DINHEIRO – O novo Plano Geral de Outorgas da telefonia, que permite fusões, é bom para o País?
RENATO GUERREIRO
Quando o plano foi organizado, em 1998, ele tinha um objetivo muito claro, que era o de fazer uma divisão de mercado que proporcionasse e estimulasse investimentos no País no sentido de cumprir as metas de universalização. Tínhamos 13 milhões de telefones fixos e uma demanda que, imaginava-se, chegava a 28 milhões. Àquela época era necessária a estratificação, mas essa realidade foi superada. Eu acho que o plano precisava ser revisto e que essa restrição tinha de ser retirada. Mas, em meio a todo esse processo, precisariam ter sido ex- Entrevista / Renato Guerreiro plicitadas, claramente, as vantagens de construirmos uma empresa nacional de telecomunicações.

DINHEIRO – O sr. está falando da compra da Brasil Telecom pela Oi?
GUERREIRO – Sim, e a vantagem é a que a gente tem empresas brasileiras em uma série de segmentos, como uma Embraer, uma Petrobras e uma Vale. Essas empresas estão inseridas no mercado internacional. E isso gera uma certa dinâmica interna, com geração de empregos e uma série de virtudes. Se a fusão não ocorrer, em cinco anos as duas podem ser absorvidas pelas concorrentes.

DINHEIRO – É essa a tendência?
GUERREIROO mundo inteiro vive um processo de consolidação de empresas. O exemplo mais relevante é o dos Estados Unidos, uma das principais fontes de inspiração dos modelos das telecomunicações em todo o mundo. Lá, as chamadas babybells, as sete empresas que dividiam o país por áreas geográficas após o desmembramento da Bell, se consolidaram em três grandes grupos com atuação, na maioria dos serviços, de âmbito nacional. Ficou claro, no caso americano, que a divisão artificial do mercado levou a um processo natural de consolidação. Na Europa é ainda mais evidente. Como as empresas são praticamente monopolistas, como a Telefônica, a British Telecom e a Deutsche Telecom, já há um movimento de consolidação supranacional. A France Telecom está conversando com a Telia, da Suécia.

DINHEIRO – Como está dividido o mercado brasileiro?
GUERREIRO Temos, com participação forte, dois grupos: a Telefônica e a Telmex. Temos também a Telecom Italia, mas numa proporção menor. A Telefônica detém, na América Latina, cerca de 25% dos telefones fixos e móveis. A Telmex tem 35%. A Brasil Telecom e a Oi, juntas, possuem 10%. Se BrT e Oi não se unirem para formar uma grande empresa, serão absorvidas pela Telefônica e pela Telmex.

 

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DINHEIRO – E como ficaria a divisão do mercado se o negócio sair?
GUERREIRONas bases atuais, a nova tele teria cerca de 27% do mercado. A Telefônica, incluindo a Vivo, ficaria com 29%. A Telmex, juntando Embratel e Claro, teria 20%. A TIM ficaria com 19% e as demais com 5%. Nos serviços de longa distância apenas, a BrT-Oi ficaria com 42% do total de minutos tarifados, com a Embratel próxima a 24% e a Telefônica com 23%. É uma disputa mais parelha, que gera concorrência para o setor.

DINHEIRO – E que gera críticas de que resultaria na criação de uma supertele financiada pelo governo.
GUERREIRO Aí são dois pontos. O primeiro é que não entendo esse conceito de supertele. Super em quê? A Telefônica tem o melhor e o segundo melhor mercados do Brasil, que são a capital e o interior de São Paulo. A base instalada está consolidada. A nova tele vai pegar bons mercados? Vai. Temos Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Minas Gerais, por exemplo. Mas também vai pegar os piores mercados, como a Amazônia, o interior do Nordeste e o Centro-Oeste. É super em tamanho geográfico, mas também nos problemas de uma área tão diversificada.

DINHEIRO – E o governo? O BNDES é acionista das empresas. Ele não teria uma participação mais ativa?
GUERREIROEsse é o segundo ponto. Pelo acordo de acionistas, isso não aconteceria. O BNDES tem direito a vetar algumas coisas, mas não é ele quem administra a empresa. Na realidade, quem vai decidir se vai ficar na mão do governo é o próprio governo. Acho que criar uma empresa para ficar na mão do governo é um absurdo, não é o momento para se pensar nesse tipo de coisa. Como brasileiro, acredito que temos de fazer a tentativa de criar essa empresa. Agora, faz-se um jogo de palavras para compor o que eles consideram mais conveniente para a manifestação de cada um.

DINHEIRO – O sr. está se referindo às críticas de vários setores?
GUERREIRO Muito foi dito antes que o novo PGO saísse. Até que ele estaria sendo preparado sob medida para essa operação. Eu não acredito, honestamente, que os políticos que conhecem ou têm alguma apreciação pelo setor desconheçam a regra de que o PGO possa e deva ser revisto, como, aliás, era para ter sido feito em 2003. Se não quisessem que fosse uma regra mutável, não teriam colocado isso na Lei Geral de Telecomunicações. Mas tem de ser analisado também que, de uma maneira geral, não há um movimento político sólido e consistente contrário a essa mudança.

