25/07/2012 - 21:00
Jovem e elegante, a executiva Marissa Mayer é uma estrela do Vale do Silício. Ela pode ser vista com frequência tanto em programas de negócios na tevê americana como no noticiário especializado em tecnologia. Na semana passada, no entanto, as atenções em torno da loura de traços finos e olhos azuis, sempre alinhada em suas roupas assinadas por estilistas como Oscar de La Renta e Carolina Herrera e sapatos Manolo Blahnik, extrapolou o universo digital e ganhou uma dimensão internacional. Aos 37 anos, essa americana de Wausau, no Estado de Wisconsin, formada em ciências da computação pela Universidade Stanford, na Califórnia, foi anunciada como a nova CEO do Yahoo!, empresa que já foi sinônimo de internet e hoje luta para reencontrar seu eixo diante da nova dinâmica da tecnologia.
“Estou honrada em liderar o Yahoo!, uma das marcas
mais importantes da internet”
A notícia ganhou um destaque ainda maior em função de outro detalhe: o Yahoo! recrutou sua nova comandante nas fileiras de um de seus maiores rivais, o Google, o rival que o desbancou do reinado na área de buscas no início da década passada. Com 13 anos de carreira na companhia fundada por Larry Page, Marissa, até então vice-presidente de produtos, é responsável direta pelo sucesso de serviços como o Gmail e ferramentas de geolocalização, como Google Search, Maps e Street View, entre outros. Para o Yahoo!, a contratação é a jogada mais ousada – e a de maior repercussão – dos últimos anos na tentativa de se mostrar relevante no novo contexto do mercado digital, que é a cada dia mais convergente e transformado pela mobilidade.
“Estou honrada em liderar o Yahoo!, uma das marcas mais importantes da internet”, disse Marissa, conforme comunicado distribuído pelo Yahoo!. “Quero trabalhar com os funcionários da companhia para trazer produtos, conteúdo e experiências inovadoras e personalizadas para nossos usuários.” A notícia da contratação de Marissa por um caminhão de dinheiro – segundo a revista Fast Company, ela poderá ganhar a astronômica quantia de US$ 100 milhões nos próximos cinco anos – adquire um significado especial também pelo fato de que vai assumir o maior desafio de sua vida profissional, que foi praticamente toda construída no Google, quase concomitantemente com o papel de mãe de primeira viagem.
O homem-provisório: com experiência em mídia, Ross Levinsohn
foi uma espécie de “CEO tampão”
No mesmo dia em que foi divulgada a sua contratação pelo Yahoo!, na segunda-feira 16, Marissa revelou que está grávida de seu primogênito, que deve nascer no dia 7 de outubro. “Ele é hiperativo e se mexe com frequência”, disse em entrevista à revista Fortune. O pai é Zachary Bogue, um advogado e investidor em startups. A executiva sabe da gravidez desde janeiro e afirmou que isso em nenhum momento atrapalhou as negociações com o Yahoo!: “Anunciei que estava grávida em uma reunião do conselho do Yahoo!”, afirma Marissa. “Nenhum dos quatro diretores presentes demonstrou preocupação com o assunto.”
PERFIL IDEAL O fato de o Yahoo! não ter colocado empecilhos à gravidez de Marissa, situação que vai resultar em seu afastamento durante algumas semanas, é um indício de que a empresa realmente desejava muito tê-la como sua maior líder. Os membros do conselho de administração do Yahoo! – incluindo três novos diretores liderados pelo gestor de fundos Dan Loeb, o acionista que trabalhou pela derrubada do CEO anterior, Scott Thompson, em maio – pressionaram pela contratação de uma especialista em gestão de produtos. Essa é justamente uma das principais habilidades de Marissa. Na visão deles, só uma pessoa com esse perfil poderá tirar a empresa da inércia e torná-la relevante para os usuários.
