28/02/2007 - 7:00
DINHEIRO ? Como a indústria brasileira exportadora de software recebeu o anúncio do PAC, que não traz os benefícios esperados pelo setor, como a desoneração tributária?
ANTÔNIO CARLOS REGO GIL ? Primeiro eu acho que a simples existência do PAC irá trazer opiniões distintas. Eu pessoalmente acredito que a existência de um programa já faz todos os setores olharem para a mesma direção. No que diz respeito à indústria de software e serviços, o setor não foi contemplado ainda pelo programa, o que não implica que não será. Temos tido um bom relacionamento com os ministros Furlan (Luiz Furlan, do Desenvolvimento) e Sérgio Resende (da Ciência e Tecnologia). Há dois anos a Brasscom tem trabalhado próxima ao governo e tenho confiança de que o assunto poderá ser tratado de maneira independente.
“A Índia colocou a indústria de TI como prioridade nacional”
DINHEIRO ? A MP do Bem fixou a desoneração tributária para as empresas que exportassem 80% de sua produção. A maior parte das empresas de tecnologia do País não aderiu à medida. O que houve? A meta é difícil de ser alcançada?
REGO GIL ? Eu espero que não seja difícil de ser alcançada. Mas, hoje, ela não corresponde à realidade. O Brasil ainda exporta muito pouco. A MP foi bem-intencionada, mas não funciona. Ao menos para quem for criar outra empresa somente para exportação. Isso tem implicações tributárias. Acabou que ninguém aderiu.
DINHEIRO ? Qual o perfil da indústria mundial de software?
REGO GIL ? O mercado mundial de serviços de tecnologia atingiu no ano passado US$ 1,2 trilhão. Desse total, US$ 700 bilhões foram de serviços terceirizados. É muita coisa. Todas as empresas estão preocupadas em como reduzir o seu custo com TI. Com a internet e a facilidade das comunicações globais, alguém percebeu que nos Estados Unidos se pagavam 70 dólares pela hora do programador e na Índia se pagavam 40 dólares. E tanto faz se o serviço vem do outro lado da rua ou de Bangladesh. Se tiver qualidade, eu posso fazer o mesmo serviço por um terço do preço.
DINHEIRO ? Como o Brasil entra nessa história?
REGO GIL ? US$ 40 bilhões dos serviços terceirizados no mundo foram mandados para fora do país de origem, sendo que US$ 30 bilhões somente para a Índia. Aí vem a questão que nos interessa: as empresas precisam concentrar todo o serviço na Índia? A resposta é não. Elas precisam diversificar. Primeiro, por um problema de segurança. É prudente que você não ponha todos os seus ovos na mesma cesta. Segundo, porque os preços da Índia, há 15 anos atuando forte no setor, estão começando a aumentar. Os profissionais de lá estão muito requisitados. O mundo precisa de alternativas para o outsourcing. As três são China, Rússia e Brasil. Entre e essas opções, o Brasil desponta. As culturas são parecidas. Temos aqui pessoas que vieram da Itália, da Alemanha e de outros lugares, o que facilita o relacionamento. Temos um sistema judiciário que, por mais que nós reclamemos, existe e segue o modelo ocidental.
“Campos quer fazer de Pernambuco um pólo de exportação”
DINHEIRO ? Isso é suficiente para bater Índia e Rússia?
REGO GIL ? A principal questão é que nós estamos falando de um serviço que o Brasil faz muito bem, há 45 anos. Exemplo: o sistema bancário daqui. Por conta das épocas de hiperinflação, os bancos brasileiros desenvolveram sistemas de TI que ainda são os mais avançados e modernos do mundo. Não existe no mundo um país como o Brasil, que faz 22 milhões de formulários de imposto de renda online. Também não existe um lugar onde 120 milhões votam nas eleições para dez mil candidatos em cinco mil localidades e os resultados são conhecidos no mesmo dia. Falta exportar, o que nunca foi nossa preocupação.
DINHEIRO ? Se o Brasil não exportar serviços de tecnologia, não terá produção em escala e pode ter de vir a importá-los. Quais os impactos disso para o País?
REGO GIL ? Perda de mão-de-obra. Alguém no mundo virá para cá fazer o serviço que você não conseguiu fazer. Os postos de trabalho que poderiam ser criados aqui dentro, potencialmente, poderão ir para os países estrangeiros.
DINHEIRO ? Qual o caminho e as metas da indústria nacional?
REGO GIL ? Até 2010, esperamos exportar na ordem de US$ 5 bilhões anualmente em serviços de tecnologia. O mundo deverá atingir US$ 100 bilhões. Para fazer isso, criaremos 100 mil postos de trabalho, que de outra maneira, caso não exportemos, não serão criados.
DINHEIRO ? O sr. defende a criação da ?Marca Brasil de TI?. O que é isso?
REGO GIL ? Trata-se do desenvolvimento de ações de marketing para que o Brasil conste no mapa de outsourcing global, de definições do marco regulatório com mudanças para garantir mais segurança aos investidores estrangeiros e da educação, que visa investimentos em formação de profissionais de TI, que devem ter domínio principalmente da língua inglesa. Precisamos estabelecer uma ?Marca Brasil? com reconhecimento de qualidade, confiabilidade e competitividade.
