Lula elegeu Bolsonaro. E Bolsonaro elegeu Lula. Se Lula dormir no ponto, Bolsonaro volta. À primeira vista, esse cordel da alternância de poder até se assemelha a uma história infantil pelo seu grau de clareza e simplicidade, mas é a pura realidade da ciência política brasileira. De tão ruim que foi como presidente, Bolsonaro conseguiu a proeza de ajudar a transformar Lula num injustiçado, vítima da direita golpista e, de novo, em um presidente. Seja ou não culpado das acusações que respondeu, sem mimimi Lula voltou ao poder ­— graças a seu mais eficiente cabo eleitoral e maior rival político.

Ao comparar os dois, isso fica evidente. As joias sauditas amoitadas pelo ex-presidente, avaliadas em mais de R$ 16 milhões, fizeram do tal triplex sem dono do Guarujá, que não custa nem R$ 3 milhões em valor presente, indício de crime juvenil. As mais de 700 mil mortes na pandemia, motivo de piadas, gargalhadas e imitações em lives e entrevistas, transformaram qualquer pecado de Lula em algo minúsculo. A lavagem cerebral de Bolsonaro transformou no imaginário verde-amarelo vermífugo e analgésico em elixir da cura. Converteu médicos em curandeiros.

Na economia, o liberal-intervencionista que nos últimos quatro anos trocou quatro presidentes da Petrobras e baixou a fórceps o preço dos combustíveis, mostrou que a mão invisível do Estado na economia se faz necessária em tempos de baixa popularidade e de demandas eleitorais. Enquanto criticava o Bolsa Família, turbinava o Auxílio Brasil e distribuía voucher para taxistas e caminhoneiros. Criou uma bomba fiscal que vai levar anos para ser desarmada.

O problema é que o governo Lula não começou bem. Está aquém do esperado por aqueles que confiaram no reestabelecimento da normalidade política e econômica. O ambiente de negócios sofre com a alta da inadimplência, com os juros nas alturas — causados também pela falta de regras fiscais — e com a arroxo no crédito no sistema financeiro.

Ataques de Lula ao teto de gastos, críticas públicas ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, questionamento sobre a legitimidade da independência do BC e a demora em apresentar o novo arcabouço fiscal contaminaram seus primeiros 100 dias de governo. E a economia segue patinando.

No campo político, Lula conseguiu imitar Bolsonaro em falas que de tão estúpidas parecem decoradas de discursos de seu antecessor. Sem decoro algum, disse que quer “foder” o hoje senador Sergio Moro e levantou suspeitas sobre a veracidade das ameaças do PCC ao ex-juiz e a sua família. Perdeu a chance de ficar em silêncio em temas como meta de inflação, taxa de juros e a responsabilidade fiscal.

Lula está longe de Bolsonaro em cota de estupidez — quesito em que o ex-presidente parece imbatível. Algumas medidas do governo Lula 3 sinalizam que o presidente e sua equipe estão cientes da urgência e da complexidade dos problemas sob o tapete. Mas, vez ou outra, Lula dá uma fraquejada.

Não é coincidência que Bolsonaro decidiu voltar agora para o Brasil, depois da turnê amargurada nos arredores dos parques da Disney. Jair, o derrotado, farejou o ambiente favorável à construção de uma ofensiva de oposição. Não deve demorar muito para se tornar uma voz efusiva anti-Lula, com postagens sobre picanha, faz o L e o amor venceu. Não espere nenhum pensamento mais elaborado do que os que acompanhamos dos grupos de WhatsApp.

Nos próximos dias, Bolsonaro começará a responder por acusações que vão desde o genocídio contra o povo Yanomami até a propagação de fake news. A mais avançada, que em última instância pode torná-lo inelegível, aponta que ele usou a estrutura do Palácio do Alvorada em 2022 para disseminar ataques contra o sistema eleitoral em reunião com embaixadores. Seus filhos também foram à internet defender o legado do clã. O vereador Carlos Bolsonaro, principal articulador da persona digital do pai, postou no LinkedIn, a rede social para contatos profissionais: “o homem que deixou de governar o País no dia 31 de dezembro de 2022”.

Por enquanto, Bolsonaro pai é só mais um ex-presidente encrencado com a Justiça. Mas se Lula continuar errando na política e na economia, não duvide que ele poderá voltar.

Hugo Cilo é editor de Negócios e colunista da DINHEIRO