07/02/2007 - 8:00
DINHEIRO ? O presidente Lula, em seu discurso de apresentação do PAC, afirmou que o plano tem como objetivo ?ajudar a fundamentar uma verdadeira cultura produtiva?. O sr. concorda com ele?
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN ? O PAC mostra uma contradição entre os dois governos Lula. Neste segundo mandato, o papel do governo como investidor ganhou ênfase e não só nas áreas consideradas estratégicas, mas também em direção dos investimentos privados. Isso não condiz com a atual situação fiscal do governo. No fundo o PAC é uma coisa muito pequena.
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“Palocci tinha a imagem de uma pessoa que sabia exatamente o que fazer”.
DINHEIRO ? Por quê?
Scheinkman ? Por que não dá para esperar do PAC grandes efeitos na economia brasileira.
DINHEIRO ? Houve um certo retrocesso ideológico no governo, com o aumento do Estado na economia?
Scheinkman ? Não sei se retrocesso, talvez eles achem que foi um avanço. Com certeza, houve uma mudança que para mim foi negativa. Uma mudança ideológica que se choca com a capacidade e vontade do governo de mobilizar recursos.
DINHEIRO ? O que deveria ter sido feito?
Scheinkman ? O governo deveria ter se concentrado em dar melhores condições para o setor privado participar do processo de investimento no Brasil. Evidentemente, isso não quer dizer que todo investimento deva ser feito pela iniciativa privada. Há projetos, principalmente em infra-estrutura, que devem ter a participação do governo. Mas a privatização do setor de telecomunicações mostra que, quando o governo permite ao setor privado investir e dá a ele condições mínimas de regulamentação, o setor privado supre as necessidades de investimento do País.
DINHEIRO ? Faltou a criação de normas regulatórias?
Scheinkman ? Há muito tempo defendo a tese de que boa parte do mau desempenho do Brasil é explicado pela falta de infra-estrutura. Agora o governo reconheceu isso, o que é um alívio. Mas esse é o primeiro passo: reconhecer. Falta criar condições para resolver o problema.
DINHEIRO ? Quais são os caminhos possíveis?
Scheinkman ? Um deles é criar regulamentações que permitam ao setor privado participar do processo. O outro é o governo fazer investimento direto. Nenhum dos dois caminhos é viável hoje por falta de normas claras e pelo aperto fiscal do governo.
DINHEIRO ? Quais as grandes falhas do PAC?
Scheinkman ? Faltou melhorar a situação fiscal com cortes nas despesas correntes. Algo como havia sido proposto pelos ex-ministros Antônio Palocci e Paulo Bernardo com as despesas crescendo menos do que o PIB por pelo menos uma década. Ou pelo Delfim Netto, com déficit zero. Se o governo fizesse isso, permitiria corte nos impostos e o aumento de investimentos do governo. Outro ponto esquecido foi a reforma fiscal. Nós temos um sistema de impostos muito caro e extremamente complicado. Hoje o setor formal não tem condições de competir com a informalidade.
“O Brasil tem condições de se destacar no cenário internacional com o etanol”.
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DINHEIRO ? O Palocci está fazendo falta no direcionamento econômico do segundo mandato?
Scheinkman ? É difícil avaliar, do lado de fora, quem manda no quê. Se o ministro ou o presidente. Não dá para saber se o Lula mudou de direcionamento ideológico porque o Palocci o convencia de certas idéias. Mas a ênfase dada na criação de condições para o setor privado promover o crescimento durante o primeiro mandato está fazendo falta.
DINHEIRO ? Faltou ao ministro Guido Mantega força para ocupar o lugar que foi de Palocci no Ministério da Fazenda?
Scheinkman ? É difícil responder isso, mas o Palocci carregava a imagem de uma pessoa que sabia exatamente o que fazer. Isso foi muito importante para o Brasil em 2002, 2003. Mas não julgo o que o ministro Mantega faz hoje.
DINHEIRO ? A imagem de pessoa forte do governo foi ocupada pela ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil.
Scheinkman ? Sim. É isso que a gente vê na imprensa. A importância desse ministério depende do governo, mas nos dois mandatos de Lula a Casa Civil sempre teve um papel importante.
DINHEIRO ? Caberá à ministra Dilma ordenar o País rumo ao crescimento de 5% pretendido pelo Lula?
Scheinkman ? Falar sobre personalidades foge do que eu sei. Mas acho que o Brasil continua a se beneficiar de uma situação externa muito boa. Além disso, as medidas tomadas no primeiro mandato não foram de efeito imediato e continuarão a beneficiar o crescimento do País. O PAC é muito pouco para ter efeito sobre a economia. Se o Brasil crescer nos próximos anos, não será por causa do PAC.
DINHEIRO ? Esse cenário possibilitará o almejado 5%?
Scheinkman ? Não faço projeções. Há um certo consenso entre os economistas brasileiros de que o crescimento será de 3,5%; não vejo nada que desabone essas pessoas.
DINHEIRO ? A infra-estrutura não é um forte gargalo ao crescimento do País?