DINHEIRO ? O que a Índia já fez nesse sentido, mas o Brasil ainda não?
REGO GIL ? A Índia é uma sociedade voltada para isso, há anos. Você não encontra uma corporação americana de grande porte que não tenha um indiano. Mais do que isso, o país colocou a indústria de TI como prioridade nacional. Eu ouvi do presidente da Índia (Abdul Kalam): ?O século 21 é o século da informação. É o século da Índia.? Lá, eles criaram uma série de condições fiscais para facilitar os investimentos, para que as empresas consigam competir agressivamente no mercado mundial. Em termos de profissionais, nossos custos são semelhantes. A diferença é que o pagamento final sai mais caro no Brasil por causa dos encargos.
DINHEIRO ? Falta também vontade do governo federal em ajudar na questão?
REGO GIL ? É difícil dizer isso, até porque o governo brasileiro não fica restrito somente ao presidente. O que percebo, nas conversas que tive com alguns ministros, é boa vontade com o assunto. Fizemos um estudo para detectar as necessidades para a indústria e metade da pesquisa foi paga pelo governo brasileiro. A parceria realizou projetos de capacitação profissional em 130 locais do Brasil, tanto de certificação de inglês quanto de treinamento profissional de programação. Mas claro que precisa acontecer muito mais. O que precisamos entender é que a indústria ainda não existe. E sem abrir mão de tributos não será criada.
DINHEIRO ? Os governadores estão envolvidos?
REGO GIL ? Sim. No mês passado, o governador de Pernambuco e ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, veio a São Paulo para um evento realizado pela Brasscom e trouxe todo o governo. Lá, fizemos reuniões com empresários e foi mostrado que Pernambuco tem todas as condições para ser um pólo de exportação. Os governadores de Santa Catarina e de Minas Gerais também têm interesse na questão. Não conversei pessoalmente com o governador José Serra, mas sei que ele está aberto para a discussão.
DINHEIRO ? No que a indústria de software pode ajudar para o crescimento agressivo do Brasil?
REGO GIL ? Para produzir 100 sacos de soja, levam-se seis meses e é necessário um alqueire de terra. Além disso, preciso de máquinas, tratores, sementes, adubos, inseticidas e, principalmente, um cara chamado São Pedro, para fazer chover na hora certa. Somente depois de seis meses eu vou fazer a colheita dos sacos. Posteriormente, vou necessitar de um caminhão para transporte até os portos, mais um navio que vai levar 15 dias para chegar até o seu destino. A indústria de software é diferente de tudo. Em Nova York, vende-se a hora de um programador a US$ 100. Sabe como se faz isso? Direto do computador. Não precisa de caminhão, navio nem nada. Portanto, está aberta uma oportunidade para o Brasil ser um player importante.
DINHEIRO ? Como os Estados Unidos olham para o Brasil, quando o assunto é tecnologia?
REGO GIL ? O presidente da Câmara Americana de Comércio (Alexandre Silva) me disse que duas coisas importam para os Estados Unidos no Brasil: o etanol e a exportação de software.
DINHEIRO ? As fusões de empresas representam um caminho para a indústria exportadora de software do Brasil? É uma tendência mundial?
REGO GIL ? Acho que 2007 será o primeiro e importante ano da indústria de exportação de software. Além disso, o Brasil está demonstrando grande atratividade no mercado de capitais, com uma série de empresas abrindo seu capital e também o interesse de investidores estrangeiros. Assim, naturalmente, haverá consolidações no mercado. Creio que em um ou dois anos haverá uma redução do número de empresas e a consolidação de empresas maiores. É uma tendência.
DINHEIRO ? Uma frase sua diz: ?Seremos a Embraer da tecnologia.? Explique o significado dessa frase.
REGO GIL ? Você conhece algum compromisso mais sério do que um homem entrar em um avião? Hoje no mundo inteiro temos inúmeras pessoas tendo essa confiança baseada em serviços de uma empresa brasileira, de altíssimo padrão de qualidade. Isso é o supra-sumo da tecnologia, do espírito empreendedor e empresarial. Gostaria de ver a mesma coisa acontecendo com a indústria de exportação de software. O mundo precisa conhecer nossa potencialidade em tecnologia
DINHEIRO ? Como está a mão-de-obra no mercado da tecnologia?
REGO GIL ? Temos um problema de quantidade. Precisamos de 100 mil profissionais para exportar US$ 5 bilhões anualmente até 2010. Hoje não há jovens se interessando por esse tipo de trabalho. Temos que inserir essa discussão na mesa de jantar dos brasileiros. Temos também que atender à parte de manutenção, que é o grosso do mercado de outsourcing. As escolas técnicas ensinam Java, que é importantíssimo, mas não o sistema Cobol, inventado há 40 anos, que é o que o empresário americano quer que você faça. O Cobol ainda predomina no mercado e precisa de homens com os ?cabelos pintados? como o meu aparecer para corresponder a essa necessidade. Precisamos também formar mestres e doutores para exportar esses cérebros.