25/02/2004 - 7:00
Atire a primeira pedra quem nunca passou alguns minutos, senão horas, diante da televisão para acompanhar a cerimônia de entrega do Oscar como a um desfile de moda. Se é assim para o comum dos mortais, imagine para quem participará da noite da festa, no próximo dia 29, a poucos metros das piadas sem graça de Billy Crystal. O brasileiro Bráulio Mantovani, que concorre à estatueta pelo roteiro adaptado de Cidade de Deus, o grande filme de Fernando Meirelles, encarava o rega-bofe como mera diversão ? até que o passar dos dias o fez cair na real. Induzido por DINHEIRO a dizer com que roupa iria ao show, manteve-se fiel a seu estilo despojado e assegurou: ?Acho que vou com o que tenho?. Alguns dias depois, já consumido pela adrenalina de um espetáculo inescapável, ele mesmo tomou a iniciativa de anunciar a boa nova. ?Minha mulher fez uma surpresa e comprou um smoking Armani?, avisou.
Gastronomia
Para o jantar de gala da festa
um dos mais respeitados chefs dos EUA preparou uma sobremesa de chocolate com o formato da estatueta (à esq.)
Agora sim, Mantovani está como manda o figurino. O black-tie é obrigatório para todos, incluindo garçons, agentes de segurança, jornalistas e convidados. Não há como escapar dessa regra. César Charlone, diretor de fotografia do longa brasileiro candidato a quatro troféus, queria evitar a pompa. Terá que ceder ao estilo imposto por Hollywood. ?Filmamos Cidade de Deus em favelas para mostrar justamente o contrário da festa, a realidade da pobreza?, diz Charlone. And the Oscar goes to… Quando se aproxima a hora dos prêmios até mesmo os mais rebeldes ou realistas como Charlone cedem à tentação da entrada no Kodak Theatre em Los Angeles e à subida em pares ao púlpito. Zé Pequeno dá lugar a Tom Cruise.
Dança das cadeiras
Cartazes com as fotos dos candidatos marcam as posições na platéia do Kodak Theatre (na foto, a cerimônia de 2003). Andrew Horn, um executivo pacato, decide quem senta ao lado de quem. Seu antecessor no posto chegou a receber ofertas de propina de US$ 5 mil para troca de assentos.
?O tapete vermelho se transformou no maior evento de moda do planeta?, diz Patty Fox, coordenadora do vestuário da Academia hollywoodiana e responsável, ao longo de dez anos, pela introdução de marcas como Christian Lacroix e Donna Karan na loja Saks, em Nova York. É um desfile que move fortunas ? nos bastidores comenta-se que a antecipação da festança (normalmente ela ocorre no final de março) deve-se, em boa parte, aos interesses da indústria da moda, para acelerar bons negócios. No ano passado, bastou que Nicole Kidman exibisse um Channel no corpo magro e levemente ruivo para que a grife francesa tivesse uma receita de caixa suplementar, nos meses seguintes, de US$ 10 milhões. A brasileira H.Stern virou notícia em todo mundo depois que Catherine Zeta-Jones adornou seu colo, em 2000, com um diamante de 50 quilates. Houve, nessa trajetória de exibicionismo, momentos que fizeram história entre os grandes instantes de mau gosto no vestir. A cantora e atriz Cher apareceu em 1986 com uma quase-roupa, barriga de fora e imensa peruca, que não faria feio na Marquês de Sapucaí. Bjork fez derreter de espanto até as geleiras da Islândia, seu país natal, ao brotar em 2001 vestida de cisne branco ? só gerou menos comentários que a presença de uma índia a rigor, com colares e penas, na versão de 1972, quando Marlon Brando recusou-se a comparecer ao Oscar para receber o prêmio pelo definitivo Don Corleone de O Poderoso Chefão.
Moda e extravagância
Patty Fox(no detalhe), que fez fama ao levar o luxo para a Saks de Nova York, é a coordenadora do desfile de moda no tapete vermelho. Uma de suas missões é evitar extravagâncias como a perpretada por Cher em 1986, vestida de sabe-se lá o quê.
É um jogo claro: trata-se de ver e ser visto como acontece há 75 anos. Por isso, dentro do teatro, a briga por um lugar na frente ou em ângulo fácil para as câmeras de televisão tornou-se hábito. Entra em cena, nesse momento, um sujeito que aparece pouco mas manda muito, espécie de José Dirceu da Academia de cinema: Andrew Horn. Ele determina quem sentará ao lado de quem. É o chefe das poltronas. Há dois anos no cargo, Horn substituiu uma lenda, Otto Spoeri, o senhor que durante 24 anos cuidou dessa atividade. Aposentou-se, entre outros motivos, porque já não suportava receber propostas de suborno por assentos. Numa oportunidade, chegou a receber oferta de US$ 5 mil. Pelos serviços prestados, recebeu dois convites vitalícios para as noites de gala. ?Espero que Andrew, meu sucessor, me ponha em bons lugares?, diz.
Nem mesmo dois sujeitos fundamentais na votação do Oscar têm garantia de bom posicionamento na sala. Greg Garrison e Rick Rosas, auditores da PricewaterhouseCoopers chegam ao Kodak Theatre algemados a uma maleta 007. Levam dentro dele os envelopes com os vencedores ? sigilo colado ao corpo como os códigos nucleares regiamente guardados pelos chefes de Estado. Pode soar exagero, mas faz parte da liturgia de uma escolha que, ano a ano, ocupa corações e mentes. É uma ansiedade que se dissipa apenas com os resultados, rapidamente transformada em alívio e alegria nas festas que ocorrem depois da cerimônia. Uma delas é um épico, mistura de Fellini com Spielberg: o jantar de gala, o Governors Ball, comandado pelo chef Wolfgang Puck. O gran finale do jantar com caviar, lagosta e champanhe é a torta de chocolate vienense pousada num prato com pó de ouro. Detalhe: a delícia tem o formato da estatueta.