Cinco anos e meio após o lançamento dos jatos executivos Phenom, a Embraer acaba de entregar a 500a aeronave saída da fábrica de São José dos Campos. A marca é considerada um feito: num mercado disputado turbina a turbina por concorrentes como a canadense Bombardier e a americana Cessna, a empresa brasileira se tornou, em pouquíssimo tempo, referência na fabricação de aviões de pequeno porte. “Entramos nesse mercado com um produto tecnologicamente inovador e com uma proposta de valor que não existia”, diz o CEO Frederico Curado. Explica-se o entusiasmo de Curado em relação ao Phenom. O jato foi lançado em meio à crise global de 2008 e precisou sobreviver a uma das maiores turbulências já enfrentadas pela aviação comercial mundial. Recém-empossado no manche, Curado teve de fazer cortes drásticos de custos e mão de obra, mas conseguiu embicar a Embraer, campeã setorial e vencedora do prêmio Sustentabilidade Financeira de AS MELHORES DA DINHEIRO 2014, no rumo certo.

DINHEIRO – A Embraer conta com funcionários altamente qualificados e alto nível de produtividade. Isso faz da empresa uma exceção no Brasil?
FREDERICO CURADO –
A Embraer não tem proteção no mercado doméstico. Tanto que existem mais Boeing e Airbus nos céus do Brasil do que aviões da Embraer. Não tem tarifa de importação, não tem barreira, não tem nada disso. Então, para a empresa sobreviver e ter capacidade de competir no exterior, ela tem de concorrer em seu próprio mercado. Já nos criamos olhando para o mercado global. Sem competitividade, não há sobrevivência. Não há barreira tarifária, não há nada. É um mercado bastante desregulamentado. Fomos criados nesse modelo de ter de competir no mercado internacional por uma necessidade de sobrevivência. A gente investe bastante no desenvolvimento das pessoas, em tecnologia, em treinamento.

DINHEIRO – O que é mais importante para competir no mercado de aviação?
CURADO –
Investimos em pesquisa e desenvolvimento cerca de 12% da receita da companhia. É uma enormidade de dinheiro para uma empresa industrial. Para uma empresa de software, tudo bem. Mas, para nós, é bastante. Não é um mercado em que se consegue tecnologia por aquisição, tem de desenvolver. O KC-390 (aeronave de transporte militar), por exemplo, tem vários desafios de aeronáutica e ninguém ensina nada para ninguém. Tem de aprender sozinho.

DINHEIRO – É por tentativa e erro?
CURADO –
No fundo é, mas hoje há experiência acumulada em diversos programas e ferramentas de engenharia com os quais se consegue, muito antes de fabricar uma peça, ter uma visão completa do avião. Por isso, não chega a ser tentativa e erro, no sentido de desenhar e redesenhar, pois softwares e modelos matemáticos analisam tudo. Estamos “voando” com o KC há dois anos, no computador. Todas as leis físicas de controle do avião, as cargas aerodinâmicas, tudo isso está modelado matematicamente. Já estou no terceiro ciclo de experiência na Embraer, e o que se tinha há 20 ou 30 anos é incomparável. No passado isso existia, para nós e para as concorrentes. Era um problema, pois era preciso recalcular tudo e aí se perdem meses. Não é questão de segurança, é de custo e prazo. Hoje a capacidade de simulação reduziu muito esses problemas.

DINHEIRO – Ainda estamos num período de conquista de mercado ou de troca de aeronaves?
CURADO –
As duas coisas. No nosso caso, temos um market share conquistado. Estamos conseguindo tanto na aviação comercial como na executiva ganhar um pouco de participação de mercado e ter crescimento orgânico. Estamos crescendo a apenas um dígito por ano, mas é um crescimento fruto de muito esforço. Temos conseguido capturar o espaço dos concorrentes.

DINHEIRO – Por quê?
CURADO –
Produto. Com pê maiúsculo. Não é só a máquina, mas o suporte, o pós-venda, o relacionamento e a lealdade à marca. Temos conseguido reter os clientes pelo segundo, terceiro ciclo. A American Airlines, por exemplo, é uma cliente superantiga, que acabou de fazer um contrato grande conosco. Muito em função da história que tinha com a gente. Na aviação executiva também está começando a acontecer isso. O cliente compra um Phenom 100, pula para o 300 e depois para um Legacy.

DINHEIRO – Existe algum mercado que já esteja saturado?
CURADO –
Saturado não, mas a crise que começou em 2008 ainda está presente. A Europa, que é uma base de aviação executiva importante, continua andando de lado. Lá o mercado não está saturado, mas não tem tido crescimento há alguns anos. Apostar que a Europa não vai se recuperar é uma aposta muito negativa. Claro, essa nova crise na Rússia é um ponto de interrogação. Ninguém consegue ter certeza do que vai acontecer, mas o continente está em recuperação.

DINHEIRO – Qual é a influência do crescimento econômico para a venda de aviões?
CURADO –
A correlação é direta. O PIB é a principal variável do nosso modelo de estimativa de demanda por aeronaves, tanto na parte comercial, das companhias aéreas, como na executiva. Há outras variáveis, como preço de petróleo, descentralização de renda, comércio exterior, lucro das empresas (esta para aviação executiva). Mas o crescimento econômico é o principal.

DINHEIRO – Existe algum cálculo que possa ser feito para mostrar esse potencial?
CURADO –
Vamos fazer a correlação para trás, até o início da crise. Ali era de um para dois, ou seja, se o PIB mundial crescia 3%, o transporte aéreo crescia 6%. Da crise para cá, esse cálculo não está tão linear. Há muita liquidez no mundo, mas todos estão segurando muito seus investimentos.

