15/05/2015 - 20:00
Na semana passada, a eliminação do Corinthians na Copa Libertadores para o inexpressivo Guaraní, do Paraguai, horas depois do tropeço do São Paulo diante do Cruzeiro, comprovou, mais uma vez, que o futebol é, sim, um espelho da vida real. Ficou evidente, com a euforia das torcidas, que o fracasso da equipe adversária satisfaz até mais do que a vitória do próprio time do coração. Rojões e gritos demonstraram que a derrota não dói tanto assim, desde que os rivais também percam. O filósofo grego Aristóteles já dizia que na tragédia o expectador experimenta uma espécie de “catarse”, livrando-se psicologicamente de seus próprios tormentos.
A afirmação nunca foi tão verdadeira. O tema desse artigo, no entanto, não é futebol nem filosofia. Os episódios citados servem apenas para exemplificar a distorção de valores em uma sociedade que, cada vez mais, tem sede de sangue. Nada melhor para reforçar essa teoria do que os recentes acontecimentos que sacudiram o circo político brasileiro. Na quarta-feira 13, a Câmara dos Deputados aprovou, por 232 a 210, o fim da aplicação automática do chamado fator previdenciário, uma aberração matemática criada em 1999, no governo Fernando Henrique Cardoso, para reduzir, às custas do trabalhador, o crescente rombo da Previdência Social.
O teorema tucano ajudou a diminuir em R$ 56,9 bilhões os gastos do INSS com aposentarias e benefícios, mas ficou estampado como uma das maiores maldades perpetradas contra a classe trabalhadora. O que chamou a atenção, no episódio da semana passada, não foi a cruzada contra a equação que prejudicou milhões de aposentados, mas o apoio maciço dos 45 deputados da oposição, liderados pelo PSDB, presentes à votação. Na mesma ocasião, os parlamentares também aprovaram a mudança de 30 para 15 dias do período que as empresas têm de bancar o auxílio-doença dos empregados afastados por motivo de doença, em outra emenda apresentada por partido da base governista, desta vez o PP.
O governo defendia que somente após 30 dias de afastamento a despesa passasse a ser custeada pelo INSS. A alteração nas regras do auxílio-doença e o fim do fator previdenciário, que recebeu votos até de parlamentares do PT, representaram, evidentemente, uma derrota ao governo Dilma Rousseff, em pleno ajuste fiscal. Se todos os 63 deputados petistas tivessem seguido a orientação de Dilma, o tal fator previdenciário teria sido mantido. O jogo do poder, em Brasília, tem revelado que, assim como no futebol, em que os torcedores dedicam seu tempo mais a agourar o time adversário, em vez de olhar para sua equipe, a política tem se tornado a arte de fazer o mal, numa trama em que não há mocinhos.
Não podemos esquecer que o PT, a vítima da vez, também já foi um adepto aplicado da oposição a qualquer custo, tendo votado, entre outras coisas, contra a criação do Plano Real, talvez a mais importante conquista social dos últimos vinte anos. “O Plano Real não passa de um estelionato eleitoral”, disse o ex-presidente Lula, em 1994. Nas próximas semanas, uma série de medidas propostas pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, será apreciada e votada no Congresso.
A infantil queda de braço do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, com o presidente do Senado, Renan Calheiros, ambos do PMDB, deve resultar no engavetamento do projeto que regulamenta a terceirização e paralisar parte das medidas necessárias para colocar as contas públicas nos trilhos. Não bastasse o mi-mi-mi peemedebista, Cunha protocolou um projeto que iguala a remuneração do FGTS ao da caderneta de poupança, que reajustaria dos atuais 3% para 6,17% ao ano, mais a Taxa Referencial (TR). O circo vai pegar fogo.