 11 mil empresas de TI do País responderam por apenas 3% do mercado mundial. Em outras palavras: ainda há muito para crescer. Um dos maiores entusiastas do potencial do Brasil na área atende pelo nome Nobuhiro Endo, presidente global da japonesa NEC, gigante de tecnologia com faturamento de US$ 30,6 bilhões em 2014. “Para isso é preciso uma melhora no ambiente de negócios e no estímulo à inovação”, afirma Endo. Confira, a seguir, sua entrevista:

DINHEIRO – O sr. esteve no Brasil pela primeira vez há dez anos. O que mudou de lá para cá?
NOBUHIRO ENDO – 
Por ter me empenhado muito no setor de comunicação sem fio da NEC, estive no País mais de dez vezes nos últimos anos e a mudança é visível. Estou impressionado com a modernização do Brasil durante esse período, o que também impressionou diversas empresas no mundo. O novo terminal do Aeroporto Internacional de São Paulo, por exemplo, é maravilhoso. Mas há muitos pontos a serem melhorados.

DINHEIRO – Quais são os mais urgentes?
ENDO – 
Certamente é o investimento em infraestrutura, tendo o transporte como foco. O Brasil tem uma série de oportunidades para crescer, mas esbarra na falta de infraestrutura. O mundo precisa de mais alimentos e o Brasil tem uma agricultura enorme, mas esbarra nos meios de transporte ineficientes. O País não exporta em plena capacidade. Isso tem de mudar.

DINHEIRO – Essa deve ser a prioridade do novo governo da presidenta Dilma Rousseff?
ENDO –
 Certamente. A presidenta precisa investir nessas áreas. O Brasil tem um potencial enorme de crescimento, mas não conseguirá cumpri-lo com os atuais portos, aeroportos e rodovias. É uma conta simples: investindo, as empresas economizarão, o mercado vai se expandir, a taxa de desemprego cairá ainda mais e isso aumentará o PIB. Só que a presidenta deve tomar as soluções adequadas para o Brasil andar para a frente e tornar o potencial conhecido em realidade.

DINHEIRO – Mas há algum temor ou preocupação dos investidores estrangeiros com o Brasil?
ENDO –
 Se existe mercado, existe investimento estrangeiro. Essa é a conta. Como eu disse, o Brasil tem oportunidades ligadas à sua população, ao tamanho do seu território e à sua forte agricultura, mas precisa se conectar à realidade do mercado. Se conseguir fazer isso, receberá um monte de dinheiro dos investidores internacionais. O País tem de se preparar para o futuro.

DINHEIRO – Que futuro seria esse? 
ENDO –
 Atualmente, há sete bilhões de habitantes no mundo. Em 2050, haverá cerca de nove bilhões, sendo que 70% da população viverá nas cidades, ante os 50% atuais. Será um efeito cascata nos recursos que consumiremos: estimamos que precisaremos gerar 1,8 vez mais energia, aumentar a produção de alimentos em 1,7 vez e que consumiremos 1,6 vez mais água. E só conseguiremos através de gestão tecnológica dos recursos, ou seja, por meio de tecnologia de informação e comu­ni­cação. Com cidades conectadas e mais inteligentes, podemos contribuir para aumentar a eficiência da utilização de todos os recursos. Cidades inteligentes nada mais são do que locais que usam recursos limitados de uma forma melhor.

DINHEIRO – O Brasil tem condição de ter cidades inteligentes?
ENDO –
 Sim. Recife, por exemplo, está tentando estabelecer uma cidade inteligente em torno da Arena Per­nambuco, projeto no qual a NEC também está presente.

DINHEIRO – Como o sr. vê o mercado tecnológico brasileiro?
ENDO –
 É um mercado maduro. O Brasil está no topo do ranking dos países que mais utilizam internet, smartphones e TI no mundo, mas o setor tem que ser mais explorado. A maioria dos países desenvolvidos já explorou boa parte, sobrando grandes oportunidades a serem trabalhadas em lugares como o Brasil. Se você adicionar mais capacidade ao País, com redes e sistemas mais avançados, você melhorará a qualidade de serviços para os usuários, as empresas e a sociedade como um todo.

DINHEIRO – O Brasil ainda continua muito atrás de países mais desenvolvidos?
ENDO –
 Posso exemplificar com a operação da NEC no Brasil. Antes, tínhamos apenas uma fábrica e uma área de pesquisa e desenvolvimento e agora virou a nossa localização central nas Américas. O Brasil não só deixou de estar atrasado com relação aos outros países como virou um dos mercados mais importantes da NEC no mundo. Vários brasileiros estão à frente de outras operações da empresa. Diversos engenheiros daqui são enviados para a sede, em Tóquio, para apoiar o desenvolvimento de novas tecnologias e soluções, e não apenas para serem treinados.

