28/03/2014 - 21:00
No início dos anos 1980, a ambição dos ditadores militares cujo regime caminhava para completar a segunda década era uma só. Eles queriam manter o ritmo da economia do período do Milagre, quando o Produto Interno Bruto cresceu a taxas de dois dígitos em um regime próximo do pleno emprego e com a inflação relativamente controlada. Não deu certo. O segundo choque do petróleo, em 1979, elevara os preços da commodity e arrebentou as contas externas brasileiras. Sem dólares, o Brasil teve de pedir ajuda a um então temido Fundo Monetário Internacional (FMI). Em troca de recursos, o governo concordou em cumprir as metas de austeridade que eram duramente cobradas pelo Fundo.
Periodicamente, seus técnicos desembarcavam em Brasília para esquadrinhar as contas públicas. Nessa época, entre 1983 e 1985, a face do Fundo era a economista chilena Ana Maria Jul. Sempre sisuda, com uma indefectível mala preta – comparada pelo jornalista Elio Gaspari à mala de um vendedor de remédios – e desconsolados blazers com ombreiras, Ana Maria era frequentemente hostilizada por manifestantes que carregavam cartazes em que se lia “Fora FMI”. Responsável pela fiscalização dos números e pela cobrança das impopulares medidas de austeridade, Ana Maria era lacônica no trato com jornalistas. A qualquer pergunta, ela respondia com um “prefiero no comentar”.
Pouquíssimas informações, se é que houve alguma, foram passadas por Ana Maria à sociedade brasileira. Passadas três décadas, um dos equivalentes modernos do FMI na avaliação da solvência brasileira, a agência americana de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P), rebaixou, na segunda-feira 24, a nota soberana brasileira. No dia seguinte, foi a vez de empresas e bancos terem seus “ratings” rebaixados. O impacto no mercado foi fraco, e o principal motivo foi o fato de a decisão não ter sido, propriamente, uma surpresa. Desde junho passado, a agência havia divulgado, formalmente, uma piora da perspectiva – conhecida tecnicamente como “outlook” – para a nota brasileira, o que indicava que a probabilidade de rebaixamento era estatisticamente maior do que a de elevação ou de manutenção.
Em uma entrevista à DINHEIRO na terça-feira 25, a economista americana Lisa Schineller, diretora da agência S&P e executiva responsável pela classificação de risco brasileira, defendeu a decisão. Ela informou que a redução do rating, que não retirou do País o almejado grau de investimento, deveu-se à deterioração das contas públicas e às perspectivas de um crescimento econômico fraco. Em um ano eleitoral, avaliou a agência, o governo terá menos espaço de manobra para fazer alterações na política de modo a melhorar o desempenho das contas. Pode-se concordar ou discordar da decisão da S&P.
Quem concordar vai chamar a atenção para os números complicados das contas públicas de 2013 e para a crescente fatura da energia em 2014. Quem discordar vai frisar que o desempenho da economia superou as expectativas nos dois primeiros meses do ano e que a arrecadação fiscal de fevereiro bateu um recorde. No entanto, certo ou errado, louvável ou condenável, o processo da S&P foi muito mais transparente do que as decisões do FMI 30 anos atrás. E transparência, sempre é bom lembrar, é um dos componentes essenciais da democracia.