20/02/2002 - 7:00
Dois dos grupos mais poderosos do País marcaram para esta semana o início de uma briga feia. A partir de sexta-feira, as maiores redes de supermercados ameaçam boicotar os cartões de débito ? usados para fazer pagamentos à vista, que são descontados automaticamente da conta bancária do cliente. À primeira vista, o boicote é um desafio às empresas que administram os cartões, Visanet, Redecard, Mastercard e TecBan. Mas a disputa é mais pesada. Na verdade, Pão de Açúcar, Carrefour, Wal-Mart, Sendas e outros supermercados estão chamando para a briga os grandes bancos, como o Bradesco, o Itaú, Unibanco ou o Citibank.
A disputa veio a público no final de janeiro, quando os supermercados espalharam cartazes avisando a clientela que deixariam de aceitar os cartões a partir dos dias 22 e 25 de fevereiro. Segundo os supermercados, as administradoras cobram tarifas abusivas. Mas a queixa vai além do que os supermercados admitem em público. Em reuniões reservadas, os comerciantes apontam o dedo acusador diretamente para os bancos. Além de os bancos serem sócios das administradoras, eles também cobram taxas específicas pelo uso dos cartões de débito e de crédito. Para os supermercados, os bancos ganham duas vezes ? e lucram demais com as operações.
O conflito ficou evidente na sexta-feira 8 de fevereiro, quando dez representantes dos supermercados e das administradoras se reuniram em São Paulo. Representantes das administradoras queriam suspender o boicote, com o argumento de que não tinham como fazer uma proposta em tão pouco tempo, ainda mais sob pressão. O pessoal dos supermercados aceitou negociar, mas desde que se dispensassem os intermediários. Em outras palavras, querem negociar com os bancos um corte nas tarifas dos cartões. As administradoras ficaram de responder nesta semana.
?Não queremos negociar as taxas do cartão de débito de um supermercado ou de outro. Nosso objetivo é passar toda a estrutura de custos com os bancos a limpo?, diz um dos representantes dos supermercados. Eles dizem que as taxas subiram muito nos últimos anos. Há seis anos, dizem, os bancos não cobravam nada pelo uso dos cartões de débito porque tinham interesse em divulgar o produto. De lá para cá, o uso do cartão cresceu rapidamente e atingiu 8,2% do movimento dos supermercados. As administradoras de cartões passaram a cobrar pelo serviço e hoje praticam taxas entre 0,7% e 5%. Some-se a isso mais 1% de taxa bancária, dizem os supermercados.
Um processo parecido teria ocorrido com os cartões de crédito. Esses produtos são usados em 16,8% das vendas dos supermercados, que somam mais de R$ 45 bilhões por ano. As administradoras e bancos embolsariam até 6% das operações com os cartões de crédito. ?A escala cresceu, mas os bancos não dividiram conosco esse aumento. Pelo contrário, aumentaram as taxas?, diz outro representante dos supermercados. O boicote teria sido deflagrado porque as administradoras voltaram a falar em reajustes.
As administradoras apresentam números bem diferentes. ?A taxa de um cartão de débito não chega a 1%?, garante um dirigente de uma das administradoras. A taxa pelo uso de cartão de crédito seria duas ou três vezes maior, no máximo. Segundo as administradoras, as empresas não subiram as tarifas em conjunto, até porque as negociações seriam individuais, caso a caso. As administradoras dizem não se preocupar muito com as ameaças dos supermercados. ?Se o boicote ocorrer, será apenas parcial. Se o cartão de débito for retirado de um dia para o outro, quem mantiver o serviço pode ganhar clientes dos outros.?
A prova de fogo ocorrerá na sexta-feira, quando vence o ultimato dado por redes, como Wal-Mart, Sendas e Sonae, para deixar de operar com os cartões de débito Visanet/VisaElectron, Cheque Eletrônico, Maestro e RedeShop. Na segunda-feira, outras redes, como o Pão de Açúcar e o Carrefour, ameaçam parar de operar os cartões. Até lá, está programada uma reunião entre com as administradoras e pode haver interferência do governo. A Secretaria de Direito Econômico (SDE) mandou carta para a Abras, a associação dos supermercados, questionando se o movimento é formação de cartel. Os supermercados negam. ?Existem quatro administradoras de cartão de débito no Brasil. Quem é que forma cartel??, pergunta outro supermercadista.
As primeiras discussões sobre o boicote nasceram na Abras, mas a instituição se desligou, pelo menos oficialmente, do debate. Em novembro, os supermercados enviaram uma carta para a Abecs, associação das administradoras de cartões, pedindo a abertura de negociações. A Abecs respondeu que o tema deveria ser tratado pelas administradoras. Como não conseguiram avançar, os supermercados decidiram pressionar. Escolheram os cartões de débito para o boicote porque são mais fáceis de serem substituídos. Os clientes podem usar cheque, pagar com dinheiro ou usar cartão de crédito. Mas a briga vai mais longe. ?O objetivo é discutir os custos de todos os cartões,?, diz um empresário.