O mar está revolto para a Shell. Uma das maiores companhias de distribuição de combustível do mundo vem enfrentando há pelo menos três anos várias ondas de problemas no Brasil. A concorrência feroz, aliada à incapacidade de responder rápido às mudanças no setor, fez a empresa mergulhar em prejuízos seguidos (cerca de R$ 110 milhões), forçou a um movimento de encolhimento e levou à troca no comando das operações brasileiras. Desde o início deste mês, o brasileiro Aldo Castelli ocupa a vaga deixada pelo escocês David Pirret, que esteve à frente da subsidiária por cerca de quatro anos. Ex-diretor-financeiro e vice-presidente de varejo da filial, além de acumular uma passagem como diretor-executivo da Petróleo Sabba, rede de postos do Nordeste que leva a bandeira Shell, Castelli terá o desafio de reverter as perdas no mercado de distribuição. É uma tarefa e tanto. Desde 1998, a fatia da companhia anglo-holandesa caiu de 21% para 15% nesse setor, em que cada ponto percentual vale mais de US$ 100 milhões. ?A empresa tem hoje a imagem abalada junto aos revendedores e aos clientes finais?, avalia Luis Gil Siuffo, presidente da Federação Nacional de Combustíveis (Fecombustíveis). ?Para onde ela vai??, indaga.

Por enquanto, ninguém sabe responder. Apesar de ser o titular oficial da cadeira de presidente, Catelli só deverá assumi-la efetivamente no início do próximo mês, quando concluirá os trabalhos em Caribe, onde presidiu a empresa. Encontrará uma Shell diferente da que conheceu no final dos anos 80 e início dos 90. Na época, a companhia tinha a fama de ser a multinacional de maior receita do Brasil. Sob a gestão de Pirret, conhecido como ?o exterminador?, a subsidiária encolheu. O executivo seguiu a meta de redução de custos estabelecida pela matriz e conseguiu economizar, segundo cálculos do mercado, perto de R$ 200 milhões. Reduziu o quadro de pessoal de 2.700 para 1.800, diminuiu as bases de distribuição de combustível (de onde saem os caminhões de entrega) de 50 para os atuais 25 e fechou todos os escritórios da companhia (perto de 20) instalados pelo território nacional.

Na rede de postos, foi adotada a medida mais dramática. No ano passado, a companhia vendeu para a Agip 550 unidades das regiões Nordeste e Centro-Oeste e descredenciou outros 650. ?Estamos contemplando os grandes centros urbanos, onde as operações são mais rentáveis?, explica James Assis, gerente de relações setoriais. Desde que o mercado de combustíveis foi desregulamentado, em 1995, as pequenas empresas abocanharam perto de 25% de participação, segundo cálculos da Fecombustíveis. ?Houve uma série de distorções, como a venda de combustíveis adulterados e a criação de uma espécie de indústria de liminares garantindo a concorrentes o direito de não pagar impostos?, queixa-se.

A reestruturação da Shell repercutiu até sobre o modelo de trabalho. Ao longo de 2000, a companhia adotou o esquema de escritórios remotos, que permitiu a 270 profissionais das áreas de vendas e engenharia atuar a partir de casa. ?Assim, o tempo de trabalho é otimizado e os resultados são melhores?, conta Sandra Saldanha, gerente de recursos humanos. Em meados do ano passado, a Shell vendeu para a empresa de telecomunicações Intelig, por um valor estimado pelo mercado em US$ 30 milhões, o prédio de vidro fumê que abrigava sua sede na Praia de Botafogo, no Rio de Janeiro. ?Localizado numa área valorizada, o prédio antigo tinha um custo operacional muito alto?, conta um funcionário. ?Na nova sede, estaremos mais de acordo com os modestos padrões brasileiros?. Até outubro, o novo edifício na Barra da Tijuca estará recebendo os empregados da Shell. ?Lá, os processos são automatizados, o que garante maior economia?, afirma Sandra. A renovação, porém, não agradou os revendedores. Uma das medidas implementadas para agilizar os pedidos dos clientes foi a substituição dos contatos pessoais por atendimento telefônico automático. A idéia de transmitir os pedidos via caixa postal desagradou. Tanto que pesquisa realizada pela Fecombustíveis mostrou que 81% dos representantes da bandeira estavam insatisfeitos. ?A companhia cometeu erros de estratégia na condução dos negócios brasileiros?, analisa Siuffo. Novamente pilotada por um brasileiro, a Shell poderá entender melhor o mercado nacional e voltar a navegar em mares mais tranqüilos.