Na última terça-feira, 12, o empresário Sidney Oliveira, dono da Ultrafarma, está prisão temporária apó ser deflagrada a Operação Ícaro, do Ministério Público de São Paulo (MP-SP).

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A ação apura um esquema de corrupção envolvendo auditores fiscais tributários da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (Sefaz-SP), que teriam recebido mais de R$ 1 bilhão em propinas para favorecer empresas do setor de varejo.

Além de Sidney, foram presos o executivo Mário Otávio Gomes, diretor estatutário da Fast Shop, rede especializada no comércio de eletrodomésticos e eletrônicos, e o auditor fiscal Artur Gomes da Silva Neto, da Secretaria da Fazenda e Planejamento (Sefaz-SP).

Também são citadas na investigação as lojas de conveniência Oxxo — parte do Grupo Nós, uma joint venture entre a Raízen (uma parceria entre Cosan e Shell) e Femsa Comércio —, a varejista de combustíveis Rede 28, a Kalunga, rede de papelaria e material de escritório, e a distribuidora All Mix também são citadas na investigação.

Em nota, a Fast Shop informou que ainda não teve acesso à investigação e que está colaborando com as autoridades competentes. As demais não haviam se manifestado até a publicação desta matéria. O espaço está aberto e o texto será atualizado quando houver retorno.

Quem é Sidney Oliveira

O empresário Aparecido Sidney Oliveira, de 71 anos, fundou a rede de farmácias Ultrafarma em meados de 2000 e ficou conhecido ao protagonizar anúncios da empresa, tanto em fotos publicitárias como em propagandas na televisão. Sua rede se popularizou ao focar na venda de medicamentos genéricos, de menor custo.

Nascido em 1954 em Umuarama, no Paraná, o empresário conta no site da empresa que começou a trabalhar em farmácias quando atens dos 10 anos de idade, vendendo remédios por conta nas cidades vizinhas – até comprar sua primeira farmácia e depois migrar para São Paulo na década de 1980, onde abriu a Drogavida, que chegou a ter 23 filiais espalhadas pela capital paulista e foi vendida posteriormente.

Sidney Oliveira, proprietário da Ultrafarma
Sidney Oliveira, proprietário da Ultrafarma

Em 2007, a Ultrafarma foi vencedora do Prêmio Top of Mind Internet, como a primeira marca de farmácia na internet. Atualmente, a empresa segue como líder do e-commerce de produtos farmacêuticos no Brasil, com mais de 4 milhões de clientes ativos e mais de 15 mil produtos.

Atualmente a Ultrafarma tem seis unidades próprias e mais de 400 licenciadas.

A companhia não divulga seus dados publicamente, mas estima-se que o faturamento anual fique na casa do bilhão. Para efeito de comparação, a RD Saúde, antiga Raia Drogasil, faturou cerca de R$ 40 bilhões no acumulado do ano de 2024.

O que se sabe sobre a prisão do dono da Ultrafarma:

Quem são e o que dizem os envolvidos?

Além de Sidney Oliveira, também foi preso o executivo Mário Otávio Gomes, quetrabalha na Fast Shop há mais de 30 anos e ocupa o cargo de diretor estatutário – que pode ser responsabilizado por prejuízos causados por má-gestão ou dolo – desde 2014.

Outro preso na Operação Ícaro é Artur Gomes da Silva Neto, supervisor da Diretoria de Fiscalização (Difis) da Sefaz-SP. Apontado como “cabeça” do esquema, o auditor fiscal Artur Gomes da Silva Neto teria recebido mais de R$ 1 bilhão em propinas de varejistas para destravar em tempo recorde pedidos milionários de ressarcimento de créditos de ICMS-ST.

Na casa dele, em Ribeirão Pires, no ABC paulista, os policiais apreenderam documentos que ainda serão analisados para elucidar o tamanho do suposto esquema. O Ministério Público espera esclarecer se outras empresas se valeram de seus “serviços”.

“Outras várias empresas, grandes empresas do setor varejista, também podem ter se valido do mesmo esquema para conseguir a liberação desses créditos tributários”, explica o promotor de Justiça Roberto Bodini, que integra o Grupo de Atuação Especial de Repressão aos Delitos Econômicos (Gedec), braço do Ministério Público de São Paulo que combate crimes contra a ordem econômica.

