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O livro de Franco: texto revela como o escritor ficou milionário

Logo depois de matar Polônio, Hamlet desabafa. Diz à rainha ter visto o fantasma de seu pai. Em inglês, ela diz: “This is the very coinage of your brain.” Em duas versões brasileiras, de Carlos Nunes e Barbara Heliodora, a frase é traduzida como “isso é criação do seu cérebro” ou “é fruto do seu espírito”. Ao reler a peça, o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, notou que o termo “coinage”, cunhagem, passou despercebido pelos tradutores. E descobriu que, no tempo de Shakespeare (1564-1616), os reis começaram a gravar nas moedas de ouro suas próprias imagens. Nesse período, surgiram também os primeiros surtos inflacionários. Portanto, ao usar a palavra cunhagem para se referir à fantasia do príncipe Hamlet, o maior escritor de todos os tempos também fez uma referência à ilusão monetária – e uma crítica sutil aos soberanos ingleses. Na peça O Mercador de Veneza, o Bardo explorou os dilemas do capitalismo daquele tempo. Antônio, personagem central, penhora 453 gramas de sua própria carne ao banqueiro judeu. E o texto, que durante muito tempo foi classificado como antissemita, ganhou uma nova leitura de Gustavo Franco. Para o economista, o agiota era apenas um homem em defesa de seu contrato, cuja conduta não chega a ser expressamente condenada pelo dramaturgo.

Histórias como essas compõem o livro Shakespeare e a economia (Zahar, R$ 36), escrito por Gustavo Franco em parceria com o acadêmico americano Henry Farnam. Só que, além de buscar referências econômicas na obra do escritor inglês, os autores também investigaram a veia empresarial de Shakespeare. E descobriram que ele foi um dos mais bem-sucedidos produtores culturais de seu tempo. Um homem capaz de lotar um teatro com capacidade para duas mil pessoas, cinco dias por semana, numa Londres de 300 mil habitantes. “Shakespeare foi uma espécie de Steven Spielberg da sua época”, disse Franco à DINHEIRO. E isso sem Lei Rouanet. Companhias de teatro, que eram apoiadas por financistas da época, equivalentes aos venture capitalists de hoje, tinham de gerar lucro. O que também explica a grande quantidade de sangue, de torpeza e de intriga nas peças do Bardo. “Era uma demanda popular”, avalia Franco. Quando morreu, Shakespeare já era um próspero dono de terras na Inglaterra. Deixou uma herança de 1,5 mil libras, o que, a valores de hoje, seria uma fortuna de US$ 23 milhões. Bem mais do que acumularam Machado de Assis e Fernando Pessoa, dois escritores que também tiveram suas almas capitalistas decifradas por Gustavo Franco em outros livros que misturam economia e literatura.