30/12/2019 - 7:38
O senador Angelo Coronel (PSD-BA) ajudou a intermediar um acordo entre produtores rurais do oeste baiano que serviu de ponto de partida para a Operação Faroeste, investigação de suposto esquema de venda de sentenças para permitir a grilagem na região. A Procuradoria-Geral da República denunciou 15 pessoas no caso, entre elas quatro desembargadores e três juízes do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) pelos crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Então presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, Coronel promoveu, em abril de 2017, reuniões entre as partes envolvidas no conflito – cerca de 400 produtores que alegavam trabalhar na região havia mais de 30 anos e o borracheiro José Valter Dias, um dos denunciados pela Procuradoria, que reivindicava a posse de uma fazenda de mais de 366 mil hectares.
Em 27 de abril daquele ano, no município de Formosa do Rio Preto, Coronel participou do ato de assinatura de um documento judicial que estipulava que os agricultores deveriam pagar 23 sacas de soja por hectare durante seis anos a Dias para ter o direito de permanecer no terreno. Se não pagassem, os agricultores teriam de deixar a área. Advogado de uma das famílias de trabalhadores, Aurélio Miguel Dorea classificou o acordo como “extorsão”.
Em valores atuais, uma saca de soja vale R$ 83, o que renderia ao borracheiro R$ 687 milhões por ano, segundo cálculo da Procuradoria. A assinatura do documento teria favorecido Dias, segundo despacho do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Og Fernandes, que deu início à operação, e a acusação formal da PGR. O acordo foi homologado pelo Centro Judiciário de Solução Consensual de Conflitos Possessórios da Região Oeste, então coordenado pelo juiz Marcio Braga, também alvo da Faroeste e afastado de suas funções.
A instância judicial foi criada dez dias antes da assinatura do acordo pela então presidente do TJ-BA, desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago, presa e denunciada na Faroeste. Segundo o Diário Oficial da época, as justificativas para criação do centro judiciário foram ofícios enviados à Corte pelo gabinete do governador Rui Costa (PT) e pelo Legislativo estadual, então comandado por Coronel, solicitando medidas para reduzir litígios envolvendo a emissão de títulos de propriedade no oeste baiano.
Ao autorizar a Operação Faroeste – deflagrada em 19 de novembro deste ano -, o ministro do Og Fernandes falou em “aceleração extraordinária” entre a criação do centro jurídico e o acordo fundiário.
‘Vidente’
Angelo Coronel, que hoje preside a CPI das Fake News no Senado, afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que havia “zero chance” de que ele ou o governo tivesse conhecimento de qualquer suspeita de venda de sentenças e de que o acordo prejudicaria uma das partes. “Só se eu fosse vidente para saber que havia negociação de sentença no acordo, uma vez que todos saíram de lá alegres e sorridentes”, disse o senador.
Coronel afirmou ainda que decidiu intermediar o acordo após ser procurado por representantes da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba) e da Associação dos Produtores Rurais da Chapada das Mangabeiras (Aprochama). “Como é que o Poder Legislativo de um Estado não tem a ver com a briga?”, disse o senador.
A intenção, segundo ele, era a de tentar pacificar os conflitos na região. “Se o (valor acertado no) acordo foi alto ou baixo eu não sei. Fui apenas o mediador. Sou a favor de que o oeste pacifique e os agricultores possam fazer seu plantio”, afirmou Coronel.
‘Extorsão’
O senador disse também que atuou de forma “neutra” no caso. No entanto, o advogado Aurélio Miguel Dorea, que defende duas famílias de agricultores no processo, relatou que produtores procuraram o gabinete de Coronel para evitar uma “violência judicial”. “Ao contrário do que esperavam, o hoje senador, com sua presença e assinatura, legitimou a consumação de um dos maiores casos de extorsão acontecidos na Bahia”, disse Dorea. Coronel afirmou que quem o acusa é “indigno”.
A reportagem tentou contato com a Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia e com a Associação dos Produtores Rurais da Chapada das Mangabeiras, mas não obteve resposta até a conclusão desta matéria.
Defesas
A Procuradoria-Geral do Estado da Bahia afirmou que sua participação “no evento de assinatura do acordo” entre os produtores rurais e o borracheiro José Valter Dias ocorreu “a convite dos poderes públicos envolvidos nas suas tratativas”. “Vale ressaltar que o Estado não é, nem nunca foi, parte do processo judicial, muito menos teve qualquer participação na elaboração do acordo”, informou a Procuradoria.
Em nota, a Secretaria de Comunicação do Governo da Bahia se manifestou sobre o motivo pelo qual enviou ofício à presidente do Tribunal de Justiça do Estado para que tomasse providências sobre os conflitos fundiários no oeste baiano. “É dever do poder público propor medidas para mediar conflitos que possam gerar distúrbios sociais, a exemplo do que aconteceu na região em 2017.”
Afirmou ainda que a disputa por terra é histórica na região, com registro de casos de homicídio ao longo dos anos.
“Portanto, o único interesse do poder público foi o de buscar agilidade no sentido de evitar agravamento de conflitos e distúrbios sociais, fatos públicos e notórios. Neste sentido, considerando que a questão é de responsabilidade do Poder Judiciário, a solicitação do governador somente poderia ser encaminhada à presidência do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia”, diz o comunicado.
O TJ da Bahia afirmou que o Centro Consensual de Conflitos Possessórios foi criado seguindo resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 29 de novembro de 2010, que institui a criação de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania. Segundo a Corte, a criação do centro judiciário não impactou os cofres do tribunal porque é abrigado no fórum da comarca.
A defesa do borracheiro José Valter Dias não foi localizada pela reportagem. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.