DINHEIRO ? A Fiat fechou seu balanço em 2003 com R$ 268 milhões de prejuízo. Como será neste ano?
CLEDORVINO BELINI ? Estamos aplicando um programa desenvolvido na Itália para todas as empresas do grupo, o Piano Rilancio. Trata-se de um conjunto de ações que prevê, por exemplo, a diminuição de oito para cinco opções de sobremesas nos almoços de lançamentos (risos). Falando sério: abrange reduções de custos, mas também ações de vendas agressivas, principalmente nas exportações, com objetivo de dobrar a receita de R$ 1 bilhão de 2003, já que o mercado interno crescerá pouco neste ano. As metas são buscar rentabilidade e zerar o prejuízo.

DINHEIRO ? A entrada de Luca di Montezemolo (ex-presidente da Ferrari) no comando do Grupo Fiat não altera as metas, já que não é dele o plano de recuperação?
BELINI ? De forma alguma. O plano está dando certo para toda a corporação e não será alterado. Trabalho sob essas metas desde 2003, na Magneti Marelli. Lá, revertemos o prejuízo e a empresa já dá lucro.

DINHEIRO ? Quando era presidente da Volkswagen do Brasil, Herbert Demel (atual CEO da Fiat Auto) dizia que preferia ?vender um sapato de couro em vez de três sandálias de borracha?, pois a Fiat construía suas vendas baseadas em populares. Priorizar o lucro é ordem de Demel?
BELINI ? Desconheço essa frase do Demel (constrangido). A busca por rentabilidade vem do Piano Rilancio.

DINHEIRO ? Perder a liderança para a GM em 2004 já é conseqüência desse plano?
BELINI ? Em condições normais, o mercado é mais Fiat. Em julho, quando não tivemos lançamentos, o que garantiu ritmo pleno de produção, vendemos 4 mil veículos a mais que a GM naquele mês. Agora… guerra comercial não vamos fazer.

DINHEIRO ? Então o sr. admite que isso foi feito no passado? Dizem que Fiat e GM emplacavam carros zero km nos pátios de revendas só para aumentar os números de carros vendidos aos olhos do mercado.
BELINI ? Eu não estava na empresa (gargalhadas). Mas na minha política não existe isso. Abolimos do dicionário.

DINHEIRO ? Se vocês tiraram uma diferença de 4 mil unidades em um único mês, a vantagem de 9 mil em favor da GM no acumulado do ano é possível de ser superada?
BELINI ? A nossa meta é fechar o quarto ano seguido na liderança de vendas. Meu diretor comercial tem essa missão. Mas não à custa de entrar numa avalanche de promoções que nos cause queda na lucratividade. As três montadoras que brigam pela liderança têm, juntas, 70% do mercado. Ser a número 1, portanto, é irrelevante.

DINHEIRO ? O controle de despesas vai interferir na estratégia de novos produtos?
BELINI ? De forma alguma. Lançaremos a Idea (minivan compacta) no final de 2005 e haverá uma série de outras novidades no decorrer do ano. Teremos um lançamento por mês (cogitam-se variações de carros atuais, como motores bicombustíveis e versões Adventure para Mille e Palio). Estamos discutindo também na matriz a possibilidade de novas plataformas, com projeto de exportação.

DINHEIRO ? A Fiat brasileira representa 20% do negócio total da montadora no mundo. A filial da Ford, por exemplo, não passa de 2%. Não é uma vantagem expressiva?
BELINI ? Não saberia dizer das outras marcas. Mas claro que o tamanho da nossa operação, que é a mais importante para a Fiat sem contar a Itália, é um agente facilitador para a discussão do planejamento estratégico.

DINHEIRO ? As montadoras estão inconformadas com os reajustes de 40% no preço do aço em 2004. Qual a posição da Fiat?
BELINI ? Hoje, vivendo num mercado livre e globalizado, as coisas mudam. Na verdade, principalmente nas commodities como o aço, o Brasil paga o preço internacional. Se você importar, vai ter os custos de frete, alfândega e impostos. Então, o produtor local tem um espaço para posicionar o preço dele até mais caro do que custa lá fora. Mesmo que quiséssemos, o mercado mundial não tem aço sobrando, atraído pelas exportações para a China, que desequilibrou o resto do mundo.

DINHEIRO ? Mas deve haver um limite.
BELINI ? Não que eu esteja defendendo as altas de preços do aço. Trata-se de um posicionamento de mercado movido pela demanda, pois automaticamente os custos de produção das siderúrgicas, como carvão e energia, também subiram. O problema é que nós ficamos num sanduíche: de um lado, os reajustes, e do outro, o mercado. E o mercado tem limites para absorver aumentos. Se quisermos produzir, temos que pagar. É a nova realidade de mercado, justa ou injusta, não importa. O limite é o risco de o Brasil perder nas exportações a longo prazo. Além do aço, há os demais aumentos que tiram a competitividade. No curto prazo, consegui um posicionamento, mas se as coisas se mantiverem assim, não dará para suportar.

DINHEIRO ? Qual a saída?
BELINI ? O País já deu provas no passado de que é muito criativo. Já fizemos algo chamado ?draw-back verde-amarelo?, que deu fôlego às exportações. É simples: o produtor de aço vende no mercado interno como se estivesse destinando aquela remessa à exportação, ou seja, em contratos casados com a indústria automotiva nacional. E seria ótimo para o Brasil, pois é muito melhor exportar manufaturados do que matéria-prima. Basta amarrar tudo isso em contratos de fornecimento de longo prazo a preços internacionais. E por que eu vou vender carro e o produtor vai exportar aço separadamente? Melhor que façamos isso juntos. Essas parcerias precisam ser incentivadas.

