16/02/2017 - 9:21
Nas janelas verdes da casa branca de telhas coloniais, Vera Lúcia Dias da Silva cultiva flores e plantas do cerrado. Uma estampa do Divino Espírito Santo, da folia de setembro, ainda está na parede. A voz dela parece sair com um sopro, mas para dentro. Os olhos são negros e brilhosos. Com insistência, começa a conversar. É sertaneja desconfiada, arisca, que vive num mundo perigoso. Guimarães Rosa passou por essa casa na viagem que fez à região em 1952, com o vaqueiro Manuel Nardi, o Manuelzão. Os pais de Vera moravam ali.
A casa fica no fim da estrada que começa no centro de Três Marias, cidade visitada duas vezes no ano passado por grupos fortemente armados especializados em roubo a banco. Por esse caminho, correm bandidos. Muitos vieram pedir água, sujos e maltrapilhos, fugindo de polícia. Vera Lúcia abriu a porta e lhes deu água. Usou o estilo tranquilo e sereno para se livrar do perigo. Certa vez, saía de carro com o marido quando um homem com uma mochila e algo dentro que fazia volume de facão os mandou parar e entrou no veículo. Sentou no banco do carona e ordenou que fossem para a cidade. À sabedoria sertaneja, ela uniu a fé. Evangélica há alguns anos, Vera Lúcia conta que, em meio à aflição do marido, dizia para o bandido que Jesus o amava, que ele seria libertado. O homem mostrou surpresa com a calma dela. Na cidade, Vera exigiu com a mesma voz serena que ele saísse do carro. O bandido não quis sair. Com voz firme, ela disse então: “Moço, Jesus vai te abençoar por toda a vida, mas agora o senhor vai me dar licença e sair do carro”. O homem deixou o veículo. Tinha contado até ali boa parte de suas histórias de crime.
A violência não apenas bateu na porta de Vera Lúcia, mas residiu bom tempo em cada cômodo da casa. Uma violência provocada por amores proibidos. É após um bom tempo de conversa que ela se solta. Diz que não gosta de falar dos que moraram na casa antes de sua família. Dos casos de morte que ocorreram. Conta apenas que houve uma história de amor, um rapaz que foi proibido de ter relação com a empregada da família. Uma tragédia deu sequências a outras. “Antes, na noite, pessoas batiam na parede de cada quarto. Certa vez, uma visita foi acordada por alguém que dizia que aquele quarto era dela e ali morava uma mulher chata.” Essa mulher era Vera Lúcia. “Eu soube lidar com todos eles. Foram embora. Trato a todos com respeito, mas peço licença para saírem.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.