O que é investigado?

A investigação começou após uma evolução patrimonial atípica da empresa Smart Tax, registrada em nome da mãe de Artur. Ela saiu de um patrimônio de R$ 411 mil em 2021 para R$ 2 bilhões em 2024, o que chamou a atenção do MP-SP, já que a empresa não tinha funcionários e tinha apenas a Fast Shop como cliente.

De acordo com o MP-SP, o fiscal manipulava processos administrativos para facilitar a quitação de créditos tributários às empresas. Em contrapartida, essas companhias pagavam um valor para Artur, por meio da Smart Tax.

Antes da Operação Ícaro, a Justiça de São Paulo já havia autorizado a quebra do sigilo de mensagem do fiscal. E-mails trocados pelo auditor colocaram as empresas na mira do Ministério Público.

Em dezembro de 2024, por exemplo, Artur recebeu em seu e-mail pessoal a minuta de um acordo de confidencialidade para prestação de serviços para o Grupo Nós. “Documentos solicitados para prosseguimento nas tratativas de prestação de serviço”, dizia a mensagem.

Toda a negociação era feita por meio da empresa cadastrada em nome da mãe de Artur Gomes, a Smart Tax, uma consultoria tributária que, segundo os investigadores, só existe no papel. Os promotores ainda analisam quais empresas, de fato, aderiram ao esquema e quais foram apenas abordadas, sem dar seguimento às propostas.

O contador da Smart Tax, Agnaldo de Campos, seria o “testa de ferro” do auditor nas negociações.

O auditor aposentado Alberto Toshio Murakami também é investigado por suspeita de participação no esquema. Murakami tinha o certificado digital da Rede 28 instalado em seu computador, o que o permitia formalizar pedidos em nome da empresa junto à Secretaria da Fazenda. O Ministério Público afirma que, mesmo após deixar o cargo, em janeiro deste ano, ele continuou a auxiliar Artur.

Outras duas contadoras são suspeitas de envolvimento no esquema. Fátima Regina Rizzardi e Maria Hermínia de Jesus Santa Clara são descritas como “assistentes nos serviços criminosos”. Elas ajudariam na elaboração dos pedidos de ressarcimento, que envolvem documentos e cálculos complexos.

Em um dos e-mails trocados com Artur, Maria Hermínia envia um arquivo digital da Kalunga para ressarcimento de créditos de ICMS.

“Artur, será que consegue verificar com o pessoal, se eles estão com algum problema, ou qual o meu erro? Segue abaixo o arquivo anexo. Esse arquivo veio com um log de erro que eu não consigo descobrir o motivo”, escreve a contadora. “Já tentei compor, colocar de cabeça pra baixo, misturar, mas não encontro o que o programa da Sefaz (Secretaria da Fazenda) glosou para chegar nessa conclusão.”

Os documentos, computadores e celulares apreendidos na Operação Ícaro serão analisados agora em buscas de pistas para aprofundar a investigação.

A reportagem busca contato com as defesas. O espaço está aberto para manifestação (dinheiro@istoe.com.br).

Por que Sidney foi preso?

Sidney foi preso temporariamente na Operação Ícaro porque a Ultrafarma está implicada no inquérito. Os investigadores do MP-SP encontraram centenas de e-mails trocados entre o dono da Ultrafarma e funcionários da empresa com Artur.

Segundo o MP-SP, Artur tinha até mesmo o certificado digital da Ultrafarma para protocolar pedidos de ressarcimento em nome da empresa junto à Sefaz.

O órgão também apontou que o fiscal pagou R$ 1,2 milhão ao advogado Fernando Capez – ex-procurador de Justiça e ex-deputado estadual – para defender Sidney em uma investigação. Ele também teria convencido o empresário a fechar um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) para encerrar a investigação e ocultar a sua participação em crimes praticados pelo dono da Ultrafarma.

Até quando ele ficará preso?

Sidney passou por audiência de custódia na quarta-feira, 13, e teve a sua prisão temporária mantida peja Justiça de São Paulo. Por lei, a prisão temporária tem prazo inicial de 5 dias.

