01/01/2019 - 11:13
O economista Carlos Langoni, de 74 anos, presidente do Banco Central no governo Figueiredo e diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV), foi o primeiro brasileiro a obter o doutorado em economia na Universidade de Chicago, templo do pensamento liberal, em 1970.
Ele diz, com bom humor, que hoje está mais para Chicago grandfather do que para Chicago boy – expressão criada para designar os jovens economistas de Chicago que participaram da reforma econômica do Chile, no governo Pinochet, e que depois foi adotada pelo mundo afora em referência aos economistas graduados na escola americana.
Ex-professor de Paulo Guedes, futuro ministro da Economia, que também obteve o Ph.D. em Chicago (assim como outros membros da equipe), Langoni deverá ajudá-lo a desenvolver e a implementar uma agenda para abertura comercial do País.
Nesta entrevista, ele afirma que os Chicago oldies, como Guedes costuma chamar a turma, por causa da idade da maioria, deverão enfrentar resistências para adotar medidas de modernização da economia, mas têm uma oportunidade histórica para promover um “choque liberal” no Brasil.
Como o sr. vê a chegada da nova equipe econômica ao poder, com tantos ex-alunos da Universidade de Chicago, como o próprio Paulo Guedes?
Acredito que há uma oportunidade histórica, com essa turma no governo, de implementar um choque liberal. Não é nem uma escolha ideológica, mas pragmática. Acho que a condição nunca foi tão favorável. A crise é tão profunda, com a falência do Estado tanto do ponto de vista financeiro quanto gerencial, tendo a corrupção sistêmica como efeito colateral, que um choque liberal é a única alternativa para o Brasil sair da armadilha de relativa estagnação econômica e reencontrar o crescimento sustentado.
Em termos de política econômica, o que devemos esperar dessa turma? Agora, as ideias monetaristas vão dar o tom?
As pessoas de fora costumam associar Chicago ao Milton Friedman, ao monetarismo. Não é verdade. Eu tive aulas com o Friedman, mas segui a vertente de desenvolvimento econômico de Chicago. Era o oposto do que se estudava normalmente no Brasil, por influência do Celso Furtado (1920-2004), da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), que é uma visão intervencionista, estatizante, de substituição de importações.
Quais os principais representantes dessa vertente voltada ao desenvolvimento econômico?
O Arnold Haberger é um nome importante. Ele era o chefe do departamento de Economia e tinha um curso de projetos e desenvolvimento que era um espetáculo. Além dele, a área de desenvolvimento de Chicago tinha o Robert Mundell, que ganhou o Premio Nobel em 1999, por seus estudos sobre a criação de zonas monetárias comuns, que levaram à criação do euro, e o Harry Johnson, dedicado ao comércio internacional. Havia também o T.W. Schultz, que recebeu o Nobel em 1979 e foi orientador da minha tese, e depois o Gary Becker. Ambos marcaram muito a minha carreira, porque criaram o conceito de educação como capital humano, que foi uma coisa revolucionária. Então, quando você fala dos economistas de Chicago não tem esse negócio de monetarismo, não. Essa coisa de dizer que os liberais não tem preocupação social é falsa, uma falácia.
Na prática, o que essa visão liberal deverá representar para a economia brasileira?
O que vejo como Estado liberal não é apenas uma reforma da Previdência. É uma coisa muito mais profunda. É uma reforma do Estado no sentido amplo. O Estado tem de ser provedor de bens públicos essenciais, como saúde, educação e segurança, e só. O resto tem de ficar com o setor privado. Isso está mais que testado no mundo. Não vamos nem falar dos Estados Unidos, que é brincadeira. Vamos falar da China. A grande revolução chinesa a partir da morte de Mao Tsé-tung foi a realização de um processo gradual, mas contínuo, de liberalização econômica. Hoje, o setor privado já representa mais de 60% do PIB chinês.
No caso do Brasil, qual o impacto que essa visão de Chicago deverá ter na economia?
No caso brasileiro, nós chegamos ao limite. Como eu disse, a crise é uma crise do Estado, do setor público, uma crise ética, e é isso que precisa mudar. A visão de Chicago é exatamente essa. Sempre houve preocupação grande com a eficiência e a ética, com o aspecto distributivo. Você tem o pilar do ajuste fiscal, com as reformas, a da Previdência e a tributária. Tem a onda de concessões e privatizações, para abrir espaço para a modernização da infraestrutura. E tem a vertente do que eu chamo de a “reforma esquecida”, que é a abertura da economia. A abertura tem de ser gradual, sim, tem de ser previsível, sim, mas tem de ter prazo para começar e terminar. A abertura tem efeitos distributivos positivos e ajuda a manter inflação baixa.
O sr. acredita que a nova equipe econômica vai enfrentar resistências do Congresso?
Acredito que vai existir resistência, sim. Não vai ser uma tarefa fácil, apesar de o diagnóstico ser inequívoco. Na minha opinião, a sociedade brasileira é muito mais atenta a esses fatos do que a gente imagina. O problema vai ser o debate político, as articulações políticas para viabilizar as reformas. Esse será o grande desafio, a interface do Executivo com o Congresso. Tem de ter muita paciência, poder de convencimento.
O senhor também enfrentou resistências na época em que esteve no governo?
A resistência era muito grande. Eu era uma voz solitária, me sentia um ET. Eu era de fato um Chicago boy. Hoje sou um Chicago grandfather. Já tenho quatro netos. Naquela ocasião, eu era o único. Depois, foi chegando mais gente de Chicago.
Qual a reação às suas ideias?
Havia um debate intenso de ideias. O próprio (Mário Henrique) Simonsen (ex-ministro da Fazenda e do Planejamento) tinha uma visão mais liberal que a do (João Paulo Reis) Velloso (antecessor de Simonsen no Planejamento). Muitas vezes, as ideias do Simonsen não coincidiam com as do Delfim (Neto, também ex-ministro da Fazenda e do Planejamento). Se você analisar bem, o modelo econômico tinha um forte viés estatista, apesar de ser liderado por economistas que não tinham ligação com a Cepal. Tanto o Delfim quanto o Simonsen tinham viés liberal, mas nada comparável com a visão de Chicago, de reduzir ao mínimo o papel do Estado, algo testado com grande sucesso no Chile.
O Chile foi o maior laboratório das ideias de Chicago?
Às vezes, as pessoas no Brasil pensam que Chicago é só o Chile. O pensamento liberal de Chicago, que vem do (Friedrich) Hayek, do Milton Friedman, teve grande influência na Inglaterra da (Margaret) Thatcher. No Reino Unido, havia presença muito forte do Estado, uma influência sindical tremenda, uma economia relativamente fechada. Agora, temos oportunidade de pôr em prática essas ideias que já funcionaram.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.