No futuro próximo o computador deixará logo de ser uma ‘coisa’ para ser um conceito — em pouco tempo a computação não será mais feita por meio de um dispositivo, nem esse que você carrega no bolso, menos ainda aquele que tem mouse e teclado, interfaces da década de 1960!

A computação onipresente (e invisível) terá como fonte de dados sensores que operam de forma contínua e discreta em segundo plano, capturando dados de todos os tipos. A partir deles, sistemas baseados em Inteligência Artificial (na nuvem ou nas bordas, junto aos usuários) tomarão decisões e as implementarão, como resposta ‘mágica’ a demandas que nem foram articuladas pelos usuários, mas que são ‘conhecidas’ pelos sistemas. Assim se controlam portas, alarmes, sistemas de exaustão, luzes, cortinas, mas também válvulas, veículos autônomos, processos industriais.

A tecnologia é como a tropa de infantaria na batalha em prol da conveniência. Foram-se os dias de interações laboriosas com aparelhos desajeitados! Mas como nem tudo são flores, como antecipa o sagaz leitor, a informada leitora, há problemas nesse front. A tropa, involuntariamente ou não, avança em direção ao campo minado da privacidade. Nossos aliados invisíveis, ao mesmo tempo em que atendem ao nosso conforto, também atuam como arquivistas meticulosos de tudo o que acontece a nossa volta.

A computação onipresente, quando vista através das lentes do Fausto, de Goethe, pode ser comparada à busca de conhecimento e satisfação final do protagonista. Na narrativa, um Fausto sábio, porém frustrado com as limitações humanas, faz um pacto com Mefistófeles (uma representação arquetípica do mal), pelo qual trocaria sua alma pelo conhecimento infinito e prazeres mundanos. A obra monumental de Goethe simboliza o desejo humano de compreensão e controle ilimitados, mas que pode vir com um preço terrivelmente alto.

Computadores invisíveis, integrados perfeitamente em nossos ambientes, oferecem uma espécie de assistência onipresente, quase onisciente. Eles antecipam necessidades e agem para aumentar o conforto e a eficiência, assim como o pacto de Fausto lhe prometia conhecimento e gratificação ilimitados. No entanto, são muitas as implicações morais e éticas desse acordo… a proliferação desses dispositivos levanta questões complexas sobre privacidade, autonomia e até mesmo sobre a perda da potência humana de agir sobre o mundo.

“A computação onipresente (e invisível) terá como fonte de dados sensores que operam de forma contínua e discreta em segundo plano, capturando dados de
todos os tipos”

A narrativa de Fausto termina com ênfase na responsabilidade moral, na redenção e na ideia de que lutar por uma compreensão mais elevada e pela bondade é um processo contínuo, que em última análise nos faz mais humanos.

À medida que os dispositivos computacionais se misturam ao nosso dia a dia, a fronteira entre a utilidade e a intrusão vai se tornando mais nebulosa. A computação invisível, na sua onipresença silenciosa, não irá somente dinamizar nossas vidas, mas nos convida a refletir: estamos marchando às cegas em direção a um futuro de conveniência incomparável ou estamos caminhando na ponta dos pés ao longo do precipício de um paradoxo da privacidade? Só o tempo dirá, mas por enquanto vamos aproveitando o concerto, mesmo que não possamos ver a orquestra e nem o maestro.

Luís Guedes professor da FIA Business School