13/12/2006 - 8:00
Sérgio Amado vivia correndo. Largava a escola pública de Salvador ao meio-dia e disparava em direção ao prédio da prefeitura. Aos 14 anos, era o carimbador oficial dos documentos do município. Cumpria sempre a mesma rotina: carimbo na carimbeira, carimbo no papel, na carimbeira, no papel… até as seis da tarde. Daqueles tempos, guarda de lembrança, além das mãos azuis, a obstinação. ?Eu precisava levar uns trocados para casa e fazia isso feliz da vida?, conta ele. Pois o carimbador obstinado da prefeitura soteropolitana cresceu, formou-se em ciências sociais e história, foi líder estudantil, preso na ditadura militar, exilado, viveu na Checoslováquia de Alexander Dubcek e testemunhou os tanques soviéticos esmagando a Primavera de Praga (o movimento que pretendia flexibilizar o regime socialista), voltou ao Brasil, atuou como jornalista, virou publicitário e está, neste momento, em seu escritório na zona sul de São Paulo falando do passado, presente e futuro. Aos 58 anos, continua correndo, desta vez para transformar o grupo Ogilvy Brasil na maior empresa de comunicação do País. Quando assumiu, em 1996, havia apenas uma companhia com o nome Ogilvy. Hoje, são sete. Nos últimos dez anos, o grupo cresceu a uma média anual de 18%. ?Antes éramos a 45ª filial da Ogilvy Worldwide. Agora, somos a sexta em receitas?, diz. ?E ainda há muito o que fazer. Detesto ficar parado.?
Também detesta a aura de glamour que envolve o seu segmento e diz, sem rodeios, que odeia festa de publicitário. ?É muita comemoração, muito prêmio. Acaba ficando sem sentido.? Todos os dias, após a sessão de musculação, feita às seis e meia na academia do prédio onde mora, ele devora o café da manhã, os jornais do dia e se apronta para o trabalho. No elevador, olha para o espelho e sempre repete a mesma frase, quase um mantra: ?Você está cada dia mais feio.? Explica que é um exercício para afastar qualquer sinal de vaidade, qualquer possibilidade de arrogância. Funciona? Parece que sim. Numa conversa de três horas, poucas vezes se vê Amado falar de conquistas pessoais, de criações geniais. Até porque ele não é um criador, mas um gestor. E quando diz que a Ogilvy cresceu dois dígitos ao ano desde 1996, diz com simplicidade, sempre enaltecendo os profissionais da agência, o trabalho em grupo. Tem três paixões na vida: a família, o trabalho e os exercícios físicos. No quesito família, abre um capítulo à parte para Lucas e Bruno, de oito e seis anos. Os meninos vivem na Bahia e avô Amado fala com eles todos os dias. ?Tenho meus netos, os filhos criados, uma vida bem vivida. O que mais posso querer??, pergunta o publicitário.
Falando assim, até parece que Amado anda pensando em aposentadoria. ?Pensei sim. Ninguém pode permanecer eternamente numa empresa. Fica cego, acomodado.? Pode ser que ele não fique ?eternamente?, mas, da última vez que manifestou a vontade de preparar a sucessão, o board da Ogilvy Worldwide o trancou numa sala e não abriu a porta até que ele assinasse um contrato para mais quatro anos. E ainda lhe deu assento no conselho mundial. Nesse quadriênio o presidente da Ogilvy já traçou os planos: quer dobrar o tamanho do grupo, seja com aquisições, seja explorando novos nichos. Essa expansão faz parte do projeto 360 Degree Branding (Comunicação 360 graus). Nada mais é do que oferecer um pacote de serviços ao cliente. Eler quer publicidade? Terá. Marketing de relacionamento? Também. Assessoria de comunicação e gestão de crise? Pode contar. ?Fomos o primeiro grupo a fazer isso. Os clientes não precisam procurar dez mil fornecedores para uma campanha completa de comunicação?, explica Amado. A Unilever experimentou o tal 360 graus com a marca Dove e com a maionese Hellman?s. O trabalho incluiu desde ação de marketing viral (espalhar boas notícias pela rede, por sites de relacionamento) até promoções em ponto-de-venda, eventos, pesquisas e a tradicional propaganda em TV e mídia impressa. Hoje, 65% das receitas da Ogilvy Brasil vêm da mídia. Os 35% restantes saem das novas atividades.
Para fortalecer o projeto 360 graus, Amado está desenvolvendo mais empresas sob o guarda-chuva da Ogilvy. ?Teremos novidades nos próximos três meses.? Entre elas, a Ogilvy P.R., grupo que nos Estados Unidos fatura, sozinho, US$ 120 milhões, e que debuta no Brasil em janeiro. Vai cuidar de assessoria de imprensa, planejamento estratégico, gestão de crise e consultoria de imagem. Outra medida será transformar a One for One, divisão que atua com promoções e material para pontos-de-venda, em agência de publicidade. Uma agência de nicho, que terá de dez a 15 clientes, aqueles com verba anual de R$ 20 milhões a R$ 50 milhões. Haverá ainda investimento na Ogilvy Healthworld, que foi a primeira agência do País especializada em publicidade para a indústria de saúde e bem-estar. A empresa vem crescendo 25% ao ano desde 2003. Mas, de todas as novidades para o próximo ano, a maior será a associação com uma grande empresa varejista do País, nos moldes do que a Young&Rubicam faz com as Casas Bahia. ?Só não posso revelar ainda o nome de nosso parceiro?, diz Amado.
O publicitário pode passar horas falando do mercado de propaganda no Brasil. Mas não o imagine restringindo o ?trade? (como gosta de dizer) à sua Ogilvy. A visão do executivo é macroeconômica, analítica. ?A publicidade crescerá exponencialmente se o País evoluir mais do que 3% ao ano. Ela é o espelho do desenvolvimento?, afirma.? Hoje, o mercado publicitário fatura US$ 12 bilhões. Podemos chegar a US$ 20 bilhões se o governo soltar o freio.? Assim como ocorre em outros setores da economia, o Brasil ? ao lado de China, Rússia e Índia ? também é um dos mercados-alvo para os grandes conglomerados da propaganda. No caso da Ogilvy, a expansão por aqui virou questão de honra. Na China, ela é a primeira do mercado. Na Rússia, também. Na Índia, está na segunda colocação. E no Brasil, oscila entre o terceiro e quarto lugar do ranking. ?É bom, mas não o suficiente?, afirma Amado. ?É preciso correr para dobrar o tamanho do grupo até 2010.?