09/05/2023 - 1:25
Oliveiras sofrem com falta de água e altas temperaturas, e colheita deste ano deverá ser pior que a anterior, que já foi ruim. Essencial na dieta mediterrânea, azeite custa hoje na Europa 50% mais que há um ano.”Senhor, mandai-nos chuva!”, clamavam as vozes de uma recente procissão liderada por Sebastián Chico, bispo da cidade de Jaén, capital da província de mesmo nome, no sul da Espanha. Apesar do reforço de muitos olivicultores da região que acabaram se juntando à caminhada religiosa, o pedido lançado aos céus ainda não foi atendido.
No próprio dia da procissão, o sol fustigava os olivais. Há meses não chove na província de Jaén. Se o tão esperado milagre da água não acontecer logo, há o risco de grandes quebras de safra pelo segundo ano consecutivo. Uma catástrofe para os agricultores que é sentida também pelos consumidores: os preços do azeite, já bastante elevados, devem subir ainda mais.
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“Sem água, não tem azeitona. E sem azeitona, a província sofre”, preconiza o bispo Chico. “Nossa economia depende da produção de azeitonas.” Com cerca de 630 mil habitantes e 66 milhões de oliveiras, Jaén é considerada a mais importante área olivícola do mundo. Aqui é produzido o azeite destinado a grande parte da Europa.
Água para pessoas e turistas, mas não para plantas
Os meteorologistas, no entanto, não trazem boas notícias para os agricultores. A escassez de água na Espanha, que ameaça não apenas os olivicultores de Jaén, mas também grande parte da agricultura espanhola, ainda deve continuar por muito tempo. Segundo a agência meteorológica estatal Aemet, não há previsão de chuvas fortes até o outono europeu, que começa em setembro. E os pesquisadores do clima alertam: a longo prazo, a Espanha deve se preparar para temperaturas mais altas e ainda menos precipitações.
O drama vivido pelos moradores de Jaén se reflete nas barragens no interior do país. Agora, em plena primavera, os reservatórios estão apenas 25% cheios. Isso é suficiente para abastecer a população e os turistas com água potável, mas não os agricultores. Embora precisem desesperadamente da água para salvar seus campos de oliveiras, eles recebem apenas um quarto da quantidade normal.
Oliveiras em risco
“A situação é catastrófica”, diz Juan Luis Ávila, olivicultor de Jaén. “Este ano não só a colheita está em perigo, mas o futuro das plantações de oliveiras como um todo.”
Nas últimas semanas, várias ondas de calor, com temperaturas de quase 40 graus, literalmente queimaram as flores brancas de muitas oliveiras. Grande parte da safra de azeitona, normalmente colhida de novembro a fevereiro, já foi perdida, um panorama que nunca foi tão ruim.
“A oliveira é capaz, sim, de suportar temperaturas muito altas, mas apenas se receber água suficiente”, explica Ávila, que também é porta-voz da indústria olivícola na associação de agricultores COAG. Quando há falta de água extrema, a árvore não tem forças para formar frutos saudáveis.
A última temporada já havia sido ruim. Escassez de chuvas e fortes ondas de calor também ocorreram em 2022, o ano mais quente já registrado na Espanha. “Colhi 70% menos do que nos anos anteriores”, conta Ávila, prevendo que a próxima temporada irá trazer ainda menos produção.
Outros países também sofrem com a seca
O pessimismo de Ávila é compartilhado pela maioria dos olivicultores espanhóis. Com quase 1,5 milhão de toneladas de azeite oriundos da safra 2021/22, a Espanha viu sua produção cair para apenas 680 mil toneladas em 2022/23 – menos da metade. Se as previsões sombrias para 2023/24 se concretizarem, a próxima safra poderá registrar grandes perdas novamente.
Mas não é apenas na Espanha que esta seca do século vem causando danos gigantescos às colheitas. A situação não parece estar muito melhor para os olivicultores em Portugal ou na Itália, o que coloca pressão adicional sobre os preços do azeite no mercado europeu.
Segundo estatísticas da União Europeia, quase 2,3 milhões de toneladas de azeite foram produzidas na Europa em 2021/22, caindo para pouco menos de 1,4 milhão de toneladas em 2022/23. As quebras de safra no setor oleícola europeu só não foram maiores devido à Grécia, onde até agora houve menos falta de água. A Grécia foi o único país produtor europeu que conseguiu aumentar sua produção de azeite na última safra.
Falta de água eleva preços de alimentos
A seca nas plantações de azeitona tem feito com que os preços do óleo subam para níveis recordes: de acordo com uma pesquisa da UE, o azeite na Europa custa hoje em média 50% a mais do que doze meses atrás. O que significa que o azeite, parte indispensável da famosa dieta mediterrânea, corre risco de se tornar um item de luxo.
“O choque do custo do azeite é uma evidência de que a seca está causando o aumento dos preços dos alimentos”, escreve o El País, o maior jornal da Espanha. De acordo com os últimos dados disponíveis (de março de 2023), os preços dos alimentos no país aumentaram 16,5% em doze meses – em toda a UE, o aumento foi de até 19,2%. A crise climática poderia desencadear uma crise alimentar?
Na tentativa de contornar a crise, alguns fabricantes espanhóis têm usado a criatividade. Uma das soluções encontradas foi misturar o precioso azeite de oliva com óleo de girassol, que é muito mais barato, e vender o novo “produto” a preços mais baixos. O fato de se tratar de uma mistura, camuflada por um rótulo de azeitonas verdes e brilhantes, só fica claro para quem se dá ao trabalho de ler as letras miúdas.