06/04/2005 - 7:00
Às cegas, cem dias atrás ? uma data redonda que se completa no próximo domingo 10 –, o economista José Serra assumiu a Prefeitura de São Paulo sem saber quanto tinha no cofre, o número de seus credores e o volume de suas dívidas. Na quarta-feira 30, ele cumpriu a promessa de destampar em praça pública a caixa-preta deixada por sua antecessora Marta Suplicy, e o que se viu foi um show de horrores financeiros sem paralelos. ?Uma máfia de irresponsáveis passou por aqui?, disse Serra a auxiliares numa reunião reservada em que foram vistos os primeiros números do Balanço Patrimonial enviado ao Tribunal de Contas do Município. Apurou-se que, se houvesse um meio de pagar de uma vez as contas espetadas, a Prefeitura teria de vender todo o seu patrimônio e, ainda assim, ficaria devendo à praça R$ 5,2 bilhões. Um a um, contaram-se 1,8 mil credores da gestão anterior com os quais há dívidas de R$ 749 milhões. Entre eles, cinco empresas de manutenção de jardins que, não pagas desde setembro do ano passado, quebraram. O rombo total de R$ 1,01 bilhão em contas feitas na gestão anterior teve como contrapartida um provisionamento de caixa de apenas R$ 586 milhões. O ápice desse espetáculo sinistro foi um apagão. Na terça 29, sete prédios municipais tiveram a luz cortada pela Eletropaulo.
Motivo: falta de R$ 605 milhões em pagamentos.
O prefeito tem planos de recolher-se em longos silêncios na passagem de seus cem dias de gestão. Mas determinou à sua equipe apontar todos os buracos abertos por Marta. A lista inclui 3 milhões de notificações de multas expedidas por fiscais municipais, mas jamais aplicadas. Uma vez cobradas, podem significar R$ 1,4 bilhão em arrecadação. ?A cidade foi empurrada para a ilegalidade?, diz o secretário das Subprefeituras, Walter Feldman. Ele já comandou operações que apreenderam 60 mil out doors, painéis, placas e faixas colocadas de maneira irregular, mas admitidas no governo passado. A primeira blitz recolheu 30 anúncios da Petrobras, nas principais avenidas da cidade, de apoio às principais obras de Marta.
Um contrato fechado na estatal municipal Anhembi, de Eventos e Turismo, é outro negócio colocado no rol das esquisitices da gestão anterior. As Casas Bahia tiveram um desconto de 65% no valor do aluguel de R$ 1,6 milhão para ocupar o maior pavilhão de exposições da cidade, pertencente à estatal, com seu lojão de Natal. Detalhe: em troca do desconto, recebeu-se o aluguel de dezembro de 2005 em novembro de 2004, antes da posse de Serra. Na mesma estatal, 18 contratos com fornecedores foram renegociados por valores até 28% menores do que os praticados antes. A gestão de Marta deixou provisionado R$ 1 milhão para a realização do Carnaval, cujos custos, em 2004, foram dez vezes maiores. A festa foi salva por patrocínios privados, da ordem de R$ 9 milhões. Outra vistosa bandeira da ex-prefeita ? a doação de uniformes escolares para os alunos da rede municipal ? também foi carimbada. A gestão de Marta, segundo a equipe de Serra, não tomou providências para a licitação deste ano. Toda a compra de uniformes foi feita na atual gestão, por R$ 4 milhões a menos que no ano passado. E trocou-se a cor do uniforme. O vermelho petista deu lugar ao azul tucano.
Os cerca de 40 mil buracos de rua tapados no primeiro trimestre deste ano representam três vezes mais do que foi feito no mesmo período do ano passado, comparam os azuis. Em Santo Amaro, a gestão atual limpou 6,3 mil bocas de lobo no primeiro trimestre contra 807 serviços do mesmo tipo realizados entre janeiro e março de 2004. ?Os funcionários estavam desmotivados e dispersos?, conta o ex-ministro da Agricultura e atual subprefeito Barros Munhoz. Ele faz parte da equipe de homens da estrita confiança de Serra escalada para gerenciar os bairros da cidade. Em Pinheiros, o atual subprefeito Antonio Marsiglia conhece o prefeito desde o início dos anos 60. ?Fiz a campanha dele para a União Estadual dos Estudantes, e ganhamos?, lembra Marsiglia, que exonerou 11 agentes de apoio à fiscalização contratados na administração de Marta. Eles foram denunciados por comerciantes pela formação de uma quadrilha que exigia mercadorias como televisores e fogões em troca de proteção contra multas. Para Marta, tudo é mesmo um caso de polícia. Assim que leu o Balanço Patrimonial, ela anunciou que pedirá abertura de inquérito policial para desvendar ?as irregularidades presentes nos balanços produzidas pelo governo José Serra?.
NÚMEROS DE UMA HERANÇA CAÓTICA
Balanço patrimonial mostra que Marta descumpriu Lei de Responsabilidade Fiscal
R$ 1 bilhão foi lançado em 2004 na rubrica restos a pagar
R$ 586 milhões foram provisionados para pagar a conta espetada
1,8 mil credores reclamam falta de pagamentos
R$ 605 milhões é a dívida de energia elétrica com a Eletropaulo
R$ 228 milhões é a conta de àgua pendurada na Sabesp
R$ 107 milhões devidos à União não foram pagos em dezembro