estagiaria_01.jpg

Na cadeia: Com hematomas no rosto, Carolina diz que foi torturada pela Polícia

 

Há alguns dias, a jovem Carolina de Paula Faria dos Santos, 22 anos, paulista de Cubatão e ex-estagiária da empresa Petrocoque, na Baixada Santista, foi algemada em sua casa, colocada em um camburão e levada para a delegacia de São Bernardo do Campo. Ela é acusada de ter mandado matar uma funcionária e de assassinar outra, para ficar com a vaga e ser efetivada. O crime chocou o País, ganhou as manchetes de jornais e expôs, na forma de uma crônica corporativa de contornos trágicos, a exacerbação de tudo aquilo que pode haver de ruim num ambiente de trabalho: disputa de poder, inveja, competição, assédio sexual e intrigas. São ingredientes presentes em qualquer empresa, de qualquer setor, de qualquer porte. Em níveis aceitáveis, não costumam contaminar a rotina de uma corporação. Quando, porém, se manifestam de forma virulenta, esses pequenos males transformam-se em doenças e ganham requintes de crueldade. O assassinato revelou também, de forma crua, onde pode chegar a briga por um lugar num mercado de trabalho anêmico como o brasileiro. ?Se ela morresse, a vaga era minha?, disse Carolina, em entrevista exclusiva à DINHEIRO, concedida na cadeia feminina de São Bernardo do Campo.

 

estagiaria_02.jpg

Carolina foi algemada no dia 18 em CUbatão, onde funciona a Petrocoque. Abaixo, o delegado Santos, que prendeu a ex-estagiária, Exibe a foto de monica, a vítima fatal

 

Se não estivesse presa, Carolina agora estaria se preparando para a festa de formatura de sua faculdade, no curso de Administração de Empresas. Segundo o delegado Rony Oliveira, de Santos, ela é acusada de três crimes, dois investigados pela polícia de Santos e um pela de São Bernardo do Campo. O primeiro aconteceu em setembro, quando seu estágio de sete meses na Petrocoque se aproximava do fim. Após ter se envolvido amorosamente com o chefe de produção Elcio Santana, Carolina, que era casada há dois anos, teria tentado seqüestrar a esposa do executivo, com a ajuda de um primo e ?colegas?. ?Ela se envolveu com o chefe já de olho na vaga?, suspeita o delegado Marco Antonio Pereira Santos, de São Bernardo do Campo. Em seu depoimento à polícia, Carolina afirmou que Elcio Santana teria dito a ela que só conseguiria um lugar na companhia ?se alguém morresse?.

A vaga tão cobiçada por Carolina, então estagiária do departamento de recursos humanos (R$ 600 por mês), era a de assistente de planejamento financeiro, na tesouraria da Petrocoque. O posto, com salário de R$ 1,5 mil, era de Renata B., de 24 anos, que prefere não ver publicado seu sobrenome. ?Não tinha contato com ela, mas Carolina insistia em conversar comigo. Chegou a pedir que eu a indicasse para vaga, se fosse sair da empresa?, diz a Renata. Em 18 de novembro, ao sair de São Bernardo para o trabalho, em Cubatão, ela foi surpreendida na estrada por rapazes num Corsa azul. Do automóvel partiram três tiros contra ela. Ferida no ombro, Renata sobreviveu. A placa e a descrição do carro coincidem com o veículo de uma parente de Carolina, que segundo os investigadores, estaria dirigindo o carro durante a emboscada. ?Nunca pedi para matar ninguém. Queria só dar um susto nela, para que Renata saísse da empresa e eu pudesse voltar?, disse Carolina na entrevista à DINHEIRO, na cadeia feminina de São Bernardo (leia trechos da entrevista abaixo).

 

estagiaria_03.jpg

Camargo, da Petrocoque: funcionários terão ajuda de psicólogos

 
 
 

Vista sob a ótica da gestão de recursos humanos, é possível extrair algumas lições da tragédia da Petrocoque. ?O que diferencia – e espanta ? nessa história é que alguém chegou às vias de fato?, diz o professor da Fundação Dom Cabral, Anderson Santanna, especialista em patologias corporativas. Segundo ele, o caso Carolina serve de alerta para a necessidade de um controle maior sobre o clima de competição interna. ?Há 20 anos, as pessoas ficavam mais tempo nos empregos e se comprometiam mais com a companhia e com seus colegas. Os profissionais de hoje são individualistas e competitivos demais?, diz ele. Com a obsessão por redução de custos, constantes e obrigatórios, as empresas passaram a enxugar quadros e exigir bem mais de quem permanece na folha de pagamento. Em outras palavras, fica quem pode e está disposto a acumular funções. O resultado? Emprego e a possibilidade de carreira tornam-se cada vez mais escassos. ?Antigamente o clima era mais ameno. Hoje, no trabalho, cada um se preocupa somente em fazer sucesso pessoal o tempo todo. Amizades só servem se elas ajudam na carreira. Se não, são eliminadas?, analisa o professor Santanna. O ato de eliminar o que (ou quem) atrapalha inclui freqüentemente artifícios como o assédio moral, sexual, trapaças, mentiras, armadilhas. Carolina usou todas essas armas.