DINHEIRO – Embora seja um grande mercado consumidor, o Brasil ainda patina na criação de tecnologia…
ENDO – 
O Brasil tem tudo para ser um grande desenvolvedor de tecnologia. No entanto, precisamos entender que a tecnologia é apenas uma base da capacidade do País. A parte fundamental é a educação da população e é exatamente ela que vai definir se a nação crescerá ou não. Aqui se tem boa educação, mas para poucos. O ensino de alta qualidade tem de ser mais bem distribuído, deve ser obrigação e não exceção. Educação e qualificação são as chaves. Certamente, também, é preciso uma melhora no ambiente de negócios e no estímulo à inovação. Os brasileiros precisam deixar de ser imediatistas e entender que vários erros podem ser cometidos até se chegar a um produto econômico e socialmente viável.

DINHEIRO – E quanto a falta de infraestrutura brasileira é benéfica para os negócios da NEC? 
ENDO – 
É um ótimo filão a ser explorado. Começamos no Brasil focados no mercado de telecomunicações, mas ampliamos o portfólio tendo em vista as necessidades que o País tem, como nas áreas de educação, saúde e segurança. Por exemplo, somos líderes em sistemas de reconhecimento de face e soluções biométricas. Com o Big Data como aliado, essas tecnologias auxiliam na segurança do dia a dia de quaisquer cidadãos. O Big Data, quando bem aplicado, é muito importante para a infraestrutura social, trazendo mais segurança, eficiência e equilíbrio a uma sociedade.

DINHEIRO – Quais países e organizações já usam as soluções desenvolvidas pela NEC?
ENDO – 
Temos grande participação no segmento de identificação, tanto de reconhecimento facial quanto de soluções biométricas. Diversos aeroportos nos Estados Unidos e Japão usam nossa tecnologia no setor de imigração. Universidades e hospitais renomados em todo o mundo também utilizam nossas soluções para isso. Ajudamos Nagazaki, no Japão, a criar uma plataforma compartilhada para melhorar a eficiência operacional e trazer melhores serviços à população. No Brasil, a nossa solução de identificação de impressão digital também está sendo utilizada por alguns clientes públicos em Estados como Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul.

DINHEIRO – A intenção da NEC é trazer essas soluções para educação, segurança e saúde, através de parcerias com o governo federal?
ENDO – 
Já temos parcerias com diversos governos locais, através de estádios, por exemplo. Todas as tecnologias por atrás da Arena Pernambuco, no Recife, e da Arena Fonte Nova, em Salvador, foram realizadas pela NEC. Isso sem contar os outros estádios nos quais tivemos participação, como a Arena do Grêmio, em Porto Alegre, e a Arena da Baixada, do Atlético Paranaense, em Curitiba. Mas é claro que queremos ampliar o nosso portfólio com o governo federal e em outros setores. As PPPs (Parcerias-Público-Privadas) podem ser um ótimo caminho para nós.

DINHEIRO – Na sua opinião, qual é o papel da tecnologia na sociedade atual?
ENDO –
 Atualmente, a tecnologia permite que você esteja em todos os lugares em tempo real e de forma dinâmica e remota, o que possibilita a criação de novas e melhores soluções. A própria educação, hoje, pode ser realizada remotamente. O principal benefício não é apenas a praticidade, mas a possibilidade de um ensino de qualidade chegar a diversos locais. Por isso precisamos continuar evoluindo a infraestrutura de ITC para ser mais ampla e permitir mais serviços em tempo real. Com essas informações em um banco de dados, você também consegue diminuir, por exemplo, o engarrafamento de grandes cidades e mehorar o transporte público, pois você tem acesso aos problemas de forma mais rápida e completa, o que possibilita uma agilidade na criação de soluções. Na minha visão, a tecnologia tem a responsabilidade de mudar a forma como as coisas estão, a fim de melhorar a vida das pessoas.

DINHEIRO – Como fica a questão de privacidade? Muitas pessoas temem ter esse direito violado com o avanço tecnológico.
ENDO – 
A intenção não é analisar individualmente as pessoas, mas a massa. Se você tratar os grandes dados em um curto período de tempo, é possível prever um futuro próximo da realidade. É uma ferramenta para preparar prevenções mais eficazes.

DINHEIRO – A NEC tem um planejamento visando 2050. Quais são os planos em um prazo tão longo?
ENDO – 
Eu tenho 60 anos. Quando nasci, a televisão engatinhava, em nível internacional. Na minha adolescência iniciou-se a comunicação por satélite e, na juventude, a fibra ótica. Quando eu tinha 30 anos, a comunicação móvel começava a surgir, com os bipes, por exemplo, e ninguém imaginaria que em 2014 teríamos todas essas facilidades. O que eu quero mostrar é que é muito difícil prever o futuro, mas uma coisa podemos dar como certa: estaremos cada vez mais próximos de resolver os problemas em tempo real. A impressão 3D, por exemplo, evitará o transporte físico – tudo poderá ser feito na sua própria casa ou empresa. Um carro, no futuro, se guiará sozinho por meio de comunicação remota. Com tais avanços no poder da computação e de rede, cérebro e corpo poderão ser separados. Tudo será processado remotamente, mas com informações coletadas localmente.