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Nos anos 50, com o mercado fonográfico brasileiro em expansão, um produtor, de olho nas vendas, decidiu estampar na capa de um disco uma mulher com os seios à mostra. O vinil teve devolução em massa – a maioria dos clientes não conseguiu convencer suas mulheres de que escolhera o disco só por causa das rumbas e dos boleros. Faltou ao produtor o que sobrava em Aloysio de Oliveira (1914-1995), o dono da gravadora Elenco: leveza e sofisticação.

A mais bossa nova das gravadoras não ficou marcada apenas por ter lançado grandes títulos do gênero, mas por criar uma nova linguagem para as capas dos LPs, um novo conceito que revolucionaria o mercado de discos nos anos 60. Desde então, o disco deixou de ser visto apenas como mais um artigo de consumo e ganhou status de objeto de desejo, algo que dava prestígio ao seu proprietário. Parte dessa história está contada no livro “Elenco – A Cara da Bossa”, de Marcello Montore.

Até a primeira metade do século passado, a indústria fonográfica seguia o mesmo padrão adotado pelo empresário norte-americano Henry Ford para sua fábrica de automóveis, no qual a empresa ficava responsável por todas as etapas de produção. No caso das gravadoras, elas monopolizam todo o processo, da concepção da obra, passando pela gravação, prensagem, criação das capas até a comercialização e divulgação do produto. Ao fundar a Elenco, em 1963, Aloysio de Oliveira subverteria o modelo de produção vigente, criando departamentos exclusivos – boa parte deles terceirizados – para cuidar de cada etapa de concepção de um disco.

Oliveira trabalhara como free-lancer nos Estúdios Disney e foi pensando no valor que os americanos davam à imagem e, sobretudo, ao marketing, que fez da Elenco uma gravadora à frente de sua época. Como havia decidido terceirizar as etapas de produção, o empresário convocou os melhores designers para cuidar das capas da Elenco. Afinal, uma gravadora que pretendia gravar nomes como Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Roberto Menescal, Sylvia Telles, Maysa e outras estrelas, tinha o dever de apresentá-los da melhor maneira.

A revolução visual da Elenco foi liderada por César Gomes Villela, ilustrador que Oliveira conhecia desde os tempos de produtor. Villela era quem criara uma das capas mais famosas da Odeon, a do LP “Oooooh! Norma”, de 1959, em que a atriz e cantora Norma Bengell aparecia quase nua. A ousadia não estava na nudez e sim na simplificação gráfica adotada por Villela e na maneira com que ele explorava as possibilidades estéticas da tipografia na formação das palavras, sem exageros. O estilo minimalista de Villela foi adotado nas 13 primeiras capas da Elenco. O conceito gráfico era inovador: sobre um fundo branco apareciam o logo da gravadora, o título do disco e uma foto do artista em alto-contraste. A impressão era feita em duas cores, preta e vermelha. Não era uma medida de economia de Oliveira (a Elenco vivia sofrendo com a falta de recursos) e sim uma solução estética inovadora.

As capas da Elenco entraram para a história – “Vinícius & Odette Lara” (1963), “Baden Powell à Vontade” (1963), “Um Show de Bossa… Lennie Dale”, “Maysa” (1964), “Antônio Carlos Jobim” (1964), “Nara” (1964) – e ajudaram a bossa nova a consolidar – principalmente no Exterior – a imagem de gênero musical sofisticado e moderno. O boom criativo da Elenco durou pouco, apenas quatro anos – em 1967, ela deixou de ser uma gravadora independente para virar um selo da Philips. Controlada por uma multinacional e já sem o comando de Oliveira, perdeu boa parte do brilho até ser fechada, definitivamente, em 1971. Nunca na história deste País houve uma gravadora como a Elenco.