Após o ?susto? em Renata, Carolina passou a perseguir outra funcionária da Petrocoque. Três dias depois do Natal, em dezembro passado, ela teria armado uma outra emboscada, desta vez contra Mônica Temer de Almeida, 42 anos. Mônica não teve a mesma sorte de Renata. Atingida por cinco tiros, morreu na hora. Mônica era funcionária no departamento de RH da empresa. Durante o afastamento de Renata, que convalescia por conta dos disparos, foi deslocada para a vaga na tesouraria, o alvo de Carolina. Havia acabado de voltar de sua licença-maternidade. ?Carolina fez vaquinha na empresa para comprar um enxoval para Mônica e chegou a visitar a colega logo depois do parto. Agora, o bebê está órfão, assim como o irmão de 9 anos?, diz o delegado Oliveira. Carolina alega que queria, sim, a vaga, pois estava apaixonada por Elcio Santana. Também diz que arquitetou a emboscada porque sua ?cabeça não estava boa?. Culpa da cocaína, na qual era viciada, disse ela à DINHEIRO. ?Isso não atenua a situação dela, só piora?, diz o delegado de Santos. ?O que nos parece é que ela queria a vaga na tesouraria para, na verdade, armar um golpe contra a empresa?.

Os motivos que teriam levado Carolina ao crime são muitos, segundo o consultor de recursos humanos Luís Felipe Cortoni. ?Não quero aliviar a acusação contra a ex-estagiária, mas todos têm culpa nessa história?, diz ele. ?Ela tem culpa porque deve ser louca, revela desvios de caráter e procurou se entorpecer. A empresa é culpada por negligenciar o ambiente organizacional. Os colegas e a chefia também são responsáveis porque são eles que constróem o clima do lugar.? Na cúpula da Petrocoque, a reação foi de perplexidade. Marcelo Camargo, gerente de RH da empresa ? admitido para o cargo dois dias antes de Carolina terminar o estágio ? se diz confuso. ?Tudo que fazemos aqui é para tornar a companhia um lugar bom e atraente para o mercado de trabalho. Se as pessoas começam a matar para conseguir um lugar aqui, nosso chão cai?, afirma ele. Uma de suas primeiras decisões, depois do acontecimento, foi contratar um psicólogo para dar assistência aos funcionários da empresa. A Petrocoque emprega 80 pessoas. No ano passado, só três se desligaram. Pesquisa de clima organizacional, para avaliar a qualidade do ambiente interno, nunca foi feita na Petrocoque. A primeira deve acontecer este ano. ?Dizer que aqui só tem vaga quando alguém morre é tétrico, mas não é exatamente errado?, diz ele. É, realmente o clima na Petrocoque precisa melhorar.

?Ela morrendo, eu poderia ter minha chance?

Humberto Franco
estagiaria_04.jpg

Crime Passional? Carolina diz que queria a vaga para ficar perto do amante Elcio

 


DINHEIRO foi à cadeia feminina de São Bernardo do Campo, onde a ex-estagiária Carolina dos Santos está presa. Calma e chorando em alguns momentos, nega que arquitetou a morte da colega Monica Temer de Almeida e diz que queria apenas ?dar um susto? em Renata B., para ficar com a vaga.

DINHEIRO – Como você conseguiu o estágio da Petrocoque?
CAROLINA –
No meu penúltimo ano de Administração de Empresas, vi um anúncio do estágio na faculdade, em Santos. Me inscrevi, fiz a entrevista e passei. O estágio foi de dezembro de 2004 até julho do ano passado.

Você é casada e Elcio Santana, chefe de produção da Petrocoque, também. Você se envolveu com ele amorosamente para ficar com a vaga?
Não. A gente se conheceu na empresa. Mas é difícil falar dele (choro). Acabamos nos envolvendo, ele pelos motivos dele – que não sei quais são -, e eu pelos meus. A minha vontade era voltar a trabalhar lá, para ficar perto dele.

Você queria ficar com a vaga da Renata?
Sim. Quando você vê uma pessoa trabalhando que parece que não tá feliz com nada… Trabalha só reclamando, reclamando. Reclama do chefe, da empresa, de tudo. Se não tá feliz lá, por que não sai?

Por isso você planejou a emboscada?
Nunca eu falei: vai e atira ou vai e mata. Eu pedi para os meninos darem um susto nela, para que ela saísse da empresa.

Que tipo de susto?
Minha intenção era que ela saísse da empresa. Não que ela morresse ou se machucasse. Então, pedi para o meu primo fechar o carro dela na estrada, dar um susto. Precisava fazer alguma coisa. Precisava da vaga.

Mas os rapazes que deram os tiros disseram que você pagou para matar…
Nunca pediria para matar alguém.

Mas com a morte da Renata, você ia ter chance de ocupar a vaga?
Teria. Ela morrendo, eu teria minha chance.

Como você planejou a emboscada?
Não pensei em nada. Não estava com a cabeça boa. Eu consumi cocaína por mais de um ano e só parei agora, em dezembro. No dia em que os meninos foram atrás da Renata, também usei. Nunca deixei transparecer nada, nem no trabalho.

E a Mônica? Você mandou matá-la?
Trabalhei com ela no RH por seis meses. Até organizei um enxoval com todas as meninas. Um chá de bebê para ela. Visitei a Monica quando o bebê nasceu. Para mim, a morte dela foi um choque. Estão dizendo que matei para ficar com a vaga da tesouraria. Mas só soube que ela substituia Renata, que estava de licença (por causa dos tiros no ombro esquerdo), depois do que aconteceu. Não soube antes. Ela sempre me ajudou. Sempre me tratou bem, me ensinava a tarefas do setor. Me tratava como uma filha. Só vou pagar pelo que eu fiz.