Scheinkman ? Estudos mostram que, depois da década de 80, o Brasil investiu muito menos em infra-estrutura do que os países asiáticos, e isso explica a diferença de crescimento entre as regiões. O governo precisa atrair e regular o investimento privado, além de fazer investimentos diretos. Faltou ambição ao governo para possibilitar esse investimento, seja com cortes de despesas e com conseqüente aumento de sua capacidade de investir ou com a criação de condições de negócios para atrair o capital privado.
DINHEIRO ? Hoje o nível de investimento é insuficiente?
Scheinkman ? Sim, a taxa de investimento girou em torno de 20% do PIB nas últimas décadas. O cálculo não é exato, mas seria necessário investir mais cinco pontos percentuais para crescer de forma acentuada e duradoura.
DINHEIRO ? Para o investidor estrangeiro o Brasil ainda é sinônimo de risco?
Scheinkman ? Há muitos atrativos no Brasil. Somos um país grande, com um setor privado que, se por um lado está muito atrapalhado pelo sistema tributário, se mostra muito ágil com companhias de altíssimo nível. Mas o Brasil está pouco integrado com a economia mundial. Há dificuldades de se importar insumos, os impostos são altos e a burocracia é excessiva.
DINHEIRO ? O que fazer?
Scheinkman ? Precisamos investir. A educação é um dos pontos principais. É imprescindível melhorar o acesso e a qualidade do estudo. Também é necessário encarar com seriedade as pesquisas tecnológicas e as patentes. Se não corrigirmos essas deficiências, continuaremos a ser menos competitivos do que China, Índia, Irlanda.
DINHEIRO ? Entre os BRICs ?Brasil, Rússia, Índia e China ? o Brasil não merece estar na frente?
Scheinkman ? Eu diria que a Rússia enfrenta grande volatilidade em seu crescimento. O desempenho da China é diferente dos outros. A cada dia a China surpreende não só com altas taxas de crescimento como em ambição em termos de liderança, educação e tecnologia. Enquanto o Brasil quer um modelo latino de universidade, por exemplo, os chineses querem competir com Harvard. É outro planeta.
DINHEIRO ? Buscar uma integração latina, com o Mercosul, não é uma saída?
Scheinkman ? O Mercosul é muito pequeno para o Brasil. A Espanha, por exemplo, poderia ter feito um tratado com Portugal, mas preferiu se unir à Comunidade Européia. Eles entenderam que haveria ganhos muito maiores em termos comerciais na relação com países como Alemanha e França. Muito embora em uma provável união com Portugal a Espanha fosse ter um papel muito mais importante. Assim acontece com o Brasil no Mercosul.
DINHEIRO ? Qual a saída?
Scheinkman ? Deveríamos buscar integração com economias maiores do que a nossa. Mas a melhor coisa para o Brasil seria conseguir avanços na OMC (Organização Mundial de Comércio), onde a integração seria mundial e não com países. Mas isso não depende só do Brasil.
DINHEIRO ? A falta de resultados da Rodada Doha foi lastimável para a economia brasileira?
Scheinkman ? Sim, mas o fracasso não foi culpa do Brasil e sim das grandes economias, como os Estados Unidos e o Japão. Enquanto isso, o Brasil deve tentar obter mais acordos de livre comércio para bens agrícolas.
DINHEIRO ? Ainda mais agora com o mundo enxergando o etanol como boa alternativa de energia limpa.
Scheinkman ? É um momento especial. Se de fato os países se voltarem para o uso de combustíveis vegetais, o Brasil tem condições de se destacar no cenário internacional com o etanol. É bom lembrar que o combustível de cana-de-açúcar é mais econômico do que o de milho.
DINHEIRO ? E mesmo o etanol de milho tem bons reflexos no campo brasileiro.
Scheinkman ? Exato. Com parte da produção de milho usada para o combustível, faltam grãos para exportação e para o consumo interno nos Estados Unidos. Isso ajuda o Brasil tanto com as exportações como com a melhora dos preços internacionais das commodities.
DINHEIRO ? Esse fenômeno não pode criar um problema para o País, já que pode pressionar o dólar ainda mais para baixo?
Scheinkman ? Há hoje uma crença de que o Brasil pode sofrer com a doença holandesa (processo de desindustrialização provocado pelo aumento de exportação de insumos e forte valorização cambial). Esse fenômeno é teoricamente possível, mas na prática não tem muito suporte. É falsa a idéia de que a agricultura tem pouca tecnologia. A criação da base científica na agricultura criada pela Embrapa pode dar ao Brasil vantagens competitivas em vários setores.
DINHEIRO ? Em meio a PAC, aumento da competição externa e planos para o País crescer 5%, o Banco Central reduziu os juros em 0,25%. Não foi um balde de água fria nos planos do governo?
Scheinkman ? Há muito tempo tenho reclamado que as taxas de juros no Brasil são exorbitantes. Não dá para entender esse corte de 0,25%. O BC poderia ser mais ousado sem prejuízos para a economia.