Os próximos 90 dias marcarão o fim de um ciclo para o presidente da Gafisa, Duilio Calciolari. O executivo, que era seu diretor financeiro, foi confirmado no comando da empresa em julho de 2011, após 54 dias como presidente interino, depois da renúncia de Wilson Amaral do cargo. Calciolari assumiu a Gafisa em um período bastante complicado. A Tenda, comprada em 2008, já pressionava os resultados e corroia suas margens.

 

Calciolari precisou atacar várias frentes, em sua gestão: reestruturar a Tenda, evitar ao máximo que ela contaminasse os números da Gafisa, rever a expansão da empresa para outros estados e negociar a aquisição e posterior venda da Alphaville.

 

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Calciolari, da Gafisa: separação de empresas dará mais nitidez para investidores

 

Agora, o executivo vai conduzir a transição para uma nova estrutura, em que Gafisa e Tenda terão presidentes próprios, que se reportarão unicamente ao conselho de administração. Sandro Gamba responderá pela primeira e Rodrigo Osmo, pela segunda. Ao término, Calciolari deixará o comando, mas já se colocou à disposição para uma vaga no conselho. Em entrevista à DINHEIRO, o executivo faz um balanço de sua gestão e analisa os próximos passos da Gafisa e da Tenda.

 

DINHEIRO – Que balanço o sr. faz sobre sua gestão na Gafisa?

DUILIO CALCIOLARI – Tínhamos uma meta de concluir o turnaround da companhia, para que ela gerasse resultados sustentáveis e de longo prazo. Isso efetivamente aconteceu. A elaboração de uma estratégia para cada marca conclui esse processo. A Gafisa voltou a se concentrar nos mercados do Rio e de São Paulo, onde tem uma posição de liderança. Já a Tenda ficou dois anos sem lançamentos, para que ajustássemos sua operação. Ela precisava de um novo modelo de negócios, em que nenhum projeto iria avante sem estar com o financiamento já aprovado na Caixa [Econômica Federal] ou no Banco do Brasil. Além disso, buscamos um modelo de produção mais controlado e com maior escala. O resultado é que já lançamos R$ 338 milhões pela Tenda em 2013. A operação da Tenda está sob controle. Os projetos que herdamos com a compra da companhia, em 2008, hoje não representam mais que 15% do que precisamos entregar.

 

DINHEIRO – O modelo da Tenda, então, está consolidado?

CALCIOLARI – Sim. A Tenda conta, agora, com financiamento da Caixa e do Banco do Brasil, que são os bancos que mais operam na faixa 2 [famílias com renda mensal entre três e seis salários mínimos] do Minha Casa, Minha Vida. A marca voltou a comprar terrenos para permitir um crescimento cauteloso. Já foi divulgado que a Tenda deve lançar entre R$ 600 milhões e R$ 800 milhões em 2014. Foram dois anos e meio de trabalho forte, ajustando a operação. Há um mercado espetacular para a Tenda. Há compradores e temos preço e produto adequados. É claro que vamos ter cautela, porque o passado foi muito duro.

 

DINHEIRO – O sr. já disse que a Gafisa incorporou a Tenda para lhe dar um choque de gestão. Não seria possível dar esse choque, sem incorporá-la?

CALCIOLARI – O que aconteceu é que conhecíamos gestão, mas não o mercado de baixa renda. Tínhamos de aprender a operar esse negócio. Além disso, o cenário mudou muito, após a aquisição. Compramos a Tenda pouco antes da quebra do Lehman Brothers, que detonou a crise mundial. Depois, foi lançado o Minha Casa, Minha Vida, que mudou totalmente o cenário de baixa renda no País. Foi quando decidimos trazer a Tenda para dentro da Gafisa. Faltavam recursos humanos para administrar a empresa. Passamos 2010 e 2011 aprendendo aquele negócio. Em meados de 2011, decidimos suspender os lançamentos, porque tínhamos clareza de que havia algo errado. Era preciso entender como vender, como lançar e como produzir para esse mercado. Agora, depois de todos esse trabalho, temos certeza de que é um negócio muito diferente da Gafisa. Por isso, queremos passar essa mesma clareza para o acionista, para que ele decida onde quer investir.

 

DINHEIRO – Quando começaram os estudos para a separação das marcas?

