Na segunda-feira, 30, o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, anunciou que deve sentar com o presidente Michel Temer para concluir o modelo de privatização da Eletrobras.

Privatização
Julian Chediak, consultor que ajudou o governo a privatizar a Telebras, há 20 anos, vê dificuldades na venda da Eletrobras (Crédito:Divulgação)

A emblemática empresa do setor elétrico já foi, nos anos 1990, a companhia brasileira mais valiosa – acima de Vale e Petrobras. Hoje, depois de tantas imperícias no setor elétrico, a companhia sofre com o elevado endividamento e baixo poder de investimento. Além disso, o Planalto vê na Eletrobras uma possibilidade de levantar R$ 20 bilhões para o seu caixa.

No entanto, o tempo é inimigo. Segundo Julian Chediak, professor de direito da PUC-Rio e sócio da Chediak Advogados, não há tempo para criar uma fórmula mirabolante que permita uma privatização eficiente, tal qual foi feita há 20 anos com o sistema Telebras. Àquela época, Chediak participou da venda da tele como um consultor do governo de Fernando Henrique Cardoso. Agora, a saída, diz ele, é vender do jeito que está.

 

DINHEIRO – Como vê a proposta de privatização da Eletrobras?
JULIAN CHEDIAK – Acho que a privatização é o caminho para a empresa e uma decisão muito boa. O que me preocupa é o cronograma. Não sei se é viável fazer isso em tão pouco tempo.

DINHEIRO – Quais os problemas referentes a essa modelagem?
CHEDIAK – Posso responder com um exemplo. A telefonia no Brasil era regulamentada por cada Estado, com raras exceções, por alguns municípios. E cada unidade tinha uma empresa de telefonia subsidiária da Telebras. A Telesp, Telerj e por aí vai. E havia a fixa e a celular. Quando se resolveu discutir o sistema Telebras, percebeu-se que não fazia sentido vender as redes fixa e celular juntas. Primeiro, precisou-se cindir as teles do Brasil para separar em duas pessoas jurídicas. Então, a Telerj passou a ter a fixa e a celular. Isso se concebeu durante o processo. Havia uma diferença grande em benefício do tempo. Nesse processo, foi preciso criar as agências reguladoras setoriais. Até então não havia nada disso. No caso da Eletrobras, a parte regulatória já está de pé. Mal ou bem, a verdade é que já existe uma regulação do setor elétrico. Mas salvo isso, o resto não se tem ainda. Não há nem o entendimento do que é melhor ou pior nesse caso. Um ano para privatizar a Eletrobras, acho apertado.

DINHEIRO – Diferentemente da telefonia, o setor elétrico não é estatizado. Isso não facilita?
CHEDIAK – Já existem transmissoras, geradoras e distribuidoras privadas. A regulamentação já está. Mas há uma indefinição ainda de qual será o modelo. E nessa formulação, é preciso levar em consideração muitas coisas. Vai privatizar tudo o que tem na Eletrobras? Faz sentido vender um pacote desse tamanho? Ou é melhor dividir por regiões e por tipo de ativo? Qual o efeito que essa privatização terá sobre a concorrência? Faz sentido vender toda a geração? E Itaipu? Isso é um estudo que ainda não foi feito.

DINHEIRO – Parte disso a resistência de alguns partidos à privatização?
CHEDIAK – A resistência à privatização é política. Os próprios funcionários têm medo de mudanças. A empresa funciona em um regime diferente, a cobrança é muito menor, há uma estabilidade muito maior no setor público. Então, a resistência sempre vai ter. A privatização no mundo sempre sofreu resistência. Agora, não faz sentido nenhum manter essa estrutura dentro do Estado. Há países que mantêm uma estrutura desse tamanho estatal, mas o fazem de forma separada do Estado. Quando muda o governo, não muda a estrutura da empresa. Os países com setor elétrico estatal têm cargos de comando ocupados por carreiristas. E essa não é a nossa cultura. Vimos que a privatização do sistema telefônico foi muito interessante para os funcionários.