Trata-se de uma guinada no rumo que a companhia vinha tomando nos últimos meses. O vice-presidente de mídia global do Yahoo!, Ross Levinsohn, que presidia a empresa interinamente desde a saída de Thompson, demitido em maio, tem sua trajetória ligada à área de mídia. Esse caminho já fora esboçado pelo próprio Thompson. Uma de suas primeiras – e únicas – medidas no posto foi deixar claro que privilegiaria a área de criação de conteúdo, em detrimento da de serviços, algo que já foi uma das características do Yahoo!. No comunicado em que Fred Amoroso, presidente do conselho do Yahoo!, anunciou a nomeação da nova CEO, fica claro que esse capítulo ficou para trás. “Marissa tem um histórico sem precedentes em tecnologia, design e execução de produtos”, afirmou.
Um aspecto a ser observado nessa questão é que, assim como Marissa, outros dois executivos do primeiro time da internet mundial deixaram o Google para comandar processos importantes – ou até mesmo delicados – em outras companhias digitais: Sheryl Sandberg, que foi vice-presidente da empresa de Mountain View e hoje é uma das principais executivas do Facebook, e Tim Armstrong, também ex-presidente do Google e agora CEO da AOL. “É preciso investigar o que o Google tem de diferente em seu capital humano para que seus principais diretores sejam contratados pelos concorrentes”, afirma Marcelo Santíago, sócio da consultoria digital MBreak Comunicação,de São Paulo.
SURPRESA E APREENSÃO Se a escolha de Marissa Mayer para comandar o Yahoo! foi adequada ou não, só o tempo dirá. O que já se sabe é que a chegada da nova chefe provocou reações distintas dentro do portal. Além da surpresa geral, a contratação deixou os profissionais das áreas ligadas a desenvolvimento de produtos em estado de deleite e causou decepção entre funcionários dos setores comercial e de mídia, conforme descrição do The Wall Street Journal. Um dos grandes receios da equipe é o desgaste provocado por uma nova reformulação – Marissa será a sexta profissional a ocupar a cadeira principal do Yahoo! em cinco anos, incluindo presidentes interinos.
Outros executivos do Google que foram contratados por rivais são Sheryl Sandberg
vice-presidente do Facebook, e Tim Armstrong que hoje é CEO da AOL
Fora do Yahoo!, a escolha foi bem avaliada por parte da mídia internacional. Ainda assim, há grandes interrogações no ar, especialmente porque há dúvidas se alguém, por mais brilhante que seja, será capaz de tirar o Yahoo! da pasmaceira. A manchete do San Francisco Chronicle, principal jornal de São Francisco, dava o tom do desafio que Marissa Mayer terá pela frente. “A nova tarefa da CEO: fazer um milagre.” Na reportagem, a publicação chama a atenção para o fracasso de seus antecessores e questiona se é realmente possível “salvar uma empresa problemática”. No entanto, segundo a analista da consultoria Yankee Group, Carl Howe, se há alguém no Vale capaz de operar tal milagre, essa pessoa é Marissa.
Se conseguir, tudo indica que ela será alçada a uma categoria de executivos revolucionários, como o fundador da Apple, Steve Jobs. A analista da Forrester Research Shar VanBoskirk, por sua vez, não é tão otimista. “O Yahoo! necessita de um visionário, um executivo agressivo que possa tomar decisões sólidas sobre o rumo dos negócios da empresa”, afirmou. “Não tenho certeza se a companhia precisa de uma pessoa de produtos.” Diante de uma avaliação desse tipo, cabe a pergunta: por que a situação atual do Yahoo! desperta tanto descrédito assim? Em primeiro lugar, é preciso dizer que a empresa ainda é uma gigante.
Além de deter uma das maiores audiências da internet mundial – é o terceiro site dos EUA, com 171 milhões de visitantes únicos –, possui 14 mil funcionários e teve lucro US$ 800 milhões em 2011, com uma receita de US$ 4,9 bilhões. Seu lucro líquido no primeiro trimestre de 2012 foi de US$ 286 milhões, alta de 28% em relação ao mesmo período do ano anterior. Observado isoladamente, o desempenho pode sugerir que a empresa não está tão mal assim do ponto de vista financeiro. E, de fato, não está. A questão fundamental é provar que tem capacidade de se manter relevante e próspera no futuro.
