Em votação no Senado e em um ato político que reuniu 17 frentes parlamentares, o Congresso explicitou nesta quarta, 26, a reação a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) no encerramento da presidência da ministra Rosa Weber – que será substituída nesta quinta, 28, no comando da Corte pelo ministro Luís Roberto Barroso. Os congressistas reiteraram a acusação de que o STF constantemente age para usurpar competências do Legislativo em pautas como o marco temporal e julgamentos sobre drogas e aborto.

Em um processo bastante célere para os padrões do Legislativo, os senadores aprovaram na CCJ e depois no plenário um projeto de lei que estabelece a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. A votação foi uma resposta ao Supremo, que, na semana passada, havia rejeitado o marco temporal, permitindo a criação de reservas em áreas ocupadas por indígenas, independentemente da data de ocupação.

A votação na Corte foi concluída também ontem.

O texto-base do projeto foi aprovado pelos senadores com 43 votos a favor e 21 contra. O governo Lula orientou o voto contrário ao projeto, mas partidos que têm cargo na administração federal (como o PSD, União Brasil, MDB, PP e Republicanos) deram aval para o texto, impondo uma derrota à esquerda. A proposta havia sido aprovada em maio na Câmara dos Deputados.

O princípio do marco temporal estabelece que só podem ser demarcadas reservas em áreas ocupadas por indígenas até a promulgação da Constituição em 1988.

Além da tese do marco temporal, o relatório aprovado pelos senadores também prevê uma flexibilização da política de não contato dos povos indígenas isolados, permitindo que entidades privadas tenham proximidade com esses povos para viabilizar ações consideradas de utilidade pública.

Outro ponto considerado polêmico é a autorização para garimpos e plantações de transgênicos em terras indígenas e a celebração de contratos entre indígenas e não indígenas para explorar atividades econômicas nos territórios tradicionais.

A aprovação no Congresso de um tema que foi já considerado inconstitucional pelo STF pode levar a Corte a se posicionar novamente. O texto segue agora para a sanção ou veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Caso ele vete, o projeto volta para o Legislativo, que pode derrubar ou não o veto.

Segundo juristas ouvidos pelo Estadão, o Supremo pode fazer um controle prévio de constitucionalidade se entender que há risco de violação de cláusulas pétreas da Carta ou, em caso de promulgação da lei, aguardar a provocação de alguma entidade ou partido para se posicionar novamente.

‘Autonomia’

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que a aprovação do projeto de lei não representa uma adversidade ao Supremo. “De nossa parte não há nenhum tipo de sentimento revanchista à Suprema Corte. Sempre defendi a autonomia dos Poderes”, disse. “É simplesmente o fato de que não podemos nos omitir daquilo que é o nosso dever, que é legislar.”

Mais cedo, representantes de 17 bancadas temáticas na Câmara se juntaram para anunciar obstrução a votações no Congresso como protesto às decisões do Supremo. As frentes reúnem quase 400 deputados. “O Supremo age contra a Constituição”, disse o presidente da Frente Parlamentar do Comércio e Serviço, Domingos Sávio (PL-MG). “Estaremos unidos contra a ditadura que o STF tenta nos impor”, completou.

O deputado Pedro Lupion (PP), que preside a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), acusou a Corte de invadir as prerrogativas do Congresso ao analisar ações que tratam da chamada pauta de costumes. O parlamentar listou, por exemplo, os processos sob análise dos magistrados que tratam da descriminalização do aborto e das drogas. Somente a FPA reúne 374 parlamentares, entre deputados e senadores.

“Essas pautas são caras à sociedade brasileira e unem a todos nós”, afirmou Lupion. “Todos nós estamos aqui dando um basta nesse desmonte do Poder Legislativo”, prosseguiu. “É a hora de nós começarmos a enviar um recado para as pessoas que reverbere na praça dos Três Poderes o mais alto possível: nós não aceitamos interferência no Poder Legislativo.”

“É uma mensagem a todos que se sentem desmoralizados por 11 ministros sem votos. Não vamos aceitar”, disse o presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, Alberto Fraga (PL-DF). “Ou conversa e para com esses absurdos, ou essa Casa está parada. Ela será paralisada com essas ações.”

As frentes parlamentares agora discutem uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para limitar os poderes dos magistrados do STF, com medidas como, por exemplo, limitar as decisões monocráticas.

A data escolhida para o ato coincidiu com o último dia da presidência de Rosa Weber no Supremo. Foi a magistrada quem pautou os temas polêmicos que despertaram a ira dos congressistas.

Mas o estopim para a crise aberta entre os dois Poderes foi a decisão tomada pelo STF sobre o marco temporal das terras indígenas. O Congresso se articulou para votar o tema ao mesmo tempo em que os ministros analisavam o processo na expectativa de frear o Supremo e regulamentar a questão via projeto de lei. Os magistrados, no entanto, concluíram a votação antes de o texto terminar de ser apreciado pelo Senado, o que gerou a revolta dos parlamentares. (COLABOROU RAYSSA MOTTA)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.