DINHEIRO – Há críticas de que a concorrência pode ser afetada. Isso não vai contra todo o modelo que foi pensado na época da privatização?
GUERREIRONão, porque o modelo foi pensado de forma a não manter o monopólio. É diferente dos modelos que prevaleciam naquela época.

DINHEIRO – Mas de qualquer forma há uma concentração de mercado.
GUERREIROCom o mercado pulverizado em 29%, 27%, 20%… Acho difícil. Ainda assim, o que temos de defender é o não retorno ao monopólio, como existe no México e na Espanha. Quem decide concentração de mercado é o próprio mercado. Ele decide como fazer esses movimentos. O que precisamos pensar é se queremos um duopólio, que seria formado pela Telefônica e pela Telmex, ou se nós fazemos uma tentativa de ter uma terceira empresa nesse campo de jogo. Vai prevalecer esse terceiro grupo? Ninguém sabe, não dá para prever o mercado. Hoje estamos cogitando a morte da GM. Quem imaginaria que isso iria acontecer?

DINHEIRO – Se há o temor da criação de um duopólio, por que o modelo de empresas nacionais não ganhou força à época da privatização?
GUERREIROEm 1998, as análises das empresas de consultoria sugeriram que era muito pequena a probabilidade de termos um grupo brasileiro controlando uma empresa de telecomunicação. A expectativa era de que teríamos apenas empresas internacionais nesse negócio. Quando a Telemar ganhou, naquela época, criou-se a expectativa de que “bom, eles ganharam, vão investir, vão fazer tudo o que têm de fazer, mas em cinco anos eles vão vender a empresa porque não são empresários com tradição no setor, são investidores que querem conhecer o negócio”. E passaram-se os cinco anos e os caras continuaram.

 

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DINHEIRO – Como ex-presidente da Anatel, como o sr. vê a relação entre o governo e as agências reguladoras?
GUERREIRO A percepção é de que elas estão fragilizadas. Não há dúvida quanto a isso. A primeira motivação dessa fragilização é o pouco entendimento desse novo modelo de administração do Estado e da concepção administrativa das agências. Logo no primeiro ano do governo Lula, em 2003, a Anatel, de acordo com o contrato que tem com as empresas, autorizou um reajuste nas tarifas. A reação do governo foi do tipo “como é que autorizam sem nos perguntar?” Mas não têm de perguntar. Houve uma discussão boba sobre o tema, como se o governo tivesse de controlar os preços. As agências foram concebidas como órgão de Estado, não de governo. E essa diferença é fundamental. Uma forma de fragilizar o funcionamento das agências foi conter seus orçamentos, o que é até ilegal. Na realidade, as agências têm orçamentos próprios, decorrentes da cobrança de taxas, que não podem ser utilizadas para qualquer outra aplicação.

DINHEIRO – Como o Fistel (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações), que vem sendo aplicado no superávit?
GUERREIRO Exatamente. O Fistel tem mais de R$ 1 bilhão por ano e a Anatel precisa de um orçamento de R$ 300 milhões, R$ 400 milhões. As agências foram fragilizadas, mas tenho a impressão de que, mesmo com a fragilização, elas conseguiram mostrar para os governantes que têm um papel importante a ser cumprido. No caso do setor de telecomunicações, a entrada do embaixador Ronaldo Sardemberg mostra que se percebeu que a agência precisava ser dirigida de modo profissional.

DINHEIRO – Ainda há muitas críticas sobre a indicação de pessoas de fora do setor.
GUERREIRONão comungo dessa idéia de que deva ser uma pessoa formada na área. Ela tem de ter experiência do papel de órgão do Estado, com consciência muito grande do papel de cidadania em um órgão regulador de infra-estrutura, que tenha bom senso, ética. Isso é muito mais importante que o conhecimento técnico. A competência técnica tem de estar no corpo da agência. O caso do embaixador mostrou que uma pessoa de fora da área se revelou mais competente que outros com experiência no setor que passaram por lá. Mas ainda está muito longe do que era no governo anterior. O ex-presidente Fernando Henrique entendia o papel das agências de forma completa. Não criava nenhum tipo de embaraço, fosse orçamentário ou político. Talvez a maior razão de elas não terem sucumbido nesse governo foi a forma forte com que foram criadas no governo anterior.

DINHEIRO – Qual é o futuro do setor de telecomunicações?
GUERREIROÉ evidente que tem toda uma questão internacional que precisa ser avaliada. No Brasil, as empresas perderam mais de 36% de seu valor de mercado na bolsa. Elas tinham, somadas, US$ 55 bilhões no final do ano passado e passaram a US$ 35,5 em novembro. Mas afastando essa questão, é um setor que pode ser um dos mais dinâmicos da economia.