02/03/2022 - 16:57
Mordaz, rude e sedutor, o chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, passou em poucos dias de temido e talentoso negociador a pária no cenário internacional, a ponto de ser boicotado durante suas intervenções na ONU.
Nomeado ministro das Relações Exteriores por Putin em 2004, este homem alto e voluntariamente durão é alvo de sanções internacionais por seu papel na guerra na Ucrânia.
Serguei Lavrov, que há duas décadas executa fielmente a política do presidente russo, Vladimir Putin – sem pertencer, a priori, ao seu círculo mais próximo – exibiu, há apenas algumas semanas, sua capacidade de enganar seus interlocutores.
Ao receber sua contraparte britânica, Liz Truss, que viajou a Moscou para tentar evitar uma guerra na Ucrânia, em meados de março, ele perguntou: “Você reconhece a soberania da Rússia nas regiões de Rostov e Voronezh?”
A ministra, que estava em sua primeira visita à Rússia, caiu na armadilha. O Reino Unido “nunca reconhecerá” a soberania da Rússia nessas regiões, respondeu ela, apesar do fato de Rostov-on-Don e Voronezh serem simplesmente duas cidades russas próximas à Ucrânia.
– Armadilha –
O erro, que foi rapidamente corrigido pelo embaixador britânico, levou Lavrov a se declarar “decepcionado” com a conversa. Ele até acusou sua colega de ter se preparado mal para a reunião. Essa emboscada simboliza a transformação pela qual Lavrov passou nos últimos anos, de um mestre da diplomacia respeitado até por seus inimigos para uma arma ofensiva do Kremlin.
Seus modos cada vez mais grosseiros lhe renderam o apelido de “Sr. Niet” (Sr. Não), que foi usado antes dele para Andrei Gromyko, o ministro das Relações Exteriores soviético por quase 30 anos, na época da Guerra Fria.
“Lavrov, justamente sancionado pelos Estados Unidos e pela União Europeia, foi meu vice na década de 1990. Antes, ele me apoiou. Hoje, ele me protegeria se estivesse atrás de mim”, disse o ex-chanceler russo Andrei Kozyrev que serviu sob Boris Yeltsin na década de 1990.
Recentemente, ele lançou uma campanha pedindo aos diplomatas russos que se demitam em protesto contra a guerra. Agora, Serguei Lavrov, um fervoroso defensor da invasão russa da Ucrânia, aparece – como Vladimir Putin – na lista de pessoas sancionadas pela União Europeia (UE).
O Reino Unido e os Estados Unidos também o sancionaram e o Departamento do Tesouro dos EUA o descreveu como o “principal propagandista” de Putin por ter “espalhado a falsa história de que a Ucrânia é o agressor”.
Na terça-feira, em uma demonstração de solidariedade com a Ucrânia, muitas delegações, inclusive de países ocidentais, boicotaram o discurso de Lavrov por videoconferência na sede da ONU em Genebra. Pouco antes de seu vídeo ser lançado, diplomatas ocidentais saíram do debate.
– Afronta –
Uma afronta a um homem que conquistou o respeito de seus pares por seu conhecimento do funcionamento da ONU durante os dez anos em que foi embaixador da Rússia naquela organização, a partir de 1994.
Por mais irritante que possa parecer para alguns, ele conseguiu estabelecer boas relações com vários de seus colegas, incluindo o ex-secretário de Estado americano John Kerry, durante as negociações do acordo nuclear iraniano de 2015.
Lavrov, que é fluente em cingalês e também em inglês por seu tempo como diplomata no Sri Lanka, é popular na Rússia. Ele liderou a lista do partido no poder nas eleições do ano passado.
Antes dessas eleições, a imprensa investigativa russa afirmou que ele mantinha um relacionamento secreto com uma mulher que ocupava um cargo de responsabilidade no Ministério das Relações Exteriores da Rússia, a quem ele teria coberto de presentes, carros e outros bens.