10/10/2014 - 20:00
Formada no renomado Massachusetts Institute of Technology (MIT), com experiência profissional em companhias do porte do Google e da Microsoft, Bel Pesce é empreendedora digital e autora de três best-sellers de negócios – um deles baixado mais de dois milhões de vezes. O currículo invejável é de veterana, mas o sorriso e o jeito de moleca da paulista Bel Pesce escancaram seus 26 anos de idade. A atual missão da “Menina do Vale”, título de seu primeiro livro que acabou virando apelido, é educar. Após sete anos nos Estados Unidos, quatro deles no Vale do Silício, voltou ao Brasil em 2013 para formar talentos e ajudar a construir sonhos na escola de empreendedorismo FazInova, criada por ela em São Paulo. Bel vê o momento das empresas de tecnologia do Brasil com um otimismo crítico. Reconhece a criatividade dos brasileiros, mas afirma que o País só conseguirá criar um ecossistema de startups com reformas estruturais e mudanças no modo de pensar. “Não se pode demonizar quem erra”, afirma.
DINHEIRO – A escola no Brasil se ocupa tempo demais com temas inúteis?
BEL PESCE – O buraco é mais embaixo. As escolas fazem isso para serem reconhecidas e para se adequar ao currículo. Há conhecimento que é meio para fazer algo e outros que são um fim em si mesmo. Coisas mais úteis e menos úteis. Não desvalorizo o conhecimento em si. Só acho que a forma como é ensinado desestimula o primeiro passo. Parece que tudo é pré-requisito para fazer qualquer coisa. A pessoa vai querer fazer mais com a prática, avançando.
DINHEIRO – O que deveria mudar?
BEL – O jovem que hoje tem 17 anos, que deve decidir seu futuro, terá em média cinco carreiras na vida. Três dessas cinco ainda não foram inventadas. É o que aconteceu com analistas de redes sociais ou programadores de aplicativos, funções que há 15 anos não existiam.
DINHEIRO – Como uma escola pode formar os estudantes para isso?
BEL – Quem vai sair na frente é quem aprende a desenhar o próprio caminho, quem aprende a aprender e quem sabe correr atrás das oportunidades. Há gente que nunca cursou uma faculdade e fez coisas incríveis. Não faço ideia de onde as pessoas que trabalham na FazInova se formaram. Não sei o que estudaram. Não faz diferença.
DINHEIRO – Qual é o critério que você usa quando contrata um funcionário?
BEL – Quero saber qual é o sonho, qual foi o dia mais feliz de sua vida, o dia mais triste e também qual é o maior desafio que espera enfrentar.
DINHEIRO – Qual foi o dia mais triste de sua vida?
BEL – Eu ainda não perdi pessoas próximas e imagino que seria essa a resposta [pausa]. O mundo antes parecia ser cor-de-rosa, nunca tive uma grande perda e as pessoas pareciam ser todas boas. Até que tomei uns tapas na cara. A pessoa fala uma coisa hoje, se empolga e na hora do vamos ver, não faz. Nos últimos dois anos, tenho sofrido com isso. Reparei que é bom proteger a si e a seus sonhos.
DINHEIRO – Por que o Brasil não tem uma startup que valha US$ 1 bilhão?
BEL – Para explicar isso é bom analisar Israel, onde as empresas nascem internacionais, até por uma questão de sobrevivência, pois o mercado interno é pequeno demais. Há um livro muito legal que explica isso, chamado Startup Nation, de Saul Singer. O Brasil é grande. Almejar conquistá-lo parece muita coisa. Poucas startups pensam em exportar ou até mesmo fazer uma versão em inglês do próprio site. E tem também o fato de que já é difícil crescer no próprio bairro ou na cidade.
DINHEIRO – Qual é o maior defeito e a maior virtude do empreendedor brasileiro?
BEL – A maior virtude é a criatividade e a vontade de achar uma solução. A gente cresceu num ambiente difícil, mas sempre acha maneiras de solucionar os problemas. O pior defeito é a visão de curto prazo. Muitas pessoas não pensam no dia de amanhã. Elas se atropelam para tentar agarrar tudo o que podem e querem agora. Assim, as parcerias acabam e algumas empresas explodem. A visão de curto prazo é ruim para tudo. Essa característica parece ser uma coisa própria dessa nova geração também. Lá fora, tem todo um lance de empreendedor serial, que cria uma startup, vende e faz dinheiro num piscar de olhos. Meu sonho é criar uma empresa com um propósito. Eu acho a história do Alibaba incrível. O Jack Ma, seu fundador, conseguiu criar uma empresa que vale US$ 230 bilhões. Ele poderia tê-la vendido antes. A mesma coisa poderia ter acontecido com o Google e com o Facebook. É questão de bater o pé, bater no peito e dizer “esse é o meu sonho, dane-se o curto prazo”. Isso vale para qualquer tipo de empresa. Olhe o caso da Ambev, criou a maior cervejaria da América Latina. Todo investimento aprovado pelo conselho é pensado com retorno de dois ou três anos.
