No mundo do luxo e adjacências, a sedução, seja da marca, seja do produto, é um dos requisitos fundamentais para se concretizar uma venda e fidelizar clientes. No entanto, nos tempos atuais, em que predomina o efêmero, as conquistas não têm sido fáceis. Mesmo as grifes alicerçadas na tradição de décadas e na qualidade têm sofrido com os encantos e os arroubos que a paixão fulminante por novidades provoca. Nesse cenário, por vezes, caótico, um profissional se destaca: o arquiteto de varejo. Sua expertise tem auxiliado as marcas a (re)conquistar clientes com a ajuda de texturas na parede, cores nos provadores e aromas nos ambientes, entre outros elementos sensoriais. Sua missão é fazer com que o comprador saia apaixonado por tudo aquilo que viu e, principalmente, adquiriu, traduzindo o conceito e a vocação da marca para o espaço físico das lojas. 

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Vitrine moderna: o designer José Marton ultiliza seus conhecimentos em artes plásticas para criar ambientes
que agucem todos os sentidos do consumidor, contrapondo-se à experiência de compra na internet, calcada somente na visão

O segredo está em operar essa magia de uma maneira tão sutil que o cliente nem perceba que foi seduzido e induzido a comprar.Foi seguindo os passos dessa tendência que a francesa Chanel, uma das marcas mais conceituadas e cultuadas do mundo do luxo, convocou o talento do arquiteto americano Peter Marino para orquestrar a reinauguração de sua butique-conceito de mais de dois mil m2, no Shopping Takashimaya, em Cingapura, no ano passado. Marino é responsável pelo projeto arquitetônico de todos os estabelecimentos da marca e também por lojas-chaves das grifes Louis Vuitton, Dior e Ermenegildo Zegna, entre outros ícones da sofisticação.  

Os dois andares da maior loja da grife no Sudeste Asiático são forrados com papel de parede pintado à mão, com detalhes dourados, e decorados com mobília feita sob medida, como as peças de alta-costura da marca. A ideia do projeto foi transpor a identidade da Chanel, uma mistura de glamour com o romantismo de Paris, para a decoração. “A arquitetura de varejo passou a ser o ponto central na construção de uma marca”, diz Luciana Stein, empresária, pesquisadora e consultora de tendências do site Trend Watching e da consultoria Mintel, da Inglaterra. “Hoje, uma grife tenta atingir seu público em 360º, estimulando-o em todos os sentidos.” A exemplo de Marino, aguçar as sensações é o que o designer José Marton, sócio do escritório de arquitetura Marton + Marton, de São Paulo, propõe em seus  projetos.

 

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Inovar para lucrar: loja da Cori, que passa por modificações constantes, de modo a proporcionar mais conforto na hora da compra

 

Por conta de sua formação em artes plásticas, Marton usa e abusa de conceitos para imprimir sofisticação e modernidade aos espaços que cria para clientes como a marca de roupas Cori – que nasceu clássica e virou fashion – e Emme, rede de lojas modernete e descolada de roupas, acessórios, móveis e objetos de decoração, para a qual Marton desenvolveu toda a linguagem visual, tanto do espaço quanto da marca. Segundo ele, os estabelecimentos precisam apresentar elementos fortes de sedução que contraponham o imediatismo e a comodidade de se comprar na internet, a grande febre de consumo atual que se fundamenta apenas no apelo visual. “O mundo vende pela internet. Por isso, as lojas físicas têm de criar uma experiência de compra única”, diz Marton.


“Quem não fizer isso será engolido.” Gerente de branding da Cori, a executiva Iza Smith afirma que as lojas da rede sofrem constantes alterações. “Nosso desafio atual é desenvolver um novo aroma para ajudar a compor a identidade da grife, nos pontos de venda”, diz ela. “Como o consumidor é muito sensível, toda mudança que proporcione mais conforto interfere no fluxo da loja para melhor.” Para Carlos Ferreirinha, diretor da MCF Consulto-ria & Conhecimento, empresa de consultoria especializada no segmento de luxo, os produtos sofisticados não vendem mais somente por pertencerem a uma determinada marca. Segundo ele, a grife determina, sim, um valor de diferenciação, o que proporciona uma certa vantagem competitiva. “Mas são necessários outros elementos que colaborem no processo de venda, como a arquitetura de varejo”, afirma Ferreiri-nha, que trabalhou para empresas como a Louis Vuttion, no País. 

 

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Estimulando o prazer da compra: marcas como a Versace (acima à esq.) e lojas como a Calèche (à dir.)

investem constantemente em novas maneiras de expor seus produtos para seduzir e fidelizar os clientes

 

O trabalho dos arquitetos de varejo não se resume a organizar de maneira coerente os produtos de uma loja. “É preciso dispô-los de maneira a estimular o prazer da compra”, diz o arquiteto Eduardo Cabral, do escritório que leva seu nome. Cabral foi responsável por mais de oito anos pela criação de totens de exposição dos cosméticos de grifes como Christian Dior, Givenchy, Kenzo e Versace, em vários estabelecimentos no País. Durante esse tempo, concluiu que os padrões de uma grife devem harmonizar com o comportamento do consumo local. Ele comanda a reformulação da Caleche Cosmetique Prêt-à-Porter, loja do shopping Iguatemi que reúne grande parte das grifes de luxo de beleza. 

 

Sua nova versão da loja, mais clean e moderna, consumiu cerca de  R$ 1 milhão em investimentos. “Como são muitas marcas expostas num mesmo espaço, tive que estar atento a cada conceito”, diz Cabral. “No entanto, consegui ousar no desenho do mobiliário e na iluminação da loja.” Mudar a maneira de se comunicar com seus clientes, acompanhando as novas linguagens e os novos comportamentos de consumo, virou lição de casa até mesmo para as marcas centenárias. “A reestruturação pode se traduzir em um aumento de até 40% no faturamento, em alguns meses”, diz Alberto Serrentino, sócio-sênior da GS&M-Gouvêa de Souza, empresa de consultoria especializada em varejo. Número sedutor, em tempos de altos e baixos da economia mundial, mesmo para um setor que pouco se abala com o andar da carruagem. 

 

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