23/03/2001 - 7:00
Vidigal: conversa com Fraga mudou seus planos
As conversações são áridas e desgastantes. Especialmente para o banqueiro Gastão Eduardo Bueno Vidigal, 82 anos, com a saúde debilitada pela idade e pelo derrame que sofreu há três anos. Mas é ele quem impõe as condições. Não negocia pelo telefone, não autoriza nenhum de seus executivos a falar em seu nome e marca todas as reuniões em seu território ? a mansão da família no elegante bairro de Cidade Jardim, zona sul de São Paulo. Elas acontecem sempre no mesmo horário, 11h, no escritório que é uma réplica perfeita do gabinete da presidência do Mercantil Finasa, banco de sua família há 62 anos. No sábado, 17, o clima era especialmente tenso. O negócio ameaçava fazer água, porque há dois dias havia vencido o protocolo de exclusividade da venda do banco para seu pretendente, o Citibank. A cúpula da instituição americana no País foi visitá-lo em missão diplomática. Alcides Amaral, presidente para o Brasil, e Álvaro de Souza, presidente executivo de varejo para a América Latina, sentaram-se à mesa. Junto com Vidigal cerravam fileiras dois dos herdeiros, o filho Gastão Augusto e o sobrinho Luís Roberto. Toda a discussão foi travada sobre um simples ponto porcentual. A família Vidigal aceitava vender, no máximo, 49% de seu negócio. O Citi não aceitava uma participação minoritária. O patriarca falou pouco e permaneceu irredutível, mesmo quando um dos herdeiros fez uma proposta conciliatória. Após três horas de tensão, Vidigal concordou em vender 50% ? mas exigiu continuar na presidência por pelo menos mais dois anos. O Citi faz uma contra-proposta: assumir o controle imediatamente, concedendo a ele a presidência do conselho de administração. Como nas outras vezes, não há resposta. Os negociadores aguardam a próxima rodada.
Patriarcado: O filho Gastão Augusto (à esq.) apenas observa o pai negociar
Desde o início do ano, esse é o ritmo de uma das mais difíceis operações de fusão e aquisição já vistas no País. Vidigal não quer, nem nunca quis, vender seu banco, um império com ativos de R$ 8,7 bilhões e que, na década de 60, chegou a ser o maior do Brasil. Há alguns meses ele escutava propostas de candidatos à compra do Finasa. Mas não as levava a sério. Não estava disposto a abrir mão do controle da companhia. Sua disposição mudou em dezembro, depois de uma conversa séria com o presidente do Banco Central, Armínio Fraga. O veterano banqueiro nutre um desprezo olímpico pelo ministro da Economia, Pedro Malan, mas respeita as opiniões do comandante do BC. Em tom ponderado e cordial, Fraga comunicou ao dono do Mercantil que ele precisava injetar dinheiro no banco, ou então procurar alguém que o fizesse. O recado foi entendido. Há meses a área técnica do BC vinha pedindo uma série de ajustes nos balanços do Finasa, para que ele se adaptasse às novas regras do mercado. A instituição fechou o ano com rentabilidade de míseros 1,2% sobre o ativo, inferior à da poupança e pior até que o rendimento do FGTS. A venda havia se tornado inevitável. O dono do Mercantil observou apenas que gostaria de manter seus negócios bancários no exterior ? especialmente sua operação em Luxemburgo.
O Citibank não queria comprar o Mercantil. Quando os executivos do banco americano se aproximaram pela primeira vez da família Vidigal, no ano passado, era apenas para tentar pôr as mãos no negócio mais lucrativo do grupo, a Financeira Finasa. A aquisição se encaixaria como uma luva dentro da estratégia da empresa para a América Latina. Nos últimos dois anos o Citi comprou a principal financeira do Chile, a terceira maior do México e uma das líderes de mercado da Argentina. Faltava entrar no Brasil. A Finasa parecia uma boa oportunidade, mas Vidigal, após algumas reuniões, deixou os americanos falando sozinhos e foi escutar o canto de sereia do Santander. Durante sete meses os espanhóis o assediaram com propostas para comprar o banco e suas coligadas. Chegaram a propor um preço, inutilmente ? Vidigal não aceitava nenhum acordo que implicasse a perda do controle do grupo. O Citibank voltou à cena em janeiro, depois da conversa do patriarca com o BC. Encontrou um clima mais favorável. Seu interesse ainda era apenas a Finasa, mas logo ficou claro que a única maneira de levá-la seria adquirindo o banco todo.
