Até a rainha Beatriz, da Holanda, foi atingida. Na semana passada, um mensageiro do reino levou à monarca a triste notícia vinda dos pregões de Amsterdã e Londres. Sua Majestade, uma das maiores acionistas do grupo Royal Dutch Shell, acabava de tomar um prejuízo de 375 milhões de euros com as ações da companhia. A rainha foi a vítima mais ilustre, mas nem de longe a única investidora a perder milhões com um escândalo de proporções gigantescas envolvendo a terceira maior empresa de petróleo do mundo. Depois de superestimar suas reservas de petróleo e ver as ações em crescente valorização, a Shell foi flagrada por auditores e obrigada corrigir suas contas. Resultado: reduziu em 24% os estoques anunciados, volume equivalente a 4,4 bilhões de barris. A revisão para baixo de suas reservas teve o efeito de uma bomba no mercado. Os papéis da companhia despencaram: estima-se uma queda de US$ 15 bilhões no valor das ações da Shell. Autoridades européias e a poderosa SEC (reguladora do mercado de capitais dos EUA, onde a Shell também é cotada) agora estão nos calcanhares do grupo. O cerco se fechou de tal forma que o presidente mundial Phillip Watts abandonou o cargo. Foi seguido pelo diretor de exploração Walter van de Vijyer e pela diretora de finanças Judy Boynton. Há quem garanta que as demissões não vão parar por aí.

 

Incompetência ou má-fé? Por enquanto, as investigações apontam para a segunda hipótese. O escritório de advocacia Davis, Polk & Wardell, de Nova York, que representa vários acionistas, obteve documentos reveladores do caso Shell. Eles mostram
dois grandes executivos, o então presidente Watts e o diretor Van de Vijyer, trocando farpas via e-mail. Trechos dessas mensagens foram publicados na semana passada pela Business Week. O mais forte deles partiu
em novembro de 2003 do computador de Van de Vijyer a Watts: ?…Eu estou farto de mentir sobre a extensão de nossas reservas e fazer revisões logo depois…?. Van de Vijyer, ainda segundo a firma de Nova York, optou por ganhar tempo e torcer para que o conselho descobrisse sozinho a manobra. O silêncio custou-lhe o cargo e um prejuízo de bilhões de dólares aos acionistas.

?Esse negócio de bônus por desempenho para os principais executivos tem dois lados. Para os de bem, funciona como motor na busca pela eficiência. Para os outros, é um vale-tudo na caça por resultados?, diz o professor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura. Os documentos da Davis, Polk & Wardell dão pistas sobre os motivos que levaram alguns executivos da Shell a optarem pela manipulação das reservas. Nos últimos anos, a companhia estava sendo muito menos eficiente em descobrir novos campos de petróleo e gás do que se imaginava. ?Estamos lutando para obter boa performance em negócios-chave?, escreveu Van de Vijyer a Watts em setembro de 2002. Nesse período, a produção começou a cair. Foi aí que surgiu o milagre da ?multiplicação?. Segundo a SEC, a Shell registrou como ?provadas? reservas que deveriam constar como ?prováveis?. Só que a relação reserva-produção, um dos fortes indicadores de performance no
setor de petróleo, não estava ?batendo? na prática, o que fez acender a luz amarela nas autoridades.

No braço brasileiro da Shell, o escândalo internacional não deve ter maiores reflexos. Pelo menos por enquanto. Procurados para comentar o assunto, executivos da filial preferiram não se manifestar. Eles têm algo mais próximo para se preocupar. Na semana passada, a Procura-
doria da República em São Paulo denunciou a empresa por crime ambi-
ental na Vila Carioca (zona sul da capital paulista), onde há uma base de estocagem de combustível. A multinacional é acusada de poluir o ar com substâncias nocivas à saúde. ?Temos um estudo sobre as condições da base e vamos contribuir com as autoridades para fazer a reabilitação da área?, diz José Cardoso Teti, gerente de instalação da Shell Brasil. ?Não faltaremos com nossa responsabilidade.?

NÚMEROS DA MANOBRA
? Em janeiro de 2004, a Shell é obrigada a reavaliar suas reservas
? A produção não refletia o estoque anunciado

? Em março, auditorias descobrem novas distorções contábeis

No acumulado do ano, o grupo reduziu
seus níveis em 24% ou
4,4
bilhões de barris. Ações caem em
Amsterdã, Nova York e Londres
15 bilhões de dólares foi a queda estimada
do valor de mercado da companhia
logo após a descoberta da manipulação
das reservas de petróleo

Três executivos são afastados, incluindo
o presidente Philip Watts,
tido como pivô da crise.
Força-tarefa
A poderosa SEC se une às autoridades européias
para investigar o board da companhia
Enquanto a matriz tenta resolver seus problemas,
filial brasileira enfrenta outro revés: foi denunciada
por crime ambiental em São Paulo
Procuradoria da República quer provar
que a base de estocagem da Shell.
na periferia paulistana representa
risco à população

375 milhões de euros foi a perda da rainha Beatriz, da Holanda, com as ações da Shell. Ela é uma das maiores acionistas do grupo