22/04/2020 - 4:09
Na falta de equipamentos de proteção e diagnóstico, muitos médicos russos se tornaram vítimas e, às vezes, vetores da COVID-19, de acordo com testemunhos coletados pela AFP e pelos sindicatos.
Em Mytishchi, uma cidade nas proximidades de Moscou com 250.000 habitantes, a incidência da doença é três vezes maior do que a média nacional (32,1/100.000), com 302 casos reportados nesta quarta-feira, 137 por 100.000 habitantes.
No entanto, falta equipamento de proteção, diz Olga, médica de uma policlínica da cidade.
“Eles nos dão uma máscara descartável por dia, apesar de ter que ser trocada a cada duas horas. Somos obrigados a comprá-las, assim como luvas. E nunca vimos roupas de proteção”, denuncia.
Na esperança de melhorar seu sistema imunológico, esta médica toma chá de limão com gengibre. “É tudo o que posso fazer”, diz frustrada.
Nessas condições, o pessoal da saúde se tornou um vetor do novo coronavírus, afirma, garantindo que a direção de sua clínica sabe da situação, mas não faz nada.
– Falta de pessoal –
“Uma de nossas médicas testou positivo, todos nós estivemos com ela, mas a direção (…) não colocou ninguém em quarentena. Se estivéssemos em quarentena, não haveria ninguém para trabalhar”, explica Olga.
Andrei Konoval, copresidente do sindicato dos médicos “Action”, considera que esta situação é a regra.
“Faltam meios de proteção nos hospitais em praticamente todas as regiões da Rússia”, diz ele, razão pela qual os testes de diagnóstico em equipes médicas são frequentemente evitados por causa do “medo da falta de médicos”.
Ivan Konovalov, chefe da Aliança dos Médicos, sindicato ligado ao opositor Alexei Navalny, disse à AFP que recebeu “dezenas de reclamações de médicos denunciando a recusa de sua gerência em submeter o pessoal da saúde a testes de diagnóstico”.
Em São Petersburgo, a segunda maior cidade da Rússia, com 5 milhões de habitantes, a situação não é melhor.
O médico Piotr disse à AFP que a escassez é tão grave que “a administração do hospital disse que não haverá” nenhum suprimento de equipamentos de proteção.
“Estamos diante do cenário italiano. A comunidade médica espera o pior”, garante o médico, que prefere não fornecer seu sobrenome.
Os médicos do hospital Pokrovskaya de São Petersburgo enviaram uma carta ao governador e ao promotor, denunciando que áreas potencialmente infectadas, chamadas de “vermelhas”, e as limpas, “verdes”, não são identificadas ou separadas nos centros médicos.
Segundo eles, 27 pacientes e cinco membros profissionais da saúde estão infectados.
Um anestesista deste hospital, Sergei Saiapin, conta em um vídeo publicado na Internet em 17 de abril que teve de comprar seu próprio equipamento de proteção.
“A direção do hospital não faz nada para impedir o contágio da equipe (…) Se eu ou alguém de outro serviço ficar doente, a médica-chefe será responsável”, alerta.
Pelo menos 137 trabalhadores de serviços de saúde estão hospitalizados no Hospital Botkin, de São Petersburgo, de acordo com o médico Denis Goussev, citado pela agência pública de notícias TASS.
Em Ecaterimburgo, nos Urais, um hospital possui 91 pacientes com coronavírus, dos quais 16 são médicos, segundo a TASS.
Mais rica e mais bem equipada, Moscou também registra problemas de suprimento. Nesse contexto, o mercado paralelo na Internet para equipamentos de proteção se multiplicou.
– Putin promete –
A medicina russa, como em outras partes do mundo, teve de se organizar de forma urgente para responder à epidemia. Mas a crise atinge um sistema de saúde enfraquecido por décadas de cortes e polêmicas reformas.
O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, reconheceu a escassez “em alguns estabelecimentos”, mas insistiu nesta quarta-feira em que os médicos deveriam “dar essa informação não à mídia”, mas às autoridades.
O país contabilizava 57.999 casos nesta quarta e realizou 2,25 milhões de testes, mas o Ministério da Saúde desconhece o número de profissionais da saúde infectados.
O presidente Vladimir Putin prometeu equipamentos de “proteção efetivos e de qualidade” para todos os profissionais em uma videoconferência na segunda-feira (20).
Segundo ele, em pouco tempo, a Rússia produzirá 3,5 milhões de máscaras cirúrgicas, 280.000 máscaras e 100.000 roupas de proteção diariamente.
O Ministério da Saúde garantiu que já implantou dois terços dos 95.000 leitos planejados para receber pacientes com COVID-19 até o final de abril.