DINHEIRO – Você fala muito em sonhos. Qual é o seu?
BEL – É criar uma plataforma que ajude os outros a realizar seus sonhos. Eu não gosto de fórmula, de mandar fazer isso ou aquilo. Estamos agora mapeando ferramentas para fazer as pessoas se conhecerem. Imagina uma rede social que mostre a jornada das pessoas, entendendo os passos em frente e seus tropeços. Uma galera acha que para ser feliz tem de chegar à meta. Desencana, não existe isso. Se não curtir a jornada, não dá certo.
DINHEIRO – Quando teremos um Vale do Silício brasileiro?
BEL – Ninguém vai conseguir copiar exatamente o Vale. De Dublin a Berlim, de outros lugares dos EUA ao Brasil, todos falharão. O que você deve fazer é criar um novo modelo que caiba na nossa cultura. É preciso se esforçar para criar um bom ambiente para as empresas. Os grandes diferenciais do Vale, que deveriam inspirar nosso próprio ecossistema de startups, são dois. O primeiro deles é estrutural. Sem reformas estruturais, dificilmente teremos um Vale do Silício. As leis trabalhistas que temos hoje, por exemplo, não fazem o menor sentido. Já era o tempo de ter de ir ao escritório. Já era o tempo de proibir o cara de fazer hora extra. Se o colaborador quiser se matar trabalhando, deixa. Cada um é dono do seu próprio nariz, o governo tem de abandonar essa postura paternalista. Sem contar a questão tributária, que pelo amor de Deus! Agora, o outro aspecto que deveríamos mudar é nosso modo de pensar. Não se pode demonizar quem erra. No Vale, o erro é visto como parte do aprendizado. A pessoa que dá a cara a tapa é valorizada. Isso aqui no Brasil é um horror. Quem faliu uma empresa é louco e incompetente. Inovação, por definição, é algo cuja resposta ninguém sabe. É arriscada por definição. Não que no Vale as pessoas que erram sejam adoradas. O que importa é seguir adiante.
DINHEIRO – O Vale do Silício é supervalorizado?
BEL – Ele também tem os seus defeitos, não é perfeito. A galera criou a ilusão de que você desce do aeroporto com uma ideia e já tacam dinheiro na sua cara (risos). Lá é o lugar mais difícil de algo dar certo, no mundo. A competição é absurda. No Vale, tem gente que perde a noção. Consegue o investimento e pira. Fica difícil de dar um passo depois do outro por lá. Não que a competição seja ruim, ao contrário. Outra peculiaridade é ter competição e colaboração ao mesmo tempo. Uns ajudam os outros. Sabem que o competidor de hoje pode ser o aliado de amanhã. O negócio é trabalhar.
DINHEIRO – Qual é a importância do trabalho no imaginário brasileiro?
BEL – O Brasil tem um lance de achar que esperto é o cara que não faz nada e ganha dinheiro ou quem não estuda. É absurdo. O legal deveria ser quem se mata de trabalhar e cresce por mérito próprio. Não é o safado que acha um atalho. Outra coisa bizarra é que não pode ganhar dinheiro. Os ricos escondem quanto ganham, não por medo de sequestro, mas porque ganhar dinheiro é visto como um pecado aqui. Lá nos EUA, a galera conta tranquilamente como chegou de a até b. É normal uma pessoa abrir sua casa, mostrar o que tem, mas não para se exibir. É para deixar claro que é possível. As pessoas têm orgulho em saber que o Google tem um faturamento bilionário. Tem orgulho do Elon Musk (CEO da Tesla e ex-PayPal). Aqui não. Aqui você faz de uma maneira que não dê na vista.
DINHEIRO – Há uma torcida pelo fracasso dos outros?
BEL – Parece que sim. Querem ter o gosto de falar “viu, eu sabia que não ia dar certo”. A galera não tem todo o contexto. As pessoas acham que eu só dou palestra e autógrafo. Porque é o que aparece. Eu não tiro foto dos e-mails gigantes que escrevo. Não tem vídeo de dez horas mostrando meu dia no escritório. E outra coisa é o foco só no resultado. Se o Eike Batista descobrisse uma nova jazida, iam amá-lo. Não acho isso errado, o resultado move o mundo, mas o contexto sempre é muito maior. A gente é um reflexo do que quer para os outros. Existe uma frase do Jorge Ben da qual eu gosto muito, na música Caramba: “Se malandro soubesse como é bom ser honesto, seria honesto só por malandragem.”