31/10/2016 - 0:00
As soluções para os problemas de qualquer negócio estão do lado de fora das empresas. E poucas perceberam essa mudança, especialmente no Brasil. Julgam ainda que a competência de seus executivos será suficiente para assegurar o sucesso no presente e no futuro.
Criamos nos últimos 30 anos a mentalidade de que o gestor profissional, bem formado nos bancos acadêmicos, tem as ferramentas para motivar equipes, gerar produtividade, azeitar processos e atingir metas.
Com egos inflados e tantas certezas na mente, esse gestor moderno entorpeceu os sentidos, que eram as principais ferramentas dos grandes empreendedores do passado e geravam a capacidade de observar o mundo que os cercava para, então, agir. Dessa forma, mantinham seus negócios conectados com as necessidades da sociedade.
O mundo ficou mais complexo e passou a se comunicar mais rápido. As empresas ficaram mais complexas e passaram a exigir que seus líderes se concentrassem na gestão dos processos e rotinas internas. O resultado foi uma desconexão da atenção para com o mundo exterior.
Tive essa sensação na pequena empresa que empreendi nos últimos 15 anos. Quando você identifica um veio e começa a explorá-lo, concentra-se tanto nessa atividade que, como numa mineração profunda, perde a capacidade de colher os sinais de transformação do mercado. Acredite: você está sob grande risco.
Nessas horas, grandes empresas contratam grandes consultorias com profissionais formados nas mesmas bancas acadêmicas dos seus atuais gestores. Eles, portanto, costumam apresentar soluções que seguem o mesmo modelo mental. Será que este investimento tem gerado os resultados esperados?
Para o atual cenário de perigosa desconexão entre os rumos dos negócios e os interesses da sociedade, só há um caminho: escutar, escutar e escutar. Romper com essa deficiência auditiva corporativa e desenvolver uma capacidade de ouvir abertamente o que esse mundo exterior tem a dizer.
O atual nível de escuta das empresas brasileiras ainda é muito utilitário, ou seja, focado em questões específicas, pautadas pelo interesse da própria organização. São pesquisas de mercado, que buscam melhorias em produtos já existentes, ou ainda os processos de engajamento de stakeholders voltados para conquistar uma espécie de licença social para as suas práticas, ainda muito distantes da cocriação de soluções futuras que satisfaçam às necessidades da sociedade.
Se não, vejamos alguns exemplos: por que a indústria de alimentos e bebidas não discute de forma direta e reta com a sociedade o melhor uso do açúcar e do sódio para a preservar a saúde da população? Ou por que os bancos não promovem um debate aberto sobre os níveis adequados de juros? Ou a indústria automobilística não se engaja firmemente na busca por soluções de mobilidade em nossas grandes cidades?
Os motivos são conhecidos: há muitos ativos comprometidos com os atuais modelos de produção e consumo; a necessidade de cumprir metas de resultados a cada trimestre; pouca disposição para fazer novos investimentos enquanto ainda há como retirar valor dos investimentos realizados no passado; o medo de expor um negócio consolidado no presente, mas de futuro questionável, a soluções ainda desconhecidas etc.
Muitas empresas têm desenvolvido importantes processos de escuta das demandas da sociedade, especialmente na Europa e nos Estados Unidos. Infelizmente, no caso das multinacionais, concentram sua atenção nos mercados mais maduros, no entorno das sedes, e as operações mais distantes, como o Brasil, permanecem atuando dentro do velho paradigma.
As empresas nacionais, por sua vez, ainda apoiam-se basicamente na conversa com as esferas de poder, seja por via direta ou por meio de organizações setoriais, limitando-se a uma postura reativa às provocações da sociedade civil. Mesmo que consideremos muitas das justificativas corporativas razoáveis, isolar-se em um cone do silêncio só agrava o risco de surpresas para os negócios em futuro nada distante.