Com meia década de atraso, o Ministério da Saúde descobriu o que o mundo todo já sabia: os medicamentos à base de mercúrio e seus derivados são prejudiciais à saúde. Na terça-feira 17, enfim, o governo proibiu a venda de produtos feitos com o metal, usados para limpar ferimentos. A mesma decisão foi tomada nos EUA e na Europa em 1998. A medida brasileira afetou anti-sépticos em extinção como o mercurocromo, mas atingiu mesmo em cheio um ícone do mercado: o Merthiolate. Presente há 50 anos nas prateleiras, o medicamento do laboratório Eli Lilly ? que tem como princípio ativo o tiomersal (derivado do mercúrio) ? já vendeu 30 milhões de unidades no País. O produto sempre foi o rei dos armários de banheiro mas agora, além das evidências de que pode causar danos à saúde, tem sua eficácia colocada em jogo. ?Um ferimento doméstico pode ser melhor tratado com água e sabão?, declarou o ministro da Saúde, José Serra.

A Eli Lilly terá 60 dias para retirar o Merthiolate do mercado. Em nota oficial, a empresa diz que acatará a decisão, mas que seu medicamento não irá sumir do mapa. ?Estamos distribuindo o anti-séptico com uma nova composição?, diz a nota. A idéia do laboratório é substituir o tiomersal pelo cloreto de benzalcônio na fórmula. O que está em jogo para a Eli Lilly é sua imagem perante o mercado. Um possível boicote ao produto, mesmo com sua composição alterada, não afetaria muito os cofres da companhia: o Merthiolate representa 2% das vendas da empresa (no passado somaram cerca de US$ 175 milhões). O grande problema está no impacto institucional que a medida pode causar. Em outras palavras, a credibilidade do laboratório corre o risco de ficar seriamente comprometida.

O veto da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem como fundamento estudos segundo os quais o mercúrio, em doses altas, pode provocar intoxicação, alterações do sistema nervoso e reações alérgicas na pele. E aí que está o ponto. De acordo com a Eli Lilly, a quantidade de mercúrio usada na formulação do Merthiolate é tão pequena que sua absorção pelo organismo é praticamente nula. Gonzalo Vecina, presidente da Anvisa, rebate: ?O problema é soma das fontes do metal à qual a pessoa está sujeita. A idéia é diminuir ao máximo a incidência do mercúrio.? Quanto à declaração do ministro José Serra, os executivos da Eli Lilly classificaram-na de irresponsável. ?Não há nenhum estudo que comprove a ineficácia do Merthiolate?, diz o diretor-médico André Feher. Médicos ouvidos por DINHEIRO afirmam que os anti-sépticos à base de mercúrio já foram eficientes no passado, mas, no decorrer dos anos, as bactérias desenvolveram resistência a eles. ?Hoje, não cumprem a função de assepsia?, diz o toxicologista Sérgio Graffi, chefe do Centro de Controle de Intoxicação da Prefeitura de São Paulo. Em meio a toda essa discussão, a pergunta que fica é: Se era tão fácil mudar o princípio ativo por que não foi feito antes? Talvez por questões econômicas.