07/01/2022 - 16:56
Em Hollywood, os afro-americanos eram relegados aos papéis de empregados ou de bobo da cidade, mas Sidney Poitier conseguiu romper esses estereótipos nas décadas de 1950 a 1970, participando assim de uma lenta mudança de mentalidade da sociedade norte-americana.
O ator, que faleceu nesta sexta-feira (7) aos 94 anos, foi o primeiro homem negro a ganhar o Oscar de melhor ator por “Uma Voz nas Sombras”, de 1963.
“A viagem para chegar até aqui foi longa”, disse o ator, bastante emocionado, após receber a estatueta em 1964.
Graças a seus papéis, o público foi capaz de imaginar que negros poderiam se tornar médicos (“O Ódio é Cego”, 1950), engenheiros e professores (“Ao Mestre, com Carinho”, 1967), e até mesmo policiais (“No Calor da Noite”, 1967).
No entanto, aos 37 anos e quando recebia seu Oscar, Poitier era o único astro negro em Hollywood.
“A indústria cinematográfica ainda não estava preparada para elevar mais de uma personalidade das minorias ao estrelato”, escreveu o ator em sua autobiografia “This Life”.
“Naquele momento, […] representei os anseios de todo um povo. Eu não tinha controle sobre o conteúdo dos filmes, […] mas podia rejeitar um papel, o que fiz muitas vezes”, afirmou.
Em 2002, 40 anos depois, Sidney Poitier recebeu o Oscar honorário por “suas extraordinárias interpretações, sua dignidade, seu estilo e sua inteligência”.
“Aceito este prêmio em nome de todos os atores e atrizes afro-americanos que vieram antes de mim […] e em cujos ombros pude me apoiar”, respondeu o ator agradecendo “às decisões visionárias de um punhado de produtores, diretores e responsáveis de estúdios”.
Naquela mesma noite, Denzel Washington se tornou o segundo homem negro a receber o Oscar de melhor ator: “Nunca chegarei à sua altura e sempre darei meus passos sobre os seus”, declarou Denzel.
– ‘Tio Tom’ –
Quando Poitier nasceu em 20 de fevereiro de 1927 em Miami, seu pai comprou um caixão para ele. O bebê chegou com dois meses de antecipação, e pesava apenas um quilo. Era o sétimo filho de um velho agricultor, que já tinha perdido outros.
Ele veio das Bahamas para obter um preço melhor por seus tomates, e não para dar boas-vindas a um filho prematuro. Sua esposa, no entanto, rejeitou o fatalismo e fez consultas com um médium, que previu um futuro brilhante para Sidney. Os pais, então, ficaram mais três meses em Miami.
Graças ao parto prematuro, Poitier obteve a nacionalidade americana. Aos 15 anos, seus pais puderam enviá-lo a Miami com seu irmão para ganhar a vida. Antes, jamais havia usado sapatos fora de uma igreja.
Para escapar das leis racistas da Flórida, ele vai para Nova York, onde sobrevive. Seu forte sotaque caribenho lhe rendeu a rejeição do “American Negro Theatre”. Depois disso, teve que trabalhar duro para se livrar do mesmo.
Atuando profissionalmente na Broadway em 1946, Poitier chama a atenção do diretor Joseph Mankiewicz. Em seu primeiro filme (“O Ódio é Cego”, 1950), interpreta um médico que atende ao lado dos leitos de dois racistas brancos. O filme, censurado no sul, lançou sua carreira no cinema.
Três anos depois de ganhar o Oscar, encarna o papel de herói em três grandes sucessos de bilheteria: “Adivinhe Quem vem para Jantar”, “Ao Mestre, com Carinho” e “No Calor da Noite”). Poitier se torna inclusive mais popular que atores brancos como Steve McQueen e Paul Newman.
Em Hollywood, no entanto, pouca coisa tinha mudado para os negros. Seus críticos o acusam por seu papel de genro ideal, que não reflete a discriminação sofrida pelos afro-americanos. Com isso, ele recebe apelidos como “Tio Tom”, “lacaio” e “engraxate de um milhão de dólares”.
No início dos anos 1970 surge um novo movimento para o cinema negro, o “Blaxploitation” e seus filmes mais radicais. “Minha carreira como astro de Hollywood estava chegando ao fim”, disse o ator, que passou a se dedicar à direção.
Muitos anos depois, em 1997, interpreta o líder negro sul-africano Nelson Mandela e, depois, o então primeiro juiz negro da Suprema Corte dos Estados Unidos, Thurgood Marshall.
Casado por 15 anos (1950-1965) com a dançarina Juanita Hardy, com quem teve quatro filhas, Poitier se casa novamente em 1976, com a atriz canadense Joanna Shimkus, com quem teve outras duas filhas.
Em 2000, confidencia a Oprah Winfrey que havia se mantido fiel aos princípios de seu pai. Apesar da enorme pobreza, ele “manteve sua dignidade, mesmo que, em toda a sua vida, jamais tivesse ganhado tanto dinheiro como o que eu poderia gastar em uma semana”.