DINHEIRO ? Essa discussão não é setorial, ou seja, não cabe à Anfavea (entidade que congrega as montadoras)?
BELINI ? Há expectativa em esperar que a Anfavea resolva problemas que não são de sua competência. O problema do aço é das montadoras. No passado, sim, quando o mercado era fechado, dependíamos da entidade. Hoje acho que é da alçada da Anfavea discutir política industrial, corrigindo distorções como a alta carga tributária que incide sobre os automóveis. É fácil perceber o erro: arrecadamos muito de poucos veículos, enquanto o correto seria cobrar pouco de muitos. Como houve uma mudança recente na direção, tenho a impressão de que o Rogelio Golfarb (presidente da entidade) vai trabalhar nessa política.

DINHEIRO ? O sr. é contra a adoção de planos especiais para reaquecer a demanda?
BELINI ? Não pode haver mais regras emergenciais, do tipo ?o mercado caiu, vamos reduzir 2 ou 3% no IPI para recuperar?. Aí vem a recuperação e sobe o IPI. A posição da Fiat é conhecer e atuar em um cenário estável e duradouro. Cada vez que eu decido lançar um motor Flex, a engenharia leva 18 meses para configurar o motor. Aí mudam as regras e eu jogo fora?

?Discordo do sobe-e-desce do IPI. Só dá para planejar em cenários estáveis?

DINHEIRO ? Apesar da perda de competitividade, a indústria brasileira nunca exportou tanto como agora.
BELINI ? O Brasil fez 2 milhões de veículos só para o mercado interno em 1997 e, em 2004, deve chegar a 1,5 milhão. É uma perda muito significativa. Ou seja, você tem que ter escala de produção para sustentar parcialmente o seu parque instalado. Para se reequilibrar, você corre para a exportação. E eu fui claro: se continuar esse trem (ociosidade média de 40%), o setor não sustenta. Tenho medo de perder a competitividade daqui a dois ou três anos, quando não agüentarmos mais as pressões na alta de custos.

DINHEIRO ? Mas as autopeças se queixam que as montadoras estão recuperando suas margens de lucro fazendo pressões por reduções nos preços das peças. É verdade?
BELINI ? Existe um pouco de tudo. Quando eu comecei com a Cofap (adquirida pela Magneti Marelli), senti esse problema. Existia mesmo. A primeira coisa que fiz foi pegar uma malinha e viajar para o exterior tentando vender amortecedores. Como havia o problema da falta de imagem de marca, abri um centro de desenvolvimento e uma fábrica na Itália e nos EUA. A Cofap elevou a produção de amortecedores de 16 milhões em 1998 para 20 milhões em 2000. Os resultados apareceram no período em que o Brasil mergulhou na crise. Ao mesmo tempo, as margens começaram a ser pressionadas (pelas montadoras), o que nos levou a fazer planos de eficiência industrial, programas de qualidade, redução de custos, enfim, tudo para sobreviver. No ano passado, revertemos o prejuízo em lucro.

DINHEIRO ? Isso significa que quem não exportar…
BELINI ? Essa questão das autopeças é delicada. Existem empresas eficientes na busca da competitividade, da tecnologia, que renovam seus processos produtivos, têm escala de produção, exportam e, portanto, bem ou mal, se sustentam. Existem aqueles que só dependem do mercado local. Para esse grupo, ouvi afirmações do Sindipeças (sindicato dos fabricantes de autopeças) de que é necessário investir US$ 1 bilhão para abrir os gargalos de produção, o que não é nada para um setor que investiu US$ 30 bilhões na década de 90. E existe um terceiro grupo que, sinto muito, mas vai sucumbir…

DINHEIRO ? Era difícil negociar com a Fiat no tempo da Cofap?
BELINI ? Muito. Mas não mais difícil do que com outras montadoras. Ocorre que o Brasil, por ter ficado fechado muito tempo, tem uma conjuntura que não chegou ao equilíbrio (mão-de-obra, preço do aço, inflação). Nos EUA, com 2% de inflação, tinha de dar 3% de eficiência anual para obter êxito. Como você consegue isso? Tem que buscar dentro da fábrica, com reduções de custos. Essa experiência me ajudou a sobreviver também no Brasil.

DINHEIRO ? Como o sr. vê o governo Lula?
BELINI ? As reformas macroeconômicas são perfeitas. Falta consolidar a credibilidade lá fora. Está acontecendo aos poucos, mas tem muita coisa que precisaria ser revista, como a reforma fiscal, que alavancou um caixa muito grande para o governo. Já na política externa, o governo está indo bem nas negociações com a Alca e a Comunidade Européia, principalmente em favor da agroindústria, onde nosso País tende a ser competitivo nas exportações.

DINHEIRO ? E na política externa com o Mercosul?
BELINI ? O importante é ver o equilíbrio das partes. Não conheço em detalhes a Linha Branca (eletrodomésticos) que estava conquistando a Argentina, mas percebi que a queixa consistia nos produtos feitos na Zona Franca de Manaus, que gozam de incentivos. Ou seja, não havia o equilíbrio, tanto que fizeram um acordo. Conforme ocorreu neste caso, acredito que os setores acabam se entendendo, cabendo ao governo funcionar só como mediador