De acordo com o MP-SP, a medida foi necessária porque funcionários da Ultrafarma serão ouvidos pelo órgão e, caso estivesse em liberdade, o empresário poderia pressionar ou intimidar seus subordinados. Esse argumento também foi utilizado para justificar a prisão de Mário.

Quais empresas estão envolvidas?

A investigação do MP-SP também envolve outras varejistas suspeitas de financiarem o esquema de corrupção.

O Grupo Nós, dono das lojas de conveniência Oxxo, a Rede 28, de postos de combustíveis, a Kalunga, rede de papelaria e material de escritório, e a distribuidora All Mix também são citadas na investigação.

O que diz a Secretaria da Fazenda de SP

A Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz-SP) está à disposição das autoridades e colaborará com os desdobramentos da investigação do Ministério Público por meio da sua Corregedoria da Fiscalização Tributária (Corfisp). Enquanto integrante do CIRA-SP – Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos – e diversos grupos especiais de apuração, a Sefaz-SP tem atuado em diversas frentes e operações no combate à sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e ilícitos contra a ordem tributária, em conjunto com os órgãos que deflagraram operação na data de hoje. Além disso, a Sefaz-SP informa que acaba de instaurar procedimento administrativo para apurar, com rigor, a conduta do servidor envolvido e que solicitou formalmente ao Ministério Público do Estado de São Paulo o compartilhamento de todas as informações pertinentes ao caso.

A administração fazendária reitera seu compromisso com os valores éticos e justiça fiscal, repudiando qualquer ato ou conduta ilícita, comprometendo-se com a apuração de desvios eventualmente praticados, nos estritos termos da lei, promovendo uma ampla revisão de processos, protocolos e normatização relacionadas ao tema.

COM A PALAVRA, O SINDICATO DOS AUDITORES DA RECEITA ESTADUAL

‘Condutas ilícitas traem a confiança da sociedade’

O Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo (Sinafresp) repudia de forma categórica e inegociável qualquer prática de corrupção. Condutas ilícitas, venham de quem vier, traem a confiança da sociedade, enfraquecem as instituições e não representam, em hipótese alguma, o papel que o serviço público deve desempenhar. Quem se afasta da ética e da legalidade deve responder com todo o rigor da lei, sempre com a garantia do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Repudiamos também, com igual veemência, qualquer tentativa de usar esse episódio para atacar ou generalizar contra toda a categoria. Um caso isolado não apaga décadas de atuação íntegra e resultados extraordinários que fazem do Fisco Paulista uma das instituições mais eficientes e respeitadas do país.

Os números confirmam essa realidade: em 2024, a arrecadação estadual alcançou R$ 275 bilhões – crescimento real de 8,8% sobre 2023 – sem aumento da carga tributária. Foram R$ 32 bilhões em autos de infração lavrados, R$ 924 milhões recuperados de contribuintes resistentes à conformidade, R$ 26,83 bilhões arrecadados em IPVA e R$ 1,1 bilhão recuperado de devedores contumazes, resultado direto da atuação inovadora na cobrança administrativa.

Esse trabalho vai muito além da arrecadação: protege a concorrência leal, combate a inadimplência contumaz e garante justiça fiscal, assegurando recursos para saúde, educação, segurança e demais serviços públicos essenciais.

A imensa maioria dos profissionais do Fisco atua pautada pela legalidade, pela moralidade administrativa e pelo compromisso com a sociedade. É por isso que repudiamos qualquer generalização injusta que busque manchar a imagem da categoria. Não aceitaremos que um caso isolado sirva de pretexto para ignorar ou desvalorizar a contribuição estratégica que prestamos ao Estado.

Ao mesmo tempo em que apoiamos a apuração rigorosa do caso em curso, cobramos igual celeridade na investigação de denúncias de assédio moral dentro da administração tributária, inclusive aquelas amplamente divulgadas pela revista Piauí e que seguem, até hoje, sem solução à altura da gravidade dos fatos. Integridade e respeito são princípios inegociáveis – e devem valer para todos, em qualquer posição ou função.

O Sinafresp seguirá na defesa intransigente da honra e valorização das auditoras e auditores fiscais, com firmeza contra qualquer prática ilícita e com orgulho dos resultados extraordinários que nossa categoria entrega, ano após ano, ao Estado de São Paulo e à sociedade.

Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo – Sinafresp