DINHEIRO – É possível voltar a esse mesmo patamar pré-crise?
CURADO –
Creio que sim. A aviação é intrinsecamente ligada ao crescimento econômico, com as pessoas se deslocando para lazer ou negócio. A correlação não é coincidência. A aviação é um grande fator de desenvolvimento econômico, está muito interligada com bens e pes­soas se movimentando. É preciso, porém, que o mundo se estabilize e que supere a insegurança gerada pela possibilidade de conflitos na Rússia e no Oriente Médio, por exemplo.

DINHEIRO – Em 2008, no período da crise global, o sr. disse que a prioridade um, dois e três da empresa era a gestão de caixa, por questão de sobrevivência. Agora, qual é a prioridade da Embraer?
CURADO –
O caixa é a vida. O que quebra uma empresa é a falta de caixa. Então, o caixa é sempre o parâmetro. Naquele momento havia uma ameaça forte à continuidade da empresa. O mercado estava desaparecendo. Talvez seja um exagero, mas estava tendo uma retração bastante grande. E é preciso adaptar-se rapidamente a uma realidade como aquela. Hoje, somos uma empresa bastante equilibrada, temos um balanço forte, um caixa forte. Os desafios estão na área do crescimento. Os mercados em que atuamos são muito bem ocupados. Não temos oportunidade de nicho ou segmento que esteja desocupado. Então, a disputa por market share é muito intensa. Houve uma enorme consolidação da indústria aeronáutica nos últimos 30 anos. Quem investe de US$ 700 milhões a US$ 800 milhões em programas para o futuro é porque acredita. Quem não acredita economiza. Atualmente, es­­tou focado mais na construção do futuro do que em enfrentar uma ameaça real à sobrevivência.

DINHEIRO – O sr. foi até criticado por ter efetuado mais de quatro mil demissões.
CURADO –
O pior momento foi ter de tomar uma decisão para ajustar o tamanho da empresa, em 2008. O ônus da decisão, que é solitária, só eu que sei o que passei. Mas não pode titubear. Aviação é caixa intensivo e longo ciclo. Se você demora, tudo acontece muito rápido. Olha para a indústria. A Saab era nossa concorrente principal na aviação comercial na década de 1980. Nós tínhamos o Brasília e eles, o Saab 480. Eles saíram da aviação comercial. A British Aerospace, a maior britânica, que era um megaconglomerado na década de 1990, saiu da comercial e se concentrou em defesa. Eram empresas competentes, com base tecnológica, mas a operação comercial começou a levá-las para o buraco e elas desfizeram o negócio. Se não tiver disciplina e capacidade de planejamento, o caixa vai embora.

DINHEIRO – Marca é um fator importante e decisivo no mercado de aviação?
CURADO –
Muito importante, tanto para as empresas como para as pessoas. No caso de empresas, que compram um avião para trabalho, isso é menos intenso, mas a decisão de comprar uma marca referência da indústria, porque é boa, conhecida e tem liquidez para a venda, faz parte desse mercado. Nós estamos há menos de 15 anos na aviação executiva, mas a credibilidade que temos na comercial nos ajudou muito a não sermos percebidos como risco, e conseguimos um market share muito grande. Começamos a construir a marca Phenom, que hoje é referência entre aviões pequenos. O 300 é o melhor na classe, é o desejado. Ele tem marca, o cliente paga mais, é o mais caro do segmento, pelo que oferece em termos de desempenho e alcance. Estamos introduzindo o Legacy 500, que na nossa opinião vai se tornar uma referência e um benchmark nos próximos anos. O mais importante neste momento é construir essa base de marca e ter rede de atuação no mundo inteiro. Temos um trabalho de casa ainda por fazer para pretender enfrentar os mais caros. Tecnicamente não há nenhuma limitação, é muito mais na parte comercial.

DINHEIRO – Qual é a avaliação do sr. sobre o incentivo do Brasil à aviação?
CURADO –
Se pensar bem, o País regrediu. O Brasil há 30 anos tinha 250 aeroportos com uma aviação regular, hoje tem no máximo 150. Então, encolheu a malha de voos regulares, por uma série de fatores. Antes de a Azul entrar, 80% do tráfego no Brasil passava por dez aeroportos. Tinha uma enorme concentração nos troncos principais – São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Salvador. A Azul fez um bom questionamento dessa situação e passou a voar para 115 locais no Brasil. O governo também entende que a aviação regional é importante para as pessoas se deslocarem num país como o nosso, que tem carências de infraestrutura rodoviária e ferroviária e tem uma floresta que ocupa metade do território. A China tem um deserto e nós, a floresta. Por isso, a aviação é um instrumento de desenvolvimento econômico. A iniciativa recente do governo em estimular a aviação regional é muito bem-vinda.

DINHEIRO – Mas ainda falta uma decisão, não?
CURADO –
É verdade. Entendo que a maior parte das medidas foi para o Congresso, mas tem que de ver se elas vão acontecer. Não é um assunto novo. Tomara que desta vez avance. Nos EUA qualquer aeroporto tem avião nosso. Lá são mais de 800 aeroportos porque a aviação regional para eles é parte da cultura americana, é totalmente acessível e um serviço de utilidade pública. Na Europa, tem avião nosso. Começamos a ter um pouco disso na China, mas aqui no Brasil é graças à Azul.