CALCIOLARI – Os estudos internos começaram em meados do ano passado, mas a avaliação de que o negócio da Tenda era diferente do da Gafisa já estava clara, quando terminamos o planejamento de 2011. Naquela época, porém, a Tenda dependia muito do balanço da Gafisa. A gente precisava consertar a operação, que estava numa situação muito delicada. Agora, depois de dois anos, tudo está no lugar, e as discussões para a separação se aprofundaram nos últimos 60 dias.

 

DINHEIRO – Qual será o futuro da Tenda?

CALCIOLARI – A Tenda tem um mercado enorme. Muitos concorrentes saíram dele. Há poucos que operam nessa faixa entre 3 e 6 salários mínimos de renda mensal. O programa do governo continua aí e é muito relevante. Nossa orientação estratégica é ter uma baixa dependência dos subsídios públicos. Vamos buscar clientes e produtos com pouco subsídio. Hoje, na faixa 2, esse subsídio é cerca de 10% do valor do imóvel. No médio prazo, a Tenda deve chegar a R$ 1 bilhão ou R$ 1,5 bilhão em lançamentos por ano. O que anunciamos para 2014 é a metade do caminho.

 

DINHEIRO – A Tenda depende muito do programa Minha Casa, Minha Vida. Estamos em ano de eleição presidencial. Como o sr. avalia essa dependência?

CALCIOLARI – Nossa avaliação é de que o programa não será afetado, mesmo que haja mudança de governo. O programa se tornou importante para o País; é um sucesso. Em outros países, como o México, programas habitacionais bem-sucedidos não foram afetados por trocas de governo. Acreditamos que, diante do grande déficit habitacional brasileiro, ele não vai acabar. Talvez mude alguma coisa, mas não vai acabar.

 

DINHEIRO – E o que será a Gafisa, daqui para frente?

CALCIOLARI – A Gafisa vai focar no mercado em que sempre atuou. Já temos o conhecimento, as pessoas e a tranqüilidade para continuar no segmento em que somos referência. O que vamos buscar é a melhoria da rentabilidade, que passou aperto devido à atuação em mercados onde não fomos bem-sucedidos. Em São Paulo e Rio de Janeiro, porém, já temos níveis satisfatórios de rentabilidade. No médio prazo, dentro de uns três anos, a Gafisa deve ser uma empresa de R$ 2,0 a R$ 2,5 bilhões em lançamentos. Temos muito mercado na região metropolitana de São Paulo, no interior do Estado e no Rio de Janeiro.

 

DINHEIRO – A Gafisa é focada em médio e alto padrão. O sr. teme uma bolha nesse segmento?

CALCIOLARI – Primeiro, não há bolha. O que não havia, no passado, era financiamento imobiliário. Os preços devem permanecer estáveis. Não vejo mais pressão de preço. O nosso comprador precisa ter uma poupança de 25% a 30% do valor do imóvel. Além disso, o nível de crédito imobiliário na economia do País ainda é baixo. E, quando se é uma empresa como a Gafisa, temos acesso a bons projetos, boa capacidade de desenvolvimento, bom capital. Esperamos ter de 4% a 6% de market share, em VGV [Valor Geral de Vendas], somente na cidade de São Paulo, que é um mercado ainda muito pulverizado, mas que tem um VGV anual de R$ 20 bilhões.

 

DINHEIRO – E a Alphaville Urbanismo?

CALCIOLARI – Cumprimos nossa meta também com a Alphaville Urbanismo. Quando compramos a empresa, ela tinha um porte de R$ 100 milhões em lançamentos por ano. Hoje, ela está em R$ 1,5 bilhão. Vendemos 70% de nossa participação a sócios que reconheceram essa geração de valor. Cerca de R$ 1,5 bilhão entraram no caixa da Gafisa com a operação. Isso é um bom indicador. Nossa meta era conduzir a companhia a uma capacidade elevada de investir, e agora ela pode.

 

DINHEIRO – Quais são os próximos passos da reestruturação?

CALCIOLARI – Em 2014, ainda trataremos de questões administrativas, fiscais e de credores. Ainda há algumas coisas para separar. Lá na frente, em 2015, essas empresas serão separadas. Cada acionista vai receber uma ação da Tenda e uma da Gafisa. E eles terão total clareza para avaliar em que estão investindo. A separação vai gerar valor para todos. A soma das partes vai valer mais do que agora.