27/01/2015 - 20:26
A primeira coisa que chamou a atenção de Ivan Martynuchkin foi o silêncio, o cheiro de cinzas e o imenso campo de vários quilômetros. Mas até o último momento antes de entrar, este soldado soviético não podia imaginar o horror que encontraria em Auschwitz.
“No começo pensei que estávamos diante de um campo alemão”, lembra o veterano do Exército Vermelho, lúcido, apesar de seus 91 anos.
Martynuchkin comandou uma unidade do 60º Exército Soviético e recebeu a ordem de entrar no que mais tarde se tornaria o símbolo do Holocausto perpetrado pelos nazistas.
“Ninguém sabia na época. Nem os soldados nem os oficiais. Talvez apenas as maiores autoridades do estado-maior tivessem ouvido falar”, relata.
Entre 1940 e 1945, cerca de 1,1 milhão de pessoas morreram neste campo, em sua grande maioria judeus.
Ivan Martynuchkin tinha 21 anos e há dois anos lutava no front, na reconquista da Ucrânia junto à “Primeira Frente Ucraniana”, em uma divisão de infantaria.
O dia 27 de janeiro de 1945 seria como outro qualquer. Um dia antes, os canhões trovejavam a poucos quilômetros e Ivan, assim como seus colegas, acreditavam que uma nova batalha começaria.
Uma vez em Auschwitz, receberam a ordem de verificar os arredores e vasculhar todas as casas para detectar qualquer foco de resistência nazista.
“Então nós começamos a ver pessoas atrás do arame farpado. Era algo muito difícil de se ver. Eu me lembro de seus rostos, especialmente olhos, que revelavam o que tinham experimentado, mas que também percebiam que estávamos lá para libertá-los”, diz ele.
Quando os soldados chegaram ao campo, restavam apenas 7.000 prisioneiros, os mais fracos. Os outros haviam sido levados para Loslau (hoy Wodzislaw Slaski, na Polônia), na “marcha da morte”, que permanecerá na memória dos detidos que conseguiram sobreviver, como um horror pior do que aquele vivido nos campos.
Mas em 1945, o exército soviético devia seguir para o oeste. Ivan Martynuchkin soube do fim da guerra em um hospital tcheco, depois de ser ferido duas vezes.
E apenas quando as autoridades russas e polonesas passaram meses pesquisando os arquivos que estavam em Auschwitz, que Martynuchkin realmente tomou consciência da realidade no campo.
Como veterano participou de várias comemorações da libertação do campo. Em 2010, chegou a fazer a viagem com o presidente russo, Vladimir Putin, uma recordação eternizada em uma foto exposta na sala de sua casa.
Martynuchkin também evoca o discurso do presidente do Parlamento Europeu entre 2009 e 2012, o polonês Jerzy Buzek.
“Quase fomos comparados a um exército de ocupação, ao passo que chegamos para libertar a Polônia”, disse ele, referindo-se às divergências que os países que pertenciam ao eixo soviético e a Rússia não conseguiram eliminar mais de duas décadas depois da queda do muro Berlim.
Na quarta-feira, o ministro das Relações Exteriores polonês, Grzegorz Schetyna, começou uma nova polêmica ao afirmar que, na realidade, Auschwitz foi libertado pelos ucranianos. Uma afirmação refutada por este veterano.
“Um dos meus companheiros mais próximo era georgiano. Havia cazaques, armênios e é claro que havia ucranianos, mas, antes de tudo, éramos um exército internacional. Estávamos todos unidos, pertencíamos ao povo soviético”, disse o combatente, que depois da guerra trabalhou em um projeto nuclear do seu país.
“Eu não vou responder a isso (declarações do ministro). Na verdade, eu estou envergonhado”, sentencia Ivan que, no entanto, diz que voltará a participar da comemoração da libertação de Auschwitz nesta terça-feira.
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