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As conversas, embora tensas, avançam agora em ritmo mais acelerado que antes. O que fez toda a diferença foi a pressão do BC. Ele intimou o banco a reduzir para 65% a parcela de seu patrimônio aplicada em ativos sem liquidez, como participações em empresas controladas e, principalmente, imóveis. A lógica do BC é compreensível. Se ocorresse um problema no sistema financeiro, o Finasa não teria como cobrir rapidamente as retiradas de clientes. Os técnicos do BC também acusaram duas operações contábeis que, em sua análise, aumentaram artificialmente os ativos do banco e deveriam ser desfeitas. A primeira é o lançamento pelo valor de face de títulos estaduais que o banco detém, quando o correto seria contabilizá-los pelo preço de mercado ? muito mais baixo, devido ao risco de calotes como o que Alagoas deu há dois anos em papéis do mesmo tipo. A segunda é a manutenção nos ativos da instituição de créditos que o BC considera perdidos. Vidigal não abaixa a cabeça perante as críticas e defende seus critérios contábeis: diz que pretende ficar com os títulos estaduais até o vencimento, e que por isso não precisa calcular o valor de mercado dos papéis. Sustenta que tem garantias para cobrir os créditos com os quais o BC implica, o que permitiria a ele manter os empréstimos contabilizados como negócios ativos. Mas entendeu o alerta como um aviso velado das autoridades ? um recado de que o tempo para achar uma parceria estava sendo cronometrado.
Estilo Antigo: Vidigal faz reuniões em casa, assistido por seu mordomo
O Citi sabe que desta vez o BC quer ver o negócio fechado. No início de janeiro seus diretores foram a Brasília comunicar formalmente às autoridades que haviam aberto negociações. Houve um longo hiato e o encontro seguinte aconteceu por acaso, já em março, nos salões do clube Monte Líbano. Foi nos bastidores da cerimônia que empossou a nova diretoria da Febraban. Alcides Amaral, presidente do Citi no Brasil, deu de cara com o presidente do BC, Armínio Fraga, e disse a ele que a conversa com o Mercantil ainda estava de pé. Armínio sorriu e respondeu: ?Eu sei, tenho acompanhado as notas nos jornais?. O aviso era oportuno. No dia 15, venceria o protocolo que garantia aos dois bancos exclusividade nas conversas para parcerias e aquisições. Chegou a circular no mercado o rumor de que o negócio descera por água abaixo. Mas o namoro continua, mesmo sem a certeza da fidelidade. Desde então o Mercantil deixou vazar a informação de que teria aberto conversas também com o BBA Creditanstalt. O BC e o Citi receberam a informação como uma tentativa de Vidigal de pressionar por um acordo mais favorável e desconsideraram o rumor. Para o Citi, o clima parece mais favorável desde fevereiro, quando entrou nas negociações Alcides Amaral, velho conhecido do controlador do Mercantil.
O acordo em vista prevê que o Mercantil passe a ser uma instituição associada, como o Crefisul no passado. O Citibank continuaria sendo uma marca apenas para classe A |
Gastão Vidigal justifica a fama de negociador duro sem deixar de ser cordial. Ouve sempre com atenção a outra parte, mas jamais responde a uma proposta na mesma reunião em que é apresentada. Quando, no início do mês, decidiu permitir que o Citi fizesse uma coleta de dados dentro do Mercantil, proibiu expressamente os representantes do grupo americano de entrar em contato com seu principal executivo, o diretor vice-presidente Raul Barreto. Executivos, no seu modelo de gestão, são para executar ? não para decidir ou negociar. Os frutos que esse modelo rende ao banco são cada vez mais questionáveis. A rentabilidade sobre os ativos do banco em 2000 foi desprezível (1,2%), e só não se transformou em zero porque o Mercantil não lançou no balanço todos os ajustes pedidos pelo BC. Feitas as correções contábeis de uma só vez, na ponta da faca, o resultado operacional desaparece. Ou seja, o lucro de R$ 82 milhões some. Isso não ameaça a solidez patrimonial do banco, que trabalha com alavancagem baixíssima e tem os prazos de suas dívidas e suas receitas bem casadas, mas, no curto prazo, ajuda a drenar seu caixa, porque a instituição pagou dividendos sobre os lucros calculados dessa forma pouco honrosa. Foram R$ 23 milhões em dividendos em 2000, para um caixa restante de R$ 38 milhões, segundo o balanço do exercício.
Passar a gestão do Mercantil para o Citibank seria mais fácil do que na maior parte das fusões. Os ocupantes da diretoria executiva e das chefias de departamentos estão praticamente todos em idade de se aposentar e alguns só não saíram ainda devido a pedidos pessoais de Vidigal. O banqueiro não renovou o staff, deixando o caminho aberto para uma troca de equipe. O acordo em andamento prevê a transformação do Mercantil em uma instituição associada ao Citi, como foi no passado o Crefisul ? na prática, também gerido pelo banco americano. Isso permite ao grupo entrar no varejo sem correr o risco de contaminar a própria marca, bem estabelecida no segmento de clientes de alta renda.
Colaboraram Estela Caparelli e Ernesto Bernardes