DINHEIRO – Mas os motivos para privatizar também não deixam de serem políticos, correto?
CHEDIAK – Há uma influencia política, é fato. Eu não sei avaliar as razões que levam o governo a entrar nessa seara. O que posso dizer é que, objetivamente, acho uma excelente saída para o setor. Desde que haja uma preocupação em ter um marco regulatório estável. Não pode acontecer o que aconteceu em 2012, com a publicação da Medida Provisória 579, que mudou completamente as regras do setor. Se há uma coisa que o setor privado não gosta é de imprevisibilidade. Se as regras não estiverem estáveis e claras, isso irá prejudicar o preço. É preciso consolidar e testar no setor as regras que modelarão a concessão.

DINHEIRO – As mudanças regulatórias não fazem parte também da evolução do setor?
CHEDIAK – Alguma mudança pode-se ter, mas não dá para mudar a toda hora. Isso afeta o preço. É preciso blindar o setor das ingerências políticas, e não falo somente das empresas, falo das agências reguladoras, da legislação. Pegue como exemplo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em todos esses anos, houve pouca interferência política. Pode-se gostar ou não de quem ocupa as cadeiras, mas de certa forma, essas pessoas merecem estar onde estão por questões técnicas. Isso deveria ser verdade para todos os setores.

DINHEIRO – As regras atuais são suficientes para uma privatização bem-sucedida?
CHEDIAK – Se as regras atuais forem mantidas, se for transmitida segurança – embora eu acredite que pequenos ajustes devem ser feitos nesse processo –, sim. Hoje não é preciso fazer uma grande revolução no setor para privatizar a Eletrobras. Mas não temos a menor ideia de como será feita essa venda. Podemos pensar que a privatização da Eletrobras será feita do jeito que está, em um sistema no qual um acionista não possa concentrar o controle. Isso é um caminho completamente diferente de dividir a Eletrobras em pedaços, separando Furnas, Chesf, Eletronorte, etc. São modelos diferentes. É preciso entender o modelo. A primeira vista, não precisa de muita mudança na regulamentação, mas a definição do modelo e esses ajustes devem andar juntos.

DINHEIRO – Quais os passos que o governo deveria estar dando para o sucesso da privatização?
CHEDIAK – A boa privatização é aquela que promova a prestação de um bom serviço ao mesmo tempo em que o governo recebe um valor justo pelo ativo que está se desfazendo. Primeiramente, deve ser sempre a premissa de o governo conseguir estruturar um mercado com serviço bem prestado. Em seguida, a agenda fiscal é importante. Se o governo decidir manter a Eletrobras intacta e apenas pulverizar o capital, não há muito mais o que se fazer. O trabalho maior é ir ao mercado buscar as pessoas que queiram entrar nesse negócio. Mas, se o governo desmembrar a Eletrobras, o cronograma para privatizá-la será apertado. Por que é preciso entender qual seria o interesse do mercado naquele momento de descruzamento das operações, o que fazer com o que não pode ser vendido, como Itaipu… Fazer um modelo simples, sem grandes mudanças, o prazo é viável. É difícil, mas viável, porque há poucos passos a serem dados.

DINHEIRO – O senhor vê apetite no mercado para entrar nesse negócio?
CHEDIAK – Se demorar muito nesse processo, pode-se perder as condições políticas e as de mercado. Dito isso, quanto mais demorar, pior. Então, é preciso uma modelagem mais simples possível. Se tentarem complicar muito, com esse cronograma, a chance de não conseguir privatizar direito a Eletrobras, é grande.

DINHEIRO – Existe a possibilidade de permitirem um controlador?
CHEDIAK – Vender a Eletrobras com a possibilidade de um controlador é um risco. Dar o controle para alguém não é algo que me agrade. Na Vale tem grupo de controle. Mas, naquele caso, não teve muito jeito. Eu, pessoalmente, preferiria que fosse uma companhia com capital pulverizado. Isso seria mais condizente com o que é a Eletrobras e com os objetivos que se tem de desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. Criar um grupo de controle não é muito diferente de vender para um concorrente estratégico.