O problema fundamental é que o Yahoo! não soube se adaptar às grandes transformações do mercado digital, como o surgimento das redes sociais e a mobilidade. Assim, viu ao longo dos anos o aparecimento de concorrentes que se tornaram poderosos, como o Google e o Facebook, entre outros. Um dos desvios de sua gestão, conforme a avaliação de diferentes analistas, é que ele tentou abarcar tudo, espalhando-se para vários segmentos da internet, o que prejudicou a qualidade dos serviços e abriu caminho para os concorrentes. Outra questão é que a empresa perdeu a identidade, não sabendo se deve se posicionar como uma companhia de serviços ou de mídia, o que confunde o mercado.
E O BRASIL? Essa crise de identidade, claro, resvala na operação brasileira. “O Yahoo! está perdido, não se tem um posicionamento claro do que é a companhia, seja no exterior, seja no Brasil”, afirmou um diretor de uma importante agência brasileira. “Eles se destacam somente pelo pioneirismo de oferecer formatos publicitários inovadores. Mas isso é pouco”, disse esse executivo, que preferiu não se identificar. Já Paulo Loeb, sócio da FBiz, uma das principais agências digitais do Brasil, destaca justamente a flexibilidade comercial como o principal atributo. “O Yahoo! é indicado para ações fora da caixa, como uso de publicidade com formatos diferentes.” Em termos de audiência, o Yahoo! é apenas a sétima propriedade mais acessada do País, segundo a consultoria comScore.
“O mercado publicitário olha a internet como mídia de massa. Por isso, estar entre os líderes de audiência é fundamental. Não é o caso do Yahoo!”, afirmou outro diretor de mídia. As mudanças no comando da empresa, que sugerem um peso maior aos serviços, devem, é claro, implicar numa alteração de rota também na subsidiária brasileira. O problema, porém, é que isso representará o redesenho da operação, que tem como diretor-geral André Izay. Procurado pela DINHEIRO, o Yahoo! Brasil afirmou que não tem autorização para dar entrevistas agora. Os novos contornos da operação local ainda não estão nítidos. Afinal, Marissa Mayer deve centrar suas atenções primeiramente nos rumos globais da empresa.
O ex-patrão: Marissa construiu carreira e ajudou a fazer do Google, fundado e dirigido
por Larry Page, uma potência
De uma coisa, no entanto, não há dúvidas: a jornada dupla – como mãe e líder maior de uma corporação digital – exigirá um grande esforço de Marissa. Sim, haverá a necessidade de um esforço extra, mas que pode, a despeito disso, jogar a seu favor, notadamente no que se refere ao estilo de liderança. “Os estudos demonstram que, com a gravidez, a percepção para o comando de equipes fica mais aguçada nas mulheres”, afirma Betânia Tanure, especialista em recursos humanos da Fundação Dom Cabral. Independentemente dos benefícios e desafios da jornada dupla, Marissa, uma workaholic assumida, cuja jornada começa às 5 horas da manhã e vara as noites, terá um belo incentivo para se dedicar com força máxima à sua nova empreitada.
Assumir o comando de um dos maiores ícones da história da internet vai torná-la também uma das executivas mais bem pagas do mundo. De acordo com a Fast Company, com base em documentos enviados pelo Yahoo! às autoridades americanas, os US$ 100 milhões estimados para sua remuneração até 2017 podem ser alcançados com a soma do salário anual de US$ 1 milhão, um bônus de US$ 2 milhões e outros US$ 12 milhões em aquisições de ações. Deverá, além disso, receber mais de US$ 30 milhões em meia década – isso sem falar em compensações recebidas do antigo patrão, o Google. Como se vê, Marissa se torna agora, além da mulher mais poderosa da internet, uma das executivas mais endinheiradas do planeta.
Colaboraram Rodrigo Caetano e João Varella