Em mais um capítulo da crise interna que se arrasta há meses no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), técnicos do órgão manifestaram repúdio à iniciativa da gestão do atual presidente, Marcio Pochmann, de lançar uma nova versão do mapa-múndi oficial. A publicação volta a trazer o Brasil no centro do mundo, mas desta vez com a perspectiva invertida, o sul figura no topo da imagem. Segundo parte dos trabalhadores, atos da atual direção configuram desvio institucional.

Segundo a executiva nacional do sindicato de trabalhadores do instituto, o Assibge-SN, a publicação não foi construída pelas áreas técnicas e parece atender à agenda pessoal de Pochmann.

“O mapa em si não apresenta nenhuma incorreção técnica, e poderia compor, em conjunto com outras representações, atlas e materiais didáticos, trazendo um debate bem-vindo sobre as representações cartográficas e sua expressão política. O que avaliamos como bastante problemático é o lançamento de um produto que não foi construído pelas áreas técnicas, não teve um lançamento adequado, e parece atender a agenda pessoal do presidente Marcio Pochmann”, manifestou a executiva nacional do sindicato, em posicionamento enviado ao Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado).

Já o núcleo sindical dos servidores lotados no edifício alugado pelo IBGE na Avenida Chile, no centro do Rio de Janeiro, divulgou um manifesto em repúdio ao lançamento, que considera “um gesto sem respaldo técnico reconhecido pelas convenções cartográficas internacionais”. A unidade Chile, que teve trabalhadores deslocados para um edifício no Horto, na zona sul da capital fluminense, é a maior do IBGE, concentrando cerca de 700 trabalhadores das principais diretorias do órgão: Diretoria de Pesquisas, Diretorias de Geociências e Diretoria de Informática. As diretorias abrigam os servidores responsáveis pela análise e divulgação dos principais indicadores macroeconômicos do País.

“Trata-se de uma iniciativa que, em vez de informar, distorce; em vez de representar a realidade com rigor, cria uma encenação simbólica que compromete a credibilidade construída pelo IBGE ao longo de décadas de trabalho sério, imparcial e respeitado globalmente”, declara o manifesto. “Também se fere o princípio da eficiência, pois a adoção de padrões gráficos não reconhecidos confunde a educação, prejudica comparações internacionais e deslegitima produtos oficiais.”

Os servidores lembram ainda no texto que a atual polêmica “não é um caso isolado”, referindo-se à publicação pela atual gestão do documento Brasil em Números 2024, em janeiro do ano passado, que incluiu um prefácio assinado pela governadora de Pernambuco, Raquel Lyra, exaltando realizações de sua gestão. Na ocasião, a direção do IBGE ignorou os alertas do corpo técnico sobre “o desvio institucional”.

“A responsabilidade por esses desvios recai inteiramente sobre a atual gestão do IBGE, que, em vez de proteger a função pública do Instituto, tem insistido em empurrá-lo para o campo da imagem, da alegoria, da ação promocional. Não há desculpa técnica, jurídica ou pedagógica para esse tipo de prática. Nenhum país se torna mais respeitado por estar no centro de um papel. A grandeza internacional se conquista com políticas públicas consistentes, instituições confiáveis e dados transparentes – não com encenações visuais”, afirmou o núcleo sindical.

Segundo os servidores, os atos recentes teriam violado três princípios constitucionais da administração pública: finalidade administrativa, uma vez que o IBGE tem como função produzir informação técnica e objetiva, e não material simbólico ou político; impessoalidade, por servir à sociedade e não a narrativas de governantes ou gestões; e moralidade administrativa, porque os recursos públicos devem ser usados com integridade e respeito à função estatal.

“A gestão atual do IBGE vem falhando, repetidamente, em proteger o valor técnico e a integridade institucional do órgão. O IBGE não pertence a pessoas. Pertence ao Estado, à sociedade e ao futuro. O Brasil não precisa estar no centro do papel. Precisa estar no centro da honestidade técnica, da responsabilidade pública e do compromisso com a verdade. Por isso dizemos, com serenidade firme: não ao mapa da vaidade. Sim à ciência, à integridade e à maturidade institucional”, defendeu o núcleo sindical.

Em nota divulgada à imprensa na última quinta-feira, 8, o IBGE informou que “o lançamento inédito” do mapa-múndi oficial invertido tinha versões em português e em inglês.

“Estamos lançando o novo mapa-múndi que tem o Brasil nesse centro do mundo, mas agora de uma forma invertida, estimulando a reflexão sobre como nos vemos neste novo mundo em que as transformações ocorrem mais rapidamente e exigem um protagonismo brasileiro ainda maior”, defendeu Marcio Pochmann, em vídeo postado no site do instituto.

O novo mapa destaca os países que são membros do BRICS, do Mercosul, países de língua portuguesa e países que possuem o bioma amazônico, além das cidades do Rio de Janeiro, Belém e Ceará.

“Esse lançamento integra uma série de ações estratégicas para a reflexão e o debate sobre a importância do Sul Global, em meio à crescente importância do Brasil no cenário internacional e às mudanças geopolíticas mundiais”, declarou o IBGE na nota oficial. “O lançamento é feito em ano que o Brasil tem ativa participação nos debates e perspectivas do Sul Global e do cenário mundial, em especial por presidir o BRICS e o Mercosul. E recebe a COP 30”, justificou o instituto, no comunicado.

O novo mapa-múndi pode ser adquirido no site do IBGE: https://loja.ibge.gov.br/.