O massacre do Carandiru completa hoje 30 anos sem que os 74 policiais militares denunciados pelo assassinato de 111 presos após uma rebelião no pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, na zona norte da capital, tenham começado a cumprir sentenças. Eles foram condenados a penas que chegam a 624 anos de prisão, mas o desfecho do processo tem sido atrasado por sucessivos recursos.

A condenação pelo Tribunal do Júri em 2013 e 2014 não significou a prisão dos PMs. Eles receberam autorização para aguardar a conclusão do processo em liberdade. Depois, o caso tem sido marcado por reviravoltas judiciais. O Tribunal de Justiça de São Paulo chegou a anular as condenações, o que acabou revertido em instâncias superiores. A discussão agora é sobre a dosimetria das penas, que a defesa considera excessivas. As sentenças só devem começar a ser cumpridas quando o caso transitar em julgado (quando não há mais margem para recurso).

“A condenação não se discute mais: eles estão condenados pelo júri”, afirma o promotor de Justiça Márcio Friggi, que assumiu o caso em 2013. “Agora o caso volta para o Tribunal de São Paulo, que vai apreciar os pedidos relacionados à pena. Infelizmente, isso vai gerar uma nova decisão e deste acórdão podem ser interpostos novos recursos, tanto especial para o STJ quanto extraordinário para o Supremo. Para transitar em julgado mesmo, vai levar um tempo.”

Há ainda a chance de o caso prescrever, o que significa que o Estado perde o direito de punir os responsáveis pelo massacre. A condenação reinicia a contagem da prescrição, mas o risco é maior para réus com mais de 70 anos. Isso porque o prazo prescricional, que para os crimes de homicídio é de 20 anos, cai pela metade.

LABIRINTO

Na avaliação do sociólogo e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP Gustavo Higa, o massacre do Carandiru “é um labirinto jurídico”. “Nunca foi esclarecido publicamente quem deu a ordem para a invasão que resultou no massacre”, afirma. Ele reforça que os avanços também foram lentos em relação às indenizações.

Em paralelo, a Câmara dos Deputados recebeu um projeto de lei para anistiar os policiais envolvidos no massacre. O texto de autoria do deputado bolsonarista Capitão Augusto (PL-SP), líder da bancada da bala, foi aprovado no mês passado pela Comissão de Segurança Pública e deve passar agora pela Comissão de Constituição e Justiça, última etapa antes do plenário.

O projeto diz que “não é justo” condenar policiais que “tiveram a dura missão de arriscar as próprias vidas em defesa da sociedade ao agirem com os meios necessários para a contenção de uma violenta rebelião”. O Estadão buscou contato com a advogada dos policiais que respondem ao processo, Ieda Ribeiro de Souza, sem retorno. Ela informou ao Supremo Tribunal Federal (STF) no mês passado que estava deixando o caso por “motivos de foro íntimo”. O ministro Luís Roberto Barroso, relator, mandou a advogada comprovar que os PMs foram comunicados da renúncia. A reportagem não localizou a nova defesa. Ao Tribunal do Júri, os agentes sustentaram inocência.

DESESPERO

“É aquele desespero que é difícil de esquecer, muito difícil de esquecer”, diz o educador cultural Claudio Cruz, de 65 anos, sobre o massacre. Conhecido como Kric, ele chegou à Casa de Detenção no fim dos anos 1970 e cumpriu pena de 28 anos por roubo e homicídio. “Muito tiro e grito, tiro e grito…”, relembra.

“A gente ficou naquela: ‘Iisso é barulho mesmo ou é morte?’ Até que alguém subiu na janela para dizer que estavam matando pessoas. Aí o desespero foi total”, relembra ele. “São 30 anos falando disso, mas a gente não deve, de forma nenhuma, deixar de